Quiriarcado – Wikipédia, a enciclopédia livre

Em teoria feminista, quiriarquia é um sistema social ou conjunto de sistemas de ligação sociais construídas em torno de domínio, opressão, e submissão. A palavra foi criada por Elisabeth Schüssler Fiorenza em 1992 para descrever sua teoria de sistemas de dominação e submissão interconectados, interagentes e que se estendem por si mesmos, nos quais um único indivíduo pode ser oprimido em alguns relacionamentos e privilegiado em outros. É uma extensão interseccional da ideia de patriarcado além do gênero.[1] Quiriarcado engloba o sexismo, o racismo, capacitismo, etarismo, o antissemitismo, a homofobia, a transfobia, o classismo, a xenofobia, o adultismo, adultocentrismo, injustiça econômica, complexo industrial-prisional, efebifobia, gerontofobia, o colonialismo, o militarismo, o etnocentrismo, o antropocentrismo, o especismo e outras formas de dominância hierárquicas em que a subordinação de uma pessoa ou grupo a outro é internalizada e institucionalizada.[2][3]

Etimologia[editar | editar código-fonte]

O termo foi cunhado para o inglês por Elisabeth Schüssler Fiorenza[4] em 1992, quando ela publicou seu livro But She Said: Feminist Practices of Biblical Interpretation.[5] Quirio- (em grego: κύριος, kyrios), "senhor, mestre", prefixado em arquia (em grego: ἀρχή, archè), "autoridade, dominação, soberania".[5][2] A palavra kyriarchy (em grego: κυριαρχία, kyriarchia), já existia no grego moderno e significa "soberania", ou seja, o governo de um soberano.

Uso[editar | editar código-fonte]

O termo foi originalmente desenvolvido no contexto do discurso teológico feminista e tem sido usado em algumas outras áreas da academia como um descritor de sistemas de poder não baseado em gênero, em oposição ao patriarcado.[6] Também é amplamente usado fora de contextos acadêmicos.[7]

O candidato a asilo curdo-iraniano Behrouz Boochani descreveu a prisão australiana da ilha de Manus como um sistema quiriárquico:[8] um onde diferentes formas de opressão se cruzam; a opressão não é aleatória, mas proposital, projetada para isolar e criar atrito entre os prisioneiros, levando ao desespero e espíritos quebrantados.[9] Ele elabora isso em seu relato autobiográfico da prisão, No Friend But the Mountains. .

Posições estruturais[editar | editar código-fonte]

Schüssler Fiorenza descreve "estratificações interdependentes de gênero, raça, classe, religião, heterossexismo e idade" como posições estruturais[5] atribuídas no nascimento. Ela sugere que as pessoas ocupam várias posições e que as posições com privilégio tornam-se pontos nodais através dos quais outras posições são vivenciadas. Por exemplo, em um contexto onde o gênero é a posição privilegiada primária (por exemplo, patriarcado), o gênero se torna o ponto nodal através do qual a sexualidade, a raça e a classe são vivenciadas. Em um contexto onde a classe é a posição privilegiada primária (isto é, o classismo), gênero e raça são vivenciados por meio da dinâmica de classe. Fiorenza ressalta que a kiriarquia não é um sistema hierárquico, pois não se concentra em um ponto de dominação. Em vez disso, é descrito como um "sistema piramidal complexo" com aqueles na base da pirâmide experimentando o "poder total da opressão quiriárquica". O kiriarcado é reconhecido como o status quo e, portanto, suas estruturas opressivas podem não ser reconhecidas.[10]

Para manter esse sistema, o quiriarquismo depende da criação de uma classe, raça, gênero ou povo servo. A posição dessa classe é reforçada por meio de "educação, socialização e violência bruta e racionalização de malestream".[5] Tēraudkalns sugere que essas estruturas de opressão são autossustentadas pela opressão internalizada; aqueles com poder relativo tendem a permanecer no poder, enquanto aqueles sem poder tendem a permanecer privados de direitos.[2] Além disso, as estruturas de opressão se amplificam e se alimentam.[10]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Kwok Pui-lan (2009). «Elisabeth Schüssler Fiorenza and Postcolonial Studies». Indiana University Press. Journal of Feminist Studies in Religion. 25: 191–197. JSTOR 10.2979/fsr.2009.25.1.191. doi:10.2979/fsr.2009.25.1.191 
  2. a b c Tēraudkalns, Valdis (2003). «Construction of Masculinities in Contemporary Christianity». In: Cimdiņa. Religion and political change in Europe: past and present. [S.l.]: PLUS. pp. 223–232. ISBN 8884921414 
  3. Stichele, Caroline Vander; Penner, Todd C. (2005). Her Master's Tools?: Feminist And Postcolonial Engagements of Historical-critical Discourse (em inglês). [S.l.]: BRILL. ISBN 9004130527 
  4. Schüssler Fiorenza, Elisabeth (2001). «Glossary». Wisdom Ways: Introducing Feminist Biblical Interpretation. New York: Orbis Books. ISBN 1608332527 
  5. a b c d Schüssler Fiorenza, Elisabeth (2009). «Introduction: Exploring the Intersections of Race, Gender, Status and Ethnicity in Early Christian Studies». In: Nasrallah. Prejudice and Christian beginnings: investigating race, gender, and ethnicity in early Christian studies. Minneapolis: Fortress Press. ISBN 978-1451412840 
  6. Morris, Susana (4 de fevereiro de 2014). Close Kin and Distant Relatives: The Paradox of Respectability in Black Women's Literature. [S.l.]: University of Virginia Press. ISBN 978-0813935515. Consultado em 8 de dezembro de 2015 
  7. Osborne, Natalie (2015). «Intersectionality and kyriarchy: A framework for approaching power and social justice in planning and climate change adaptation». Planning Theory. 14: 132. doi:10.1177/1473095213516443 
  8. Boochani, Behrouz (2017). Translated by Omid Tofighian. «A Kyriarchal System: New Colonial Experiments/New Decolonial Resistance». Charles Town Maroon Council. 9th Annual Maroon Conference Magazine: 20–22. ISSN 0799-4354. Consultado em 17 de fevereiro de 2019 
  9. Manne, Robert (10 de agosto de 2018). «No Friend But The Mountains review: Behrouz Boochani's poetic and vital memoir». Sydney Morning Herald. Consultado em 2 de fevereiro de 2019. Cópia arquivada em 30 de outubro de 2018 
  10. a b Reed-Bouley, Jennifer (2012). «Antiracist Theological Education as a Site of Struggle for Justice». Journal of Feminist Studies in Religion. 28: 178–189. doi:10.2979/jfemistudreli.28.1.178