Caso Flordelis – Wikipédia, a enciclopédia livre

Caso Flordelis

Flordelis e seu marido Anderson do Carmo em 2014.
Local do crime Niterói, Rio de Janeiro
Data 16 de junho de 2019
Tipo de crime
Arma(s) pistola de calibre 9 milímetros
Vítimas Anderson do Carmo de Souza
Réu(s)
Juiz Nearis dos Santos Carvalho Arce
Local do julgamento Tribunal do Júri de Niterói
Situação

O Caso Flordelis refere-se ao assassinato do pastor Anderson do Carmo de Souza (27 de março de 1977[1]Niterói, 16 de junho de 2019) em 16 de junho de 2019 em Niterói, no Rio de Janeiro.[2] Nesse dia, Anderson foi morto a tiros ao chegar em casa após ter ido caminhar com Flordelis, que disse aos policiais que o crime havia sido um latrocínio. Os criminosos usaram toucas ninja para evitar a identificação.

Segundo investigação da Polícia Civil, Anderson foi morto a mando da esposa, a deputada federal Flordelis, com participação de sete filhos do casal e uma neta, além de outras duas pessoas. O Ministério Público Estadual ofereceu denúncia contra Flordelis por homicídio triplamente qualificado e outros quatro crimes.[3]

Antecedentes: a dinâmica familiar[editar | editar código-fonte]

Anderson do Carmo
Caso Flordelis
Anderson em 2014.
Nome completo Anderson do Carmo de Souza
Nascimento 27 de março de 1977
Morte 16 de junho de 2019 (42 anos)
Niterói, RJ
Residência Niterói, RJ
Nacionalidade brasileiro
Cônjuge Flordelis (c. 1994; m. 2019)
Filho(a)(s) 55[4]
Ocupação pastor
Período de atividade c. 1998–2019

Anderson e Flordelis se conheceram durante um culto evangélico em 1993 e se casaram em 1994.[2] Flordelis tinha três filhos biológicos: Adriano, Flávio e Simone. Anderson chegou a namorar Simone antes de se casar com Flordelis, que era dezesseis anos mais velha. Além dos três filhos de Flordelis e outros cinco filhos adotivos que constituíam a chamada "primeira geração" da família, o casal adotou outras 47 crianças, em geral encontradas nas ruas. A dinâmica familiar, no entanto, incluía um tratamento diferenciado entre os filhos: enquanto os da "primeira geração" tinham acesso a comida de melhor qualidade, geladeira e viviam no segundo andar da casa, numa área restrita, os demais 47 viviam numa área coletiva no primeiro andar da casa, comendo apenas pão sem manteiga no café da manhã e arroz, massa e salsicha no almoço e jantar. "O cenário surpreendeu investigadores e é bem diferente do que era relatado por Flordelis nas últimas décadas, de que era uma casa de amor e solidariedade", escreveu o G1 em 24 de agosto de 2020.[2][5]

Anderson exercia todo poder familiar, inclusive controlando todo dinheiro, até mesmo o do Ministério Flordelis, depois rebatizado de Comunidade Evangélica Cidade do Fogo.[2] O pastor era frequentemente descrito como "controlador" em relação à esposa,[6] escolhendo as roupas que Flordelis usava e determinando os temas que seriam pauta em suas pregações perante os fieis do Ministério Flordelis. Além disso, Anderson era o responsável por administrar a vida financeira da família: costumava andar com grandes quantias de dinheiro na mochila a fim de distribuir a determinados filhos do casal e à própria Flordelis. Por este motivo, desentendimentos eram frequentes na dinâmica do casal, ao passo que Anderson queixava-se que a parlamentar gastava excessivamente.

Flordelis também foi acusada de desviar dinheiro de sua igreja para usá-lo em benefícios pessoais, como plano de saúde, e também em lazer.[7] Uma das fiéis da igreja do casal afirmou que Flordelis e Anderson frequentavam uma casa de swing na Barra da Tijuca, onde a deputada tinha um quarto exclusivo, e constantemente saía de lá completamente bêbada. Flordelis defendeu-se nas redes sociais, aos gritos, dizendo que processaria a fiel por danos morais e que sua mãe, já idosa, não merecia sofrer com manchetes jornalísticas mentirosas.[8]

Investigações[editar | editar código-fonte]

A polícia começou as investigações e já no dia 17 de agosto acreditava que o crime pudesse estar ligado a uma desavença familiar.[2] Nos dias que se seguiram, com o depoimento de um dos filhos (cujo nome não foi revelado), a polícia desvendou uma "trama familiar" que envolvia a possibilidade de outras tentativas de assassinato desde 2018, e o oferecimento de dinheiro para a prática do crime. Segundo o G1, a testemunha teria dito que a Flordelis e três filhas do casal colocavam arsênico na comida do pai, e que uma das irmãs teria oferecido R$ 10 mil ao irmão Lucas dos Santos para matar o pastor, que antes de falecer havia dado entrada no hospital por mais de oito vezes, com dores estomacais, mas o veneno não era encontrado.[9][10]

No dia 20 de junho, o filho biológico de Flordelis, Flávio dos Santos, admitiu ter dado seis tiros em Anderson (a perícia constatou mais de trinta perfurações). Ele também disse que Lucas havia comprado a arma. Ambos foram presos preventivamente por homicídio qualificado e porque já tinham as prisões pendentes por outros crimes.[11]

A motivação do crime foi financeira, pois Flordelis estava insatisfeita que seu marido tivesse o controle financeiro e patrimonial de toda a família. Segundo as investigações da polícia, a pastora não queria desmoralizar-se perante os fiéis de sua igreja com um divórcio, sendo mais aceitável ficar viúva. Segundo as próprias palavras de Flordelis, encontrada em troca de mensagens de seu celular: Fazer mais o quê? Se separar eu não posso, porque não posso escandalizar o nome de Deus. Isso não![7]

Ao final do inquérito, em agosto de 2020, a polícia havia confirmado que:

  • além de Flordelis, sete filhos do casal e uma neta estavam envolvidos no crime;
  • o grupo familiar tentava assassinar Anderson desde meados de 2018, com o uso de veneno. A filha biológica de Flordelis, Simone, teria chegado a fazer pesquisas sobre cianeto na Internet. Segundo as investigações, teria havido ao menos seis tentativas de assassinato por envenenamento e uma outra por emboscada, quando Anderson deveria ser morto a tiros por um assassino de aluguel. O crime só não aconteceu porque a vítima, na ocasião, havia trocado de carro, o que teria confundido o atirador;
  • que Flordelis havia oferecido dinheiro em troca do silêncio de alguns dos filhos e para que Lucas, o adotivo preso por ter comprado a arma, assumisse o assassinato;[12]
  • o motivo do assassinato seria o descontentamento de Flordelis e alguns dos filhos com o poder exercido por Anderson dentro do núcleo familiar, incluindo o controle econômico de tudo.

O delegado Allan Duarte, responsável pelo caso, chegou a afirmar que "não se tratava de uma família, mas de uma organização criminosa".[10]

Nota: o filho que foi testemunha chave chama-se Alexander Felipe, conhecido como Luan. A operação ganhou o nome Lucas 12, numa referência ao capítulo bíblico Lucas 12, que trata de mentira e hipocrisia.[12]

Indiciamentos, julgamentos e penas[editar | editar código-fonte]

No dia 24 de agosto de 2020, após o fim do inquérito feito pela polícia, o Ministério Público aceitou a denúncia contra Flordelis e outras dez pessoas. Dos onze indiciados, nove são da família. Eles responderão por crimes diversos: homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio, falsidade ideológica, uso de documento falso e organização criminosa majorada.[10][13]

Três deles já estavam na cadeia desde 2019: os filhos Flávio e Lucas e o ex-PM Marcos Siqueira da Costa; outros cinco filhos, uma neta e a esposa do PM foram presos no dia 24 de agosto, enquanto Flordelis não foi presa por ter imunidade parlamentar.[10]

O também político e pastor Magno Malta usou o Twitter para escrever:

Flordelis tentou 6 vezes matar o marido, tramou a morte do marido Anderson do Carmo de forma covarde! protegida pela [sic] famigerado imunidade parlamentar enquanto os filhos estão pesos [sic]! A câmara não pode contemporiza [sic] com isso, deve casar [sic] imediatamente! Covarde!
— Magno Malta no Twitter em 25 de agosto de 2020.[14]

Na data de 11 de agosto de 2021, a Câmara dos Deputados aprovou a cassação do mandato da deputada Flordelis, contando com 437 votos favoráveis, 7 contrários e 12 abstenções.[15] Na ocasião, justificou-se a cassação pelo motivo de quebra de decoro parlamentar. Em sua defesa, a deputada afirmou em sessão parlamentar que não haviam elementos de ordem ético-disciplinar que permitiriam que seu mandato fosse cassado. Os advogados de Flordelis, Rodrigo Faucz Pereira e Silva e Jader Marques, complementaram o depoimento da deputada requisitando aos parlamentares votantes que aplicassem a pena alternativa de suspensão de seis meses do mandato até o julgamento do crime pelo Tribunal do Júri; proposta esta que não foi acatada pela Câmara.[16]

Em 13 de agosto de 2021, a ex-deputada foi presa pela Polícia Civil em Niterói. Ela estava em sua casa e antes da prisão, fez uma live negando as acusações que imputam contra ela.[17]

Julgamento[editar | editar código-fonte]

Dos onze réus levados ao tribunal em um julgamento que terminou em 13 de novembro de 2022, oito foram condenados e três foram inocentados.

  • Flordelis: mandante do assassinato, presa no dia 13 de agosto de 2021; condenada a 50 anos e 28 dias por homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio duplamente qualificado, uso de documento falso e associação criminosa armada.[18]
  • Flávio dos Santos Rodrigues (filho biológico de Flordelis): executor, preso desde 2019; condenado a 33 anos em regime fechado por homicídio triplamente qualificado, porte ilegal de arma, uso de documento ilegal e associação criminosa armada;[19]
  • Lucas César dos Santos (adotivo): comprou a arma, preso desde 2019; condenado a 7 anos de prisão em regime fechado por homicídio triplamente qualificado, teve a pena reduzida por colaborar com as investigações;[19]
  • Marzy Teixeira da Silva (adotiva): presa no dia 24 de agosto de 2020; inocentada.[18]
  • Simone dos Santos Rodrigues (filha biológica de Flordelis): presa no dia 24 de agosto de 2020; condenada a 31 anos e 4 meses por homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio duplamente qualificado e associação criminosa armada.[18]
  • André Luiz de Oliveira (adotivo, ex-marido de Simone): preso no dia 24 de agosto de 2020; inocentado.[18]
  • Carlos Ubiraci Francisco da Silva (adotivo, pastor): preso no dia 24 de agosto de 2020; condenado a 2 anos de prisão em regime semiaberto por uso de documento falso duas vezes e por associação criminosa armada;[19][20];
  • Rayane dos Santos Oliveira (neta): presa no dia 24 de agosto de 2020; inocentada.[18]
  • Adriano dos Santos Rodrigues (filho biológico de Flordelis): preso no dia 24 de agosto de 2020; condenado a 4 anos de prisão em regime semiaberto por uso de documento falso duas vezes e por associação criminosa armada;[19][20]
  • Marcos Siqueira Costa (ex-PM): preso desde 2019; condenado a 5 anos, em regime fechado, por uso de documento falso duas vezes e por associação criminosa armada;[19]
  • Andrea Santos Maia (mulher do ex-PM Marcos): presa no dia 24 de agosto de 2020; condenada a 4 anos de prisão em regime semiaberto por uso de documento falso duas vezes e por associação criminosa armada;[19][20]

Referências

  1. Gokhale, Stuti (2 de fevereiro de 2023). «Anderson do Carmo Murder: How Did He Die? Who Killed Him?» [Assassinato de Anderson do Carmo: Como ele morreu? Quem o matou?]. The Cinemaholic (em inglês). Consultado em 23 de maio de 2023 
  2. a b c d e Marina Lang (17 de junho de 2019). «Pastor morto no RJ fundou igreja com esposa deputada e adotou 51 crianças». UOL. Consultado em 25 de dezembro de 2022 
  3. Matheus Moreira (24 de agosto de 2020). «Ministério Público denuncia deputada Flordelis, suspeita de mandar matar marido». Folha de S. Paulo. Consultado em 25 de dezembro de 2022 
  4. «Dois dos 55 filhos da deputada Flordelis e de seu marido assassinado são presos». Jovem Pan. UOL. Consultado em 23 de maio de 2023 
  5. «Flordelis tratava filhos de forma diferente; 'primeira geração' tinha acesso a comida e quartos de melhor qualidade». G1. Consultado em 25 de agosto de 2020 
  6. Carolina Heringer (22 de agosto de 2019). «Como Anderson do Carmo transformou Flordelis em celebridade». O Globo/Época. Consultado em 25 de dezembro de 2022 
  7. a b Jana Sampaio e Marina Lang (27 de agosto de 2020). «Conversa entre Flordelis e filho aponta para desvio de verbas da igreja». VEJA. Consultado em 25 de dezembro de 2022 
  8. «Flordelis tinha quarto exclusivo em casa de swing, diz jornal». Potal do Holanda. 21 de junho de 2020. Consultado em 25 de dezembro de 2022 
  9. «Filho da deputada Flordelis diz que irmã ofereceu R$ 10 mil para outro irmão matar o pai». G1. Consultado em 25 de agosto de 2020 
  10. a b c d «Caso Flordelis: entenda a participação de cada acusado na morte de Anderson do Carmo». Extra Online. Consultado em 25 de agosto de 2020 
  11. «Filho da deputada Flordelis admite ter dado seis tiros no padrasto pastor no RJ, diz Polícia». G1. Consultado em 25 de agosto de 2020 
  12. a b «Flordelis prometia vantagens financeiras para manipular filhos, dizem investigadores». G1. Consultado em 25 de agosto de 2020 
  13. «Investigação da morte do pastor Anderson do Carmo levou pouco mais de um ano para ser concluída». G1. 24 de agosto de 2020 
  14. «Magno Malta». Twitter. Consultado em 25 de agosto de 2020. Cópia arquivada em 25 de agosto de 2020 
  15. «Câmara aprova cassação do mandato da deputada Flordelis». Câmara dos Deputados. 11 de agosto de 2021. Consultado em 16 de fevereiro de 2022 [ligação inativa] 
  16. «Câmara dos Deputados aprova cassação do mandato de Flordelis». CNN Brasil. 11 de agosto de 2021. Consultado em 16 de fevereiro de 2022 
  17. «Flordelis é presa pela Polícia Civil do Rio de Janeiro». CNN Brasil. WarnerMedia. 13 de agosto de 2021. Consultado em 13 de agosto de 2021 
  18. a b c d e «Caso Flordelis: quem são os condenados pela morte do pastor Anderson do Carmo». G1. 13 de novembro de 2022. Consultado em 13 de novembro de 2022 
  19. a b c d e f «Caso Flordelis: relembre quem já foi condenado, a participação dos filhos e detalhes da investigação». G1. Consultado em 8 de novembro de 2022 
  20. a b c «Júri absolve filho de Flordelis pela morte de Anderson e condena ele e mais 3 por associação criminosa». G1. Consultado em 8 de novembro de 2022