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Caso Evaldo Rosa

Capa da Veja de 17 de abril de 2019
Local do crime Guadalupe, Rio de Janeiro
Data 7 de abril de 2019
Tipo de crime Homicídio
Vítimas Evaldo Rosa dos Santos e Luciano Macedo
Réu(s) Tenente Ítalo da Silva Nunes Romualdo, sargento Fábio Henrique Souza Braz da Silva e soldados Gabriel Christian Honorato, Matheus Santanna Claudino, Leonardo Delfino Costa, Marlon Conceição da Silva, João Lucas da Costa Gonçalo, Leonardo Oliveira de Souza, Gabriel da Silva de Barros Lins e Vítor Borges de Oliveira

O caso Evaldo Rosa, também conhecido como Caso dos 80 tiros,[1][2] refere-se ao homicídio do músico Evaldo Rosa dos Santos e do catador de material reciclável Luciano Macedo, que ocorreu no dia 7 de abril de 2019 na cidade do Rio de Janeiro. Às 14h40min, Evaldo dirigia um Ford Ka com cinco ocupantes pela Estrada do Camboatá quando militares do Exército Brasileiro abriram fogo. Evaldo foi alvejado e morreu na hora. O passageiro Sérgio Gonçalves ficou ferido e Luciano, que passava pelo local e tentou prestar socorro, também foi baleado e morreu onze dias depois.[3][4][5] Os ocupantes do veículo e as testemunhas afirmaram que os militares iniciaram os disparos abruptamente, pelas costas, sem nenhuma sinalização ou advertência anterior, e não pararam de atirar nem mesmo após a saída da esposa, grávida, e do filho do músico do carro.[6] De acordo com a Polícia Militar Judiciária, os militares dispararam 257 tiros de fuzil. 62 perfuraram o automóvel.[3]

O Comando Militar do Leste (CML) alegou que os militares, em patrulhamento regular, haviam se deparado com um roubo nas imediações e que as vítimas iniciaram a troca de tiros. Na mesma nota, disse que um transeunte inocente havia sido vítima do tiroteio.[6][7] Posteriormente, o CML publicou outra nota, afirmando ter encontrado inconsistências nos depoimentos dos militares, que foram afastados.[8] Dez dos doze militares do destacamento tiveram a prisão decretada. Um deles foi solto em audiência de custódia realizada na 1ª Auditoria da Justiça Militar no dia 10 de abril de 2019[9] e os demais no dia 23 de maio, por decisão do Superior Tribunal Militar.[10]

De acordo com documentos levantados pela Agência Pública, os militares não realizavam patrulhamento regular, mas participavam da "Operação Muquiço", na qual o Exército atuou inconstitucionalmente como força de segurança pública (visto que o decreto de garantia da lei e da ordem de 2018 já havia expirado).[11]

O crime[editar | editar código-fonte]

Na tarde domingo, 7 de abril de 2019, o carro de Evaldo, que passava pela Estrada do Camboatá, foi alvejado por tiros de fuzil disparados por nove soldados do Exército Brasileiro. Inicialmente, foi divulgado que oitenta tiros haviam atingido o veículo, mas o levantamento posterior da Polícia Judiciária Militar apurou que o número correto era duzentos e cinquenta e sete. Além de Evaldo, estavam no automóvel sua esposa, seu filho de sete anos idade, uma amiga da família e o seu sogro, que conseguiram sair do automóvel antes da maior parte dos disparos.[7][11]

Inicialmente, foi cogitada a ideia de que a vítima era um assaltante, com base nos depoimentos dos militares envolvidos.[12] No entanto, após apuração por parte do Comando Militar do Leste, a ideia foi refutada, determinando-se, em seguida, a prisão em flagrante dos militares responsáveis. Desde então, o caso passou a ser investigado, também, pela Delegacia de Homicídios.[13]

Investigação[editar | editar código-fonte]

Após a atestação de inconsistência dos depoimentos pelo Comando Militar do Leste, dez dos doze militares foram ouvidos e tiveram a prisão decretada.[7] Para Leonardo Salgado, delegado da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro, "tudo indica que os militares atiraram ao confundirem o carro com o de assaltantes". Em entrevista à Globo, o delegado afirmou que nenhuma arma havia sido encontrada e que a família vitimada era, de fato, normal.[14]

No mesmo dia do ocorrido, a Polícia Civil encontrou indícios para prisão em flagrante, pois a ação era incongruente com uma possível legítima defesa em função da quantidade de disparos.[14] A amiga da família, que estava dentro do carro, impugnou a afirmativa do Exército, declarando que não houve sinalização antes do fuzilamento e que, mesmo com a saída dos passageiros, continuaram a atirar.[15] Concatenando com a versão da amiga da família, Luciana Nogueira, esposa do músico, relatou que os militares agiram de forma fria, mesmo com o egresso do automóvel.[16]

Em 10 de abril de 2019, a prisão dos militares se tornou prisão preventiva. Durante uma audiência de custódia da Justiça Militar, foi constatado que os disparos foram efetuados sem ameaça evidente.[17] O Ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva informou que o caso será investigado e que os responsáveis serão indiciados.[18] Somente o soldado Leonardo Delfino Costa afirmou não ter efetuado disparos e poderá ser retirado do inquérito.[19] Em junho de 2019, uma decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) determiou que o Ministério Público Federal (MPF) deixe de investigar o caso, deixando a investigação ser exclusiva do Ministério Público Militar (MPM). A decisão gerou críticas.[20]

Repercussão[editar | editar código-fonte]

O fuzilamento de Evaldo Rosa repercutiu em diversos veículos de comunicação nacionais e internacionais, incluindo a BBC,[21] The Guardian,[22] The Telegraph,[23] Fox News, Daily Mail,[24] e uma publicação no Clarín.[25]

Em contrapartida, jornais como Carta Capital, Estadão e a publicação HuffPost Brasil destacaram o silêncio do o Presidente da República Jair Bolsonaro em relação ao ocorrido.[26][27][28] Otávio Rêgo Barros, porta-voz da Presidência da República, relatou que Bolsonaro não demonstrou pesar pelo caso.[29] Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro, considerou a ação militar como "erro grotesco" e comentou que esperaria o resultado das investigações, "não lhe cabendo atribuir nenhuma consideração ao fato".[30]

Em 12 de abril de 2019, seis dias após a morte de Evaldo, Bolsonaro comentou o caso, dizendo: "O Exército não matou ninguém, não, o Exército é do povo. A gente não pode acusar o povo de ser assassino não. Houve um incidente, houve uma morte, lamentamos a morte do cidadão trabalhador, honesto, está sendo apurada a responsabilidade."[31]

No dia 18, Luciano Macedo morreu em decorrência dos disparos efetuados pelos militares enquanto tentava socorrer Evaldo e família. O músico chegou a ser levado para o Hospital Carlos Chagas mas não resistiu aos ferimentos.[32]

Dois anos após o homicídio, Luciana Nogueira, viúva de Evaldo, teme que o caso caia no esquecimento e tanto ela quanto seu filho de 10 anos de idade (2021) tomam antidepressivos e estão em acompanhamento psicológico.[1]

Julgamento[editar | editar código-fonte]

O julgamento na Justiça Militar estava marcado para o dia 7 de abril de 2021, mas foi adiado (devido a pandemia de COVID-19 no Rio de Janeiro) para o dia 13 de outubro de 2021.[1][33] Oito militares foram condenados entre 28 e 31 anos de prisão em regime fechado na madrugada do dia 14 de outubro de 2021.[34]

Indenização[editar | editar código-fonte]

Em 22 de setembro de 2023, a Advocacia-Geral da União (AGU) fechou um acordo com os familiares do músico morto. O filho, a viúva, o pai e os irmãos do artista vão receber uma indenização de R$ 2 milhões da União.[35]

Referências

  1. a b c Natália Viana (7 de abril de 2021). «Dois anos depois, 'caso dos 80 tiros' segue sem solução. "É desesperador", diz viúva de músico fuzilado pelo Exército». Agência Pública. Consultado em 8 de abril de 2021. Cópia arquivada em 7 de abril de 2021 
  2. «80 tiros e o risco da impunidade no Rio de Janeiro». El País. Consultado em 8 de abril de 2021 
  3. a b «Post em rede social distorce caso dos 12 militares acusados de fuzilar músico no Rio». Estadão Verifica. Consultado em 10 de junho de 2020 
  4. «Carro de músico começou a ser fuzilado a 250 metros de distância, aponta perícia do Exército». O Globo. 13 de maio de 2019. Consultado em 10 de junho de 2020 
  5. «Morre catador de lixo baleado ao tentar ajudar família que foi alvo de 80 tiros do Exército no Rio». G1. Consultado em 10 de junho de 2020 
  6. a b Pauluze, Thaiza (8 de abril de 2019). «Exército dispara 80 tiros em carro de família no Rio de mata músico». Folha de S. Paulo. Consultado em 11 de abril de 2019 
  7. a b c Pierre, Eduardo (8 de abril de 2019). «Veja o que se sabe sobre a ação do Exército que matou músico e deixou 2 feridos no Rio». G1. Consultado em 11 de abril de 2019 
  8. «Dez militares são presos após ação do Exército que fuzilou carro de família no Rio com mais de 80 tiros». G1. Consultado em 10 de junho de 2020 
  9. «Juíza mantém prisão de 9 de 10 militares do Exército envolvidos na ação que matou músico». G1. Consultado em 10 de junho de 2020 
  10. «STM solta nove militares dos 80 tiros contra músico no Rio». Fausto Macedo. Consultado em 10 de junho de 2020 
  11. a b «A verdade por trás da operação que matou o músico Evaldo Rosa». Agência Pública. 29 de abril de 2020. Consultado em 10 de junho de 2020 
  12. «Dez militares envolvidos em fuzilamento que matou músico são presos». O Tempo. 8 de abril de 2019. Consultado em 11 de abril de 2019 
  13. Torres, Ana Carolina; Ribeiro, Geraldo (8 de abril de 2019). «'Cadê meu pai?', repete filho de músico que o viu morrer após carro levar mais de 80 tiros de militares». O Globo. Consultado em 11 de abril de 2019 
  14. a b «Delegado diz que 'tudo indica' que Exército fuzilou carro de família por engano no Rio». G1. 8 de abril de 2019. Consultado em 11 de abril de 2019 
  15. «Delegado diz que militares fuzilaram carro de família no Rio por engano; 'tudo indica'». A Tribuna. 8 de abril de 2019. Consultado em 11 de abril de 2019 
  16. Agência Brasil (8 de abril de 2019). «Policiais "ficaram de deboche", diz mulher de músico morto no Rio». Metrópoles. Consultado em 11 de abril de 2019 
  17. Lisboa, Vinícius (10 de abril de 2019). «Nove suspeitos de atirar contra músico têm prisão preventiva decretada». Agência Brasil. Consultado em 11 de abril de 2019 
  18. «"Vamos apurar e cortar na carne", diz ministro da Defesa sobre fuzilamento de homem com 80 tiros pelo Exército». GaúchaZH. 10 de abril de 2019. Consultado em 11 de abril de 2019 
  19. «Justiça mantém presos os nove militares que fuzilaram carro onde músico foi morto». Extra Online. Consultado em 20 de abril de 2019 
  20. «80 tiros: Conselho manda MPF arquivar investigação de fuzilamento de músico e deixar caso com procuradores militares». O Globo. Rede Globo. 11 de junho de 2019. Consultado em 5 de setembro de 2019. Cópia arquivada em 5 de setembro de 2019 
  21. «Brazil shooting: 10 soldiers held after family's car riddled with bullets». BBC. 9 de abril de 2019. Consultado em 11 de abril de 2019 
  22. Phillips, Dom (8 de abril de 2019). «Brazil: 10 soldiers arrested after firing more than 80 bullets into family's car». The Guardian. Consultado em 11 de abril de 2019 
  23. «A relative cries out in agony as she looks at the body of Evaldo dos Santos Rosa». The Telegraph. 8 de abril de 2019. Consultado em 11 de abril de 2019 
  24. «'Murderers, that's what they are!' Distraught family members are left crying at the side of the road after soldiers in Brazil accidentally kill the wrong man in a hail of bullets when they mistook his car for a wanted criminal's». Daily Mail. 8 de abril de 2019. Consultado em 11 de abril de 2019 
  25. «Militares brasileños acribillan un auto por error y mataron a un músico que iba con sua familia». Clarín. 8 de abril de 2019. Consultado em 11 de abril de 2019 
  26. «Por que Bolsonaro se cala sobre os 80 tiros que mataram Evaldo?». Carta Capital. 10 de abril de 2019. Consultado em 11 de abril de 2019 
  27. Godoy, Marcelo (11 de abril de 2019). «Quem paga a conta do silêncio de Bolsonaro sobre os '80 tiros' são os militares e o Exército». Estadão 
  28. Iraheta, Diego (11 de abril de 2019). «Danilo Gentili mereceu solidariedade de Bolsonaro. Evaldo Rosa, não». HuffPost Brasil. Consultado em 11 de abril de 2019 
  29. «Porta-voz chama morte de músico em carro fuzilado de "incidente" e diz que Bolsonaro não manifestou pesar». Fórum. 10 de abril de 2019. Consultado em 11 de abril de 2019 
  30. «Witzel chama de "erro grosseiro" ação militar que metralhou músico no Rio». UOL. 11 de abril de 2019. Consultado em 11 de abril de 2019 
  31. «'O Exército não matou ninguém, não', diz Bolsonaro sobre morte de músico no Rio». Folha de S.Paulo. 12 de abril de 2019. Consultado em 12 de abril de 2019 
  32. «Morre catador ferido ao tentar ajudar músico fuzilado com 80 tiros do Exército - Brasil». Estadão. Consultado em 20 de abril de 2019 
  33. «Dois anos e meio depois, Justiça Militar começa a julgar acusados pelas mortes de músico e catador de latinhas em Guadalupe, Rio». g1. Grupo Globo. 13 de outubro de 2021. Consultado em 13 de outubro de 2021 
  34. Daniele Dutra (14 de outubro de 2021). «Caso Evaldo: Justiça condena 8 militares por mortes de músico e catador». Universo Online. Grupo Folha. Consultado em 14 de outubro de 2021 
  35. «União pagará indenização de R$ 2 milhões à família do músico morto em ação do Exército com 257 tiros». G1. 22 de setembro de 2023. Consultado em 22 de setembro de 2023