Linchamento de Fabiane Maria de Jesus – Wikipédia, a enciclopédia livre

Linchamento de Fabiane Maria de Jesus
Linchamento de Fabiane Maria de Jesus
Fabiane Maria de Jesus
Local Morrinhos IV, Guarujá, SP
Data 3 de maio de 2014
Tipo de ataque homicídio
agressão
linchamento
Alvo(s) Fabiane Maria de Jesus
Mortes 1
Responsável(is) Moradores do bairro Morrinhos VI
Motivo fake news, a vítima foi confundida com uma suposta sequestradora de crianças

Fabiane Maria de Jesus foi uma mulher linchada por moradores do bairro de Morrinhos IV, na periferia do município de Guarujá, no litoral do estado brasileiro de São Paulo, em 3 de maio de 2014.[1]

Ela tinha 33 anos, era uma dona de casa casada, mãe de duas crianças e morava no bairro em que foi espancada e assassinada. O linchamento ocorreu porque a vítima foi confundida com uma suposta sequestradora de crianças, cujo retrato falado que havia sido feito dois anos antes passou a circular nas mídias sociais.

O fato causou forte comoção nacional, principalmente por ter sido motivado por notícias falsas, disseminadas pelas redes sociais. Foi a vigésima morte por linchamento no Brasil só no ano de 2014.[2] O caso foi listado pelo portal Brasil Online (BOL, 2015),[3] O Estado de S. Paulo (2014)[4] e a revista Veja (2014) ao lado de outros crimes que "chocaram" o Brasil.[5]

Assassinato[editar | editar código-fonte]

Contexto[editar | editar código-fonte]

O Brasil está entre os países onde mais acontecem linchamentos no mundo. Segundo o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), ocorreram 1.179 linchamentos no Brasil entre 1980 e 2006.[6] Segundo o livro Linchamentos: A justiça popular no Brasil (Ed. Contexto, 2015), do sociólogo José de Souza Martins, ocorrem quatro linchamentos e tentativas de linchamento por dia no país e cerca de um milhão de brasileiros participaram de linchamentos nos últimos 60 anos.[7] O perfil da vítima de linchamento é similar ao das vítimas de homicídio: 95% são homens e a maior parte tem entre 15 e 30 anos. Em geral, tanto linchadores quanto linchados são pobres, habitantes de regiões carentes e periféricas, tanto em cidades grandes quanto pequenas, onde o Estado é pouco presente.[6] Segundo Martins, o principal motivo que leva as pessoas a participarem de linchamentos é justamente a falta de confiança nos poderes do Estado.[7]

A partir do advento das redes sociais, estas vêm sendo usadas para difundir boatos que levam aos linchamentos o que, segundo Martins, mostra um descompasso entre o avanço tecnológico e a mentalidade retrógrada de quem usa as redes sociais.[7] Para Ariadne Natal, doutoranda em sociologia da USP, sempre que um caso é repercutido nacionalmente, ocorre um efeito de "espelhamento", as pessoas se sentem compelidas a fazer o mesmo se deparadas com uma situação semelhante".[6] Segundo ela, a mídia, na maioria das vezes, aceita os linchamentos como algo natural.[6] Em um comentário sobre o caso, o jornalista da Rede Bandeirantes Ricardo Boechat criticou sua colega do SBT Rachel Sheherazade, âncora do telejornal SBT Brasil que, segundo ele, teria tanta responsabilidade quanto o autor do boato espalhado pela internet, por estimular a cultura da 'justiça com as próprias mãos'.[8] Isso porque, meses antes, Sheherazade havia defendido um ato coletivo de justiça em um caso de tortura contra um adolescente, que havia sido preso a um poste pelo pescoço, acusado de cometer furtos no Rio de Janeiro. Na época ela foi bastante criticada depois de comentar no telejornal que "no país que ostenta incríveis 26 assassinatos a cada 100 mil habitantes, que arquiva mais de 80% de inquéritos de homicídio e sofre de violência endêmica, a atitude dos vingadores é até compreensível".[9]

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

Um boato de que uma mulher estaria sequestrando crianças para realizar rituais de magia negra na cidade se espalhou pela internet (principalmente em redes sociais). Posteriormente, foi divulgado online um retrato falado que passou a ser associado com o hipotético sequestro de crianças. No entanto, a representação gráfica da mulher era, na verdade, um retrato que havia sido feito por agentes da Polícia Civil do Rio de Janeiro por conta de um crime que havia acontecido dois anos antes do assassinato de Fabiane a muitos quilômetros de distância do local do linchamento. A polícia local também afirmou que não tinha qualquer registro de acontecimentos desse tipo no município de Guarujá.[10]

Linchamento[editar | editar código-fonte]

No dia 3 de maio de 2014, os moradores do bairro confundiram Fabiane com a suposta criminosa dos rumores depois que a dona de casa ofereceu uma fruta, que havia comprado pouco antes, para uma criança que estava na rua. A mãe do menino presenciou a cena e acreditou que Fabiane fosse a suposta sequestradora, o que desencadeou um processo de fúria coletiva que culminou no linchamento da mulher por cerca de 100 pessoas; outras mil presenciaram as violentas agressões.[11] Além disso, Fabiane estava carregando um livro preto, na verdade uma Bíblia, que foi logo associado ao satanismo pelos agressores.[7]

Envolvidos, prisões e condenação[editar | editar código-fonte]

Cinco dos envolvidos no linchamento foram presos.[12] Lucas Rogério Fabrício Lopes, um dos homens acusados, foi condenado a 30 anos de prisão por homicídio qualificado e também deverá pagar uma indenização de 550 mil reais à família de Jesus.

Na sentença, o juiz Edmundo Lellis Filho diz que as circunstâncias do crime revelam uma "barbárie atípica". O documento também afirma que o Lopes, ao liderar o linchamento de Jesus, demonstrou uma "afinidade com a monstruosidade". "No seu falar e agir, o acusado não revelou qualquer empatia com os ofendidos por seu ato, nem deixou ver o mais leve verniz de remorso", afirmou o juiz.[13]

Duas mulheres, Daiana e Camila, que acusaram injustamente Fabiane, foram indiciadas por incitação ao crime.[14]

Referências

  1. G1, ed. (6 de maio de 2014). «Preso primeiro suspeito por linchamento de mulher em Guarujá». Consultado em 8 de maio de 2014 
  2. Correio Braziliense, ed. (6 de maio de 2014). «Mulher morta em linchamento é a 20ª vítima de "justiçamentos" só neste ano». Consultado em 8 de maio de 2014. Arquivado do original em 13 de novembro de 2014 
  3. «Relembre 22 crimes que chocaram o Brasil». Bol. Uol. 30 de julho de 2015. Consultado em 14 de agosto de 2019. Cópia arquivada em 5 de agosto de 2019 
  4. «10 crimes que chocaram o Brasil no ano de 2014». O Estado de S. Paulo. 22 de dezembro de 2014. Consultado em 17 de agosto de 2019. Cópia arquivada em 19 de agosto de 2016 
  5. Redação (14 de dezembro de 2014). «Os serial killers e crimes que chocaram o país em 2014». Veja. Grupo Abril. Consultado em 16 de agosto de 2019. Cópia arquivada em 1 de novembro de 2017 
  6. a b c d Puff, Jefferson. "'Quem lincha sabe que tem respaldo social no Brasil', diz pesquisadora". BBC. 24 de julho de 2015.
  7. a b c d Paiva, Thais. O Brasil dos linchamentos. Carta na Escola. Edição 95, de abril de 2015.
  8. «Boechat alfineta Rachel Sheherazade após linchamento de mulher por boato: 'tem responsabilidade'». Correio da Bahia. 6 de maio de 2014. Consultado em 25 de janeiro de 2016. Arquivado do original em 11 de outubro de 2015 
  9. «Após polêmicas, Rachel Sheherazade deixa de emitir comentários no "SBT Brasil"». Portal Imprensa. 14 de abril de 2014. Consultado em 1 de junho de 2020 
  10. Portal Terra, ed. (6 de maio de 2014). «'Foto era idêntica', alega preso por linchamento em Guarujá». Consultado em 8 de maio de 2014 
  11. O Estado de S. Paulo, ed. (7 de maio de 2014). «Dona de casa foi linchada em Guarujá após oferecer fruta a criança». Consultado em 8 de maio de 2014 
  12. A Tribuna, ed. (6 de julho de 2014). «Marido publica mensagem em rede social lembrando morte de dona de casa». Consultado em 25 de julho de 2014 
  13. Da redação (5 de outubro de 2016). «Acusado de linchar dona de casa em Guarujá é condenado a 30 anos». Folha de S. Paulo. Consultado em 5 de outubro de 2016 
  14. Repórter Record Investigação - A Barbárie de Guarujá [24/11/2014] - SONICHD, consultado em 2 de fevereiro de 2020 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

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