Prefeito urbano – Wikipédia, a enciclopédia livre
Roma Antiga | |
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O prefeito urbano (em latim: præfectus urbanus ou præfectus urbis) foi o prefeito da cidade de Roma, e mais tarde também de Constantinopla. O ofício originou-se durante o Reino de Roma, continuou durante a República e Império e manteve alta importância na Antiguidade Tardia e depois no Império Bizantino. Como representante dos governantes de Roma (reis, cônsules e imperadores respectivamente), exerceu função quando eles se ausentaram da cidade. Suas funções variaram ao longo da história se tornando quase honorífico na república. Durante o Império Romano readquiriu muitas de suas antigas funções e recebeu muitas mais, das quais incluem o suprimento da população, o policiamento e combate a incêndios.
Aumentou em importância a medida que tornou-se mais comum a ausência dos imperadores da cidade, e na hierarquia imperial assumiu a mais alta posição, ficando atrás apenas dos prefeitos pretorianos. No Império Bizantino manteve o poder que adquiriu no Império Romano e é atestado até pelo menos o século XIII. Tal como sua contraparte romana, o prefeito urbano de Constantinopla foi tido como o mantenedor da capital imperial, estando em sua competência, além das antigas funções atribuídas em período imperial, a de nomear professores para a Universidade de Constantinopla. Segundo os registros que chegaram a nós, o prefeito urbano tinha sob seu comando grande número de oficiais que trabalharam em seu nome.
História
[editar | editar código-fonte]Reino e República
[editar | editar código-fonte]Diversos historiadores antigos fizeram menções ao prefeito urbano: Tito Lívio menciona-o em sua narrativa do reinado de Tarquínio, o Soberbo e a primeira eleição de cônsules.[1] Tácito e Dionísio de Halicarnasso dizem que assumia provisoriamente os poderes judiciais do rei quando este estava ausente da cidade; segundo eles, essa prática remontava ao reinado de Rômulo.[2][3] Neste período o ofício era designado guardião da cidade (em latim: custos urbis), e possivelmente seu exercício era vitalício. Estava vinculado com o príncipe do senado e tinha como função nomear um dos dez primeiros (em latim: decem primi) como príncipe do senado. Ademais, na ausência do rei, atuava como seu representante, podendo convocar a assembleia da plebe (em latim: comitia populis) em emergências. Diz-se que Rômulo conferiu a dignidade a Denter Romúlio, Túlio Hostílio a Numa Márcio, e Tarquínio, o Soberbo a Espúrio Lucrécio.[4]
Após a expulsão de Tarquínio em 510 a.C. e a criação da república em 509 a.C., o ofício de guardião da cidade permanece inalterado até 487 a.C. quando torna-se magistratura a ser conferida por eleição pela assembleia curial. Foi ofício ao qual apenas cônsules eram elegíveis e, até o momento do Decenvirato, todos os prefeitos citados foram antes cônsules. Nos primeiros anos da república, quando os cônsules se ausentavam, o prefeito exercia dentro da cidade todos os poderes deles: convocava o senado,[5] presidia a assembleia[6][7] e, na guerra, recrutava legiões civis sob seu comando.[2][8][9] Tal papel deixa de ser necessário após a criação da magistratura do pretor urbano, que garante a administração de Roma na ausência dos cônsules.[4]
A ausência dos magistrados em Roma podia também ocorrer num caso particular: nas Férias Latinas. Todos os juízes se reuniam nos montes Albanos para 4 dias de celebrações, enquanto um jovem patrício ficava guardando Roma com o título de prefeito urbano dos Feriados Latinos (preafectus urbi feriarum latinarum).[2][10] Inscrições em latim testemunham este papel menor, fornecido no início da carreira pública, antes do vigintivirato[11][12] ou antes do questor.[13][14] Essa função marginal como prefeito das Férias Latinas continuou a existir no império.[15]
Período imperial
[editar | editar código-fonte]Roma
[editar | editar código-fonte]Quando o primeiro imperador Augusto (r. 27 a.C.–14 d.C.) transformou a República Romana no Império Romano em 27 a.C., reformou o ofício de prefeito por sugestão de seu ministro e amigo Mecenas. Novamente elevado a uma magistratura, Augusto garante-lhe todos os poderes necessários para gerir a ordem dentro da cidade. Os poderes do ofício também estenderam-se além de Roma em si, para os portos de Óstia e o Porto Romano, bem como uma zona de 100 milhas romanas (c. 140 km) em torno da cidade.[15][16] Para permitir o prefeito exercer sua autoridade, os coortes urbanos, a força policial local, e o vigilantes noturnos (vigias) sob o prefeito deles (prefeito dos vigias), foram colocados sob sua autoridade.[17]
Nesta época, o prefeito era um senador no fim da carreira, geralmente um ex-procônsul da África ou Ásia, nomeado para este cargo pelo imperador por sua experiência administrativa (a História Augusta, que é um fonte incerta, afirma que Alexandre Severo deu ao senado poder para propor um candidato[18]). Em 26 a.C., quando Augusto ausentou-se de Roma, Marco Valério Messala Corvino foi nomeado como prefeito urbano, sendo ele o primeiro a exercer tal função durante o império. Mais tarde renunciaria e seria substituído por Tito Estacílio Tauro. A partir de 13 a.C. as nomeações ocorreram esporadicamente, mas em 27 d.C., quando Tibério ausentou-se de Roma, o prefeito tornou-se permanente.[19]
Agindo como um prefeito virtual de Roma, o prefeito foi um superintendente de todas as guildas e corporações (collegia), mantendo a responsabilidade (via o prefeito das provisões) da provisão da cidade com cereais do exterior, a supervisão dos oficiais responsáveis pela drenagem do Tibre e a manutenção dos sistema de esgoto e suprimento de água, bem como seus monumentos.[20][21] O fornecimento da grande população com o subsídio de grão foi especialmente importante; quando o prefeito não conseguia garantir o suprimento adequado, revoltas frequentemente ocorriam.[22] O prefeito também teve o dever de publicar as leis promulgadas pelo imperador e, como tal, adquiriu uma jurisdição legal.[17] Assim, gradualmente o prefeito urbano readquiriu suas antigas funções, que com o tempo haviam sido distribuídas entre os pretores urbanos, cônsules e edis.[19]
Ele pratica a justiça num tribunal de exceção para qualquer coisa que pudesse ameaçar a ordem pública, até casos graves submetidos ao prefeito das provisões, o prefeito dos vigias e os magistrados inferiores. Tendo no início um papel secundário, este tribunal torna-se, a partir da dinastia severa, o principal tribunal de justiça criminal da cidade e da Itália e, no século III, passa a responder, por delegação imperial, aos apelos ao imperador em causas civis[19] Tinha jurisdição sobre qualquer pessoa, desde senador a escravo, e aplicava o procedimento de inquisição excepcional (cognitio extra ordinem), comumente aplicado nas províncias, mas novo para Roma. O prefeito da cidade conduziu o processo sem promotor ou juiz, realizou o interrogatório e aceitou denúncias. Também podia condenar o réu ao deportatio in insulam.[4] O acusado não podia defender-se sem a autorização do prefeito. Ele retornou ou presidiu o julgamento a seu critério, depois de eventual consulta a seus assessores.[23]
A divisão da Itália em províncias sob Diocleciano (r. 284–305) teve o efeito de reduzir o âmbito de 100 milhas ao redor de Roma que definiam a competência territorial do prefeito da cidade.[24] Em contraste, a dissolução por Constantino (r. 306–337) em 312 dos coortes pretorianos deixou o prefeito como único dono de uma força armada e único responsável pela polícia da cidade. A partir de 315, o prefeito da cidade substituiu os antigos magistrados obsoletos para presidir o senado, exceto no caso da presença cada vez mais rara em Roma do imperador ou do cônsul ordinário. O prefeito também recebeu a direção da chancelaria senatorial e, portanto, foi responsável pelas comunicações oficiais entre o senado e o imperador. Em 331, Constantino ampliou os poderes do prefeito pretoriano, e subordinou a ele o prefeito dos vigias, o prefeito das provisões, o curador da água e outras curadorias, concentrando assim todos os principais serviços urbanos nas mãos do prefeito.[25]
Ele dirigiu no século IV, sobretudo após reforma entre 368 e 379, uma importante multidão de funcionários; Chastagnol avalia que eram 1 000 funcionários e 4 000 policiais e bombeiros, substituindo as 3 coortes urbanos e as 7 coortes de vigias.[26] Suas competências administrativas na cidade eram inúmeras: manutenção da ordem pública; controle da educação e bibliotecas; organização do estado-civil; controle de pesos e medidas; direção das obras públicas; organização do abastecimento, abarcando o armazenamento e transporte de cereais de Óstia e do Porto Romano aos hórreos, e distribuição de óleo, carne de porco e vinho.[27] O prefeito sobreviveu à queda do Império Romano do Ocidente, e permaneceu ativo sob o Reino Ostrogótico bem como após a reconquista bizantina. O último prefeito de Roma, um oficial chamado João, é atestado em 599.[16] No Ocidente a última menção do prefeito ocorreu tão tarde quanto 879.[28]
Constantinopla
[editar | editar código-fonte]Quando Constantino nomea Constantinopla a capital do Império Romano, também estabeleceu um procônsul para supervisioná-la. No final dos anos 350, Constâncio II (r. 337–361) expandiu o senado local e definiu-o como igual ao de Roma. Do mesmo modo, em 11 de setembro ou 11 de dezembro de 359, à Constantinopla foi também garantido um prefeito urbano, comumente conhecido como eparca a partir de seu título grego (em grego: ὁ ἔπαρχος τῆς πόλεως; romaniz.: ho eparchos tēs poleōs),[29] que era um dos principais tenentes do imperador: como sua contraparte romana, era membro da mais alta classe senatorial, a ilustre (illustris), e veio imediatamente após os prefeitos pretorianos na hierarquia imperial.[30] Como tal, o ofício possuiu grande prestígio e extensiva autoridade, e foi um dos poucos alto ofícios do Estado que não poderia ser ocupado por um eunuco.[31] Também era o chefe formal do senado, presidindo sobre suas reuniões.[32] Assim, a nomeação do prefeito tinha de ser formalmente ratificada pelo senado, e ao contrário das outras posições administrativas seniores do Estado (prefeitos pretorianos e vigários diocesanos) como suas conotações militares, as origens antigas e puramente civis do ofício foram enfatizadas pela uso da toga como traje cerimonial.[21][33]
Era o único responsável pela administração da cidade de Constantinopla e suas áreas imediatas. Suas tarefas eram variadas, que vão desde a manutenção da ordem ao regulação e supervisão de todas as guildas, corporações e instituições públicas. A polícia da cidade, os taxiotas (em grego: ταξιῶται; romaniz.: taxiōtai) veio sob autoridade do prefeito,[31] e a cadeia da cidade estava localizada no porão de sua residência oficial, o pretório (em latim: praetorium), localizado diante do Fórum de Constantino.[34] Tal como o prefeito de Roma, a guarda noturna veio sob um prefeito subordinado, o prefeito noturno (em grego: νυκτέπαρχος; romaniz.: nykteparchos).[21] Na década de 530, certa autoridade ao policiamento e regulação da cidade passou para 2 ofícios novos, criados por Justiniano (r. 527–565). Em 535, o pretor da plebe (em grego: πραίτωρ τῶν δήμων; romaniz.: praitōr ton demoi; em latim: praetor plebis), que comandou 20 soldados e 30 bombeiros, foi colocado no comando do policiamento e combate a incêndios, enquanto em 539, o ofício de quesitor (em grego: κοιαισίτωρ; romaniz.: quaesitor) foi estabelecido com a tarefa de limitar a imigração descontrolada das províncias à cidade, supervisando costumes públicos e perseguindo agressores sexuais e hereges.[31][35]
No período bizantino médio (século VII-XII), era tido como juiz supremo na capital após o imperador.[36] Seu papel na vida econômica da cidade foi também de grande relevância. O Livro do Prefeito do século X estipula vários papeis das várias guildas que estavam sob autoridade do prefeito. Também foi responsável pela nomeação dos professores da Universidade de Constantinopla e pela distribuição do subsídio de cereais da cidade.[37] Segundo o Cletorológio do final do século IX, seus dois principais assessores foram o símpono e o logóteta do pretório. Além disso, havia os gitoniarcas (em grego: γειτονιάρχαι; romaniz.: geitoniarchai, os antigos curadores regionais (curatores regionum) e juízes (em grego: κριται; romaniz.: kritai) dos distritos (em latim: regiones; em grego: ρεγεῶναι; romaniz.: regeōnai), o paratalassita, vários inspetores chamados epóptas (em grego: επόπται; romaniz.: epóptai), os chefes das guildas chamados exarcos (em grego: εξαρχοι; romaniz.: exarchoi) e os bulotas.[36][38]
O ofício continuou até o começo do século XIII com suas funções e autoridade relativamente intactos,[36] e pode possivelmente ter sobrevivido no Império Latino seguindo a captura da cidade na Quarta Cruzada em 1204, sendo igualado em latim com o castelano (castellanus) da cidade.[39] Após a reconquista da cidade pelos bizantinos, contudo, o ofício de eparca foi substituído ao longo do período Paleólogo (1261–1453) por vários cefalaticeões (kephalatikeuontes; sing. em grego: κεφαλατικεύων; romaniz.: kephalatikeuōn; carrasco), que supervisionaram cada um dos distritos na capital agora muito menos populosa.[36]
Referências
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- ↑ a b c Tácito século II, VI.11.
- ↑ Halicarnasso 30-8, I.12.
- ↑ a b c Smith 1875, p. 953-954.
- ↑ Lívio 27-25 a.C., III.9.
- ↑ Lívio 27-25 a.C., III.24.
- ↑ Gélio século I, XIV.7.
- ↑ Lívio 27-25 a.C., III.3; III.8.
- ↑ Halicarnasso 30-8, V.75; VI.2; VI.42; VIII.64.
- ↑ Estrabão 7 a.C., V.3.2.
- ↑ Mommsen 1876, VI, 1343, 1424.
- ↑ Mommsen 1887, XIV, 3609.
- ↑ Mommsen 1876, VI, 1332, 1422.
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- ↑ a b Lançon 2000, p. 45.
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- ↑ a b c Jacques 1999, p. 60.
- ↑ Lançon 2000, p. 11, 21, 46.
- ↑ a b c Bury 1923, p. 28-29.
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- ↑ Chastagnol 1960, p. 60-63.
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- ↑ Bury 1911, p. 70.
- ↑ a b c d Kazhdan 1991, p. 705.
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Bibliografia
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