Harmônicos esféricos – Wikipédia, a enciclopédia livre

Representações visuais dos primeiros harmônicos esféricos. Partes em azul e amarelo representam, respectivamente, as regiões nas quais a função é positiva e negativa.

Em matemática e ciência física, harmónicos esféricos são funções harmónicas que representam a variação espacial de um conjunto ortogonal de soluções da equação de Laplace, quando a solução é expressa em coordenadas esféricas.

Os harmónicos esféricos são importantes em muitas aplicações teóricas e práticas, particularmente em física atómica (uma vez que a função de onda do electrão contém harmónicos esféricos) e na teoria do potencial, tanto no campo gravitacional como na eletrostática.

Introdução[editar | editar código-fonte]

Harmónicos esféricos de variável real Ylm, para l =0,...,4 (de cima para baixo) e m = 0,...,4 (da esquerda para a direita). Os harmónicos Yl-m com m negativo são idênticos, mas com uma rotação de 90º/m em torno do eixo z em relação aos harmónicos positivos.

A equação de Laplace em coordenadas esféricas é dada por:

(Ver também Nabla e laplaciano em coordenadas esféricas). Se nesta expressão considera-se soluções específicas da forma , a parte angular Y é chamada harmónico esférico e satisfaz a relação

Se, por sua vez, utiliza-se o método de separação de variáveis para esta equação, pode-se ver que a equação acima admite soluções periódicas nas duas coordenadas angulares (l é um inteiro). Logo, a solução periódica do sistema anterior depende de dois inteiros (l, m) e é dada em termos de funções trigonométricas e dos polinômios associados de Legendre:

Onde: é chamada de função harmónica esférica de grau e ordem ; é o polinómio associado de Legendre; é uma constante de normalização; e e representam os parâmetros angulares (respectivamente, o ângulo azimutal ou colatitude e o ângulo polar ou longitude).

As coordenadas esféricas utilizadas neste artigo são consistentes com àquelas usadas pelos físicos, mas diferem das utilizadas pelos matemáticos (ver coordenadas esféricas). Em particular, a colatitude , ou ângulo polar, assume valores de e a longitude , ou azimute, está na faixa de . Portanto, é nulo no Pólo Norte, no Equador e no Pólo Sul.

Quando a equação de Laplace é resolvida em coordenadas esféricas, as condições de periodicidade na fronteira da coordenada e as condições de regularidades nos "Pólos Norte e sul" da esfera condizem com o que foi dito que os números l e m necessários devem ser inteiros que satisfazem e .

Normalização[editar | editar código-fonte]

Há várias normalizações utilizadas para as funções harmónicas esféricas. Em física e sismologia essas funções são geralmente definidas como

onde

Estas funções são ortonormalizadas,

,

onde δaa = 1, δab = 0 se a ≠ b (ver delta de Kronecker). Nas áreas de geodésia e análise espectral utiliza-se

que possui um termo linear

.

No magnetismo, no entanto, usa-se os harmónicos de Schmidt semi-normalizados,

que possuem a seguinte normalização:

.

Utilizando a identidade (ver funções associadas de Legendre)

pode-se demonstrar que todas as funções harmónicas esféricas normalizadas acima satisfazem

,

onde o símbolo * significa conjugação complexa.

Convenção de fase de Condon-Shortley[editar | editar código-fonte]

Um forte motivo para uma confusão com a definição de harmónicos esféricos é o fator de fase , normalmente identificado como a fase de Condon-Shortley na literatura quântica. Na mecânica quântica, é uma prática usual incluir este fator de fase na definição das funções associadas de Legendre, ou anexá-lo à definição de funções harmónicas esféricas. Não há nenhuma exigência da utilização da fase de Condon-Shortley na definição de funções harmónicas esféricas, mas se ela for incluída, então algumas operações no domínio da mecânica quântica serão mais simples. No magnetismo e na geodésia, ao contrário, nunca incluiu-se o fator de fase Condon-Shortley na definição dos harmónicos esféricos.

Expansão em harmónicos esféricos[editar | editar código-fonte]

Os harmónicos esféricos formam um conjunto completo ortonormal de funções e, portanto, formam um espaço vetorial análogo aos vetores unitários da base. Na esfera unitária, todas as funções de quadrado integrável podem, portanto, ser expandidas como uma combinação linear de:

.

Essa expansão é exata sempre que estende-se até o infinito. Haverá um erro de truncamento ao limitar a soma sobre numa largura de banda finita . Os coeficientes da expansão podem ser obtidos multiplicando-se a equação pelo conjugado complexo dos harmónicos esféricos, integrando-se sobre um ângulo sólido e usando-se as relações de ortogonalidade acima. No caso de harmónicos ortonormalizados, obtemos

.

Um conjunto alternativo de harmónicos esféricos para funções reais pode ser obtido a partir do conjunto

Estas funções têm as mesmas propriedades que as funções de normalização complexas dadas anteriormente. Nesta forma, uma função real integrável pode ser expressa como uma soma infinita de harmónicos esféricos

.

Harmónicos esféricos em física[editar | editar código-fonte]

Seguem-se algumas aplicações dos harmónicos esféricos na física, tanto na eletrostática como na mecânica quântica.

Harmónicos esféricos na eletrostática[editar | editar código-fonte]

O átomo de hidrogênio[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Átomo de Hidrogênio

O modelo quântico moderno do átomo de hidrogênio assume o elétron em um estado constante de energia tem sua posição distribuída ao redor do núcleo atômico como uma distribuição de probabilidades, cuja variação angular é dada por um harmónico esférico.

Análise espectral[editar | editar código-fonte]

A potência total de uma função é definida na linguagem de processamento de sinais eletrônicos como sendo a integral do quadrado da função dividida pela área varrida por ela. Usando as propriedades de ortonormalização de funções harmónicas esféricas de potência real unitária, é fácil verificar que a potência total de uma função definida na esfera unitária está relacionada aos seus coeficientes espectrais através de uma generalização do teorema de Parseval:

,

onde

é definido como o espectro de potência angular. Da mesma forma, pode-se definir a potência cruzada entre duas funções como

,

onde

é definido como o espectro cruzado neste caso. Se as funções e possuem valor médio igual a zero (ou seja, com coeficientes espectrais e nulos), então e representam as contribuições para a variância e covariância da função para , respectivamente. É comum que o espectro de potência cruzado seja aproximado por uma lei de potências do tipo

.

Quando , o espectro é "branco", pois cada nível tem potências iguais. Quando , o espectro é chamado de "vermelho", porque não há mais energia nos níveis mais baixos com comprimentos de onda mais longos do que nos níveis mais elevados. Finalmente, quando , o espectro é chamado de "azul".

Teorema da adição[editar | editar código-fonte]

Um resultado matemático de grande interesse e utilidade é chamado teorema da adição para harmónicos esféricos. Se dois vetores r e r' tem coordenadas esféricas e , respectivamente, o ângulo entre eles é dado pela expressão

.

O teorema da adição expressa um polinômio de Legendre de ordem no ângulo em termos de produtos de dois harmónicos esféricos com coordenadas angulares e :

.

Esta expressão é válida tanto para harmónicos reais como complexos. Entretanto, deve-se ressaltar que a fórmula apresentada anteriormente é válida apenas para harmónicos esféricos ortonormalizados. Harmónicos de potência unitária são necessários para eliminar o fator da expressão anterior.

Visualizando os harmónicos esféricos[editar | editar código-fonte]

Representação esquemática de Ylm sobre a esfera unitária. Ylm é igual a 0 ao longo de m círculos que passam pelos polos e ao longo de l-m círculos de mesma latitude. A função muda de sinal cada vez que cruza uma dessas linhas.
A função harmónica esférica real Y32 mostrada ao longo de quatro cortes.

Os harmónicos esféricos são facilmente visualizados através da contagem do número de cruzamentos que ambos estão na direção das coordenadas e . Para obter a orientação sobre , as funções associadas de Legendre possuem zeros, enquanto que na coordenada as funções trigonométricas seno e cosseno possuem zeros.

Quando o harmónico esférico de ordem é nulo, as funções harmónicas esféricas não dependem de , e diz-se que a função é zonal. Quando , não existem zeros na direção , e diz-se que a função é setorial. Nos outros casos, as funções formam um padrão em xadrez sobre a esfera.

Expressões analíticas para os primeiros harmónicos esféricos[editar | editar código-fonte]

Eis as expressões analíticas dos primeiros harmónicos esféricos ortonormalizados, com a convenção de fase de Condon-Shortley:

Teoria matemática geral[editar | editar código-fonte]

O conjunto dos harmónicos esféricos pode ser visto como uma representação da simetria do grupo das rotações em torno de um ponto SO(3) e das aplicações universais SU(2). Portanto, ele capta a simetria da esfera em duas dimensões. Cada grupo de harmónicos esféricos, com um dado valor do parâmetro l leva a uma representação diferente irredutível do grupo SO(3).

Além disso, a área é equivalente à esfera de Riemann. O conjunto completo das simetrias da esfera de Riemann é descrito pelo grupo das transformações de Möbius PSL(2,C), que é isomorfo ao grupo de Lie real chamado grupo de Lorentz. O análogo dos harmónicos esféricos em relação ao grupo de Lorentz é a série hipergeométrica; na verdade, os harmónicos esféricos podem ser reescritos em termos da série hipergeométrica, já que SO(3) é um subgrupo de PSL(2,C).

Mais especificamente, pode-se generalizar a série hipergeométrica para descrever as simetrias de qualquer espaço de simetria. Em particular, a série hipergeométrica pode ser estendida para todos os grupos de Lie.[1][2][3][4]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências[editar | editar código-fonte]

Referencias citadas

  1. N. Vilenkin, Special Functions and the Theory of Group Representations, Am. Math. Soc. Transl., vol. 22, (1968).
  2. J. D. Talman, Special Functions, A Group Theoretic Approach, (based on lectures by E.P. Wigner), W. A. Benjamin, New York (1968).
  3. W. Miller, Symmetry and Separation of Variables, Addison-Wesley, Reading (1977).
  4. A. Wawrzyńczyk, Group Representations and Special Functions, Polish Scientific Publishers. Warszawa (1984).

Referencias Gerais

  • A.R. Edmonds, Angular Momentum in Quantum Mechanics, (1957) Princeton University Press, ISBN 0-691-07912-9.
  • E. U. Condon and G. H. Shortley, The Theory of Atomic Spectra, (1970) Cambridge at the University Press, ISBN 0-521-09209-4, See chapter 3.
  • J.D. Jackson, Classical Electrodynamics, ISBN 0-471-30932-X
  • Albert Messiah, Quantum Mechanics, volume II. (2000) Dover. ISBN 0-486-40924-4.
  • D. A. Varshalovich, A. N. Moskalev, V. K. Khersonskii Quantum Theory of Angular Momentum,(1988) World Scientific Publishing Co., Singapore, ISBN 9971-5-0107-4

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

Software[editar | editar código-fonte]