Sobre a Contradição – Wikipédia, a enciclopédia livre

Sobre a Contradição
矛盾论 , Máodùn Lùn

Edição em língua inglesa de 1967
Autor(es) Mao Tsé-tung
Idioma chinês
País China
Assunto Filosofia, dialética, metafísica
Gênero Ensaio, não-ficção
Lançamento Agosto de 1937
Cronologia
Sobre a Prática

Sobre a Contradição (Chinês simplificado: 矛盾论; pinyin: Máodùn Lùn) é um livro chinês escrito por Mao Tsé-tung em 1937, durante a guerra civil chinesa. O livro, na forma de ensaio sobre filosofia, aborda a interpretação de Mao do materialismo dialético, desenvolvida a partir de conferências ditadas por Mao ao Instituto Político e Militar Anti-Japonês, em Yan'an.[1]

O ensaio foi desenvolvido com base na interpretação stalinista do materialismo dialético, dominante na União Soviética na época.[2] Sobre a Contradição é uma obra influente na teoria marxista, particularmente no Marxismo-Leninismo e se tornou uma das principais bases filosóficas do movimento maoista. O livro segue sendo uma leitura essencial no marxismo chinês contemporâneo.[3]

Conteúdo[editar | editar código-fonte]

Sobre a Contradição é divido em sete seções abordando diferentes aspectos da noção de “contradição” conforme concebida por Mao. Para Mao, a essência do marxismo seria a dialética, e a essência da dialética seria a contradição. A contradição seria uma lei universal segundo a qual uma coisa não existe de forma individual ou estática, e somente poderia ser definida a partir de suas relações de contradição com outras coisas, bem como a partir de suas próprias contradições internas.[4]

Origem da dialética e concepção de contradição[editar | editar código-fonte]

Na primeira seção do livro, Mao defende que a história da filosofia foi marcada por duas concepções de mundo: uma metafísica e uma dialética. Para Mao, a concepção metafísica, seja ela idealista ou materialista, apenas examinaria a realidade a partir de objetos individuais, sendo incapaz de observar as relações entre objetos e seu desenvolvimento.[5] Mao identifica essa perspectiva na filosofia ocidental, mas também na filosofia tradicional chinesa:

Na China, o pensamento metafísico, que se exprimia na afirmação ‘O céu é imutável, imutável é o Tao’, foi defendido durante muito tempo pela classe feudal, decadente, no poder. Quanto ao materialismo mecanicista e ao evolucionismo vulgar, importados da Europa nos últimos cem anos, encontraram os seus defensores na burguesia.
 
Mao Tsé-tung.

A concepção dialética, ainda que tão antiga quanto a metafísica, somente teria sido sistematizada de forma concreta por Hegel na forma da dialética idealista e, posteriormente, pelo proletariado internacional através de Marx e Engels como materialismo dialético e histórico.[6]

Ao afirmar, na segunda seção, a “universalidade da contradição”, Mao afirma tanto que todos os fenômenos naturais[7] e sociais se desenvolvem a partir de contradições entre aspectos opostos, quanto que esse movimento dialético ocorre em todos os momentos da existência de um fenômeno ou objeto. Mao argumenta que mesmo conceitos como “vitória” não podem ser definidos sem o conceito oposto da “derrota”.[8]

Contradição principal e aspecto principal de uma contradição[editar | editar código-fonte]

Nas seções quatro e cinco, Mao propõe dois conceitos que viriam a se tornar centrais ao maoismo: a “contradição principal” e o “aspecto principal de uma contradição”. O primeiro conceito propõe que, no caso de fenômenos complexos com um grande número de relações internas opostas, uma relação de contradição tem mais centralidade que todas as outras, e de fato define a existência de toda outra contradição. Mao exemplifica este conceito através de sua leitura do capitalismo:[9]

Por exemplo, na sociedade capitalista, as duas forças em contradição, o proletariado e a burguesia, formam a contradição principal; as outras contradições, por exemplo, a contradição entre os restos da classe feudal e a burguesia, a contradição entre a pequena burguesia camponesa e a burguesia, a contradição entre o proletariado e a pequena burguesia camponesa, a contradição entre a burguesia liberal e a burguesia monopolista, a contradição entre a democracia e o fascismo no seio da burguesia, as contradições entre os países capitalistas e as contradições entre o imperialismo e as colônias, todas são determinadas pela contradição principal ou sujeitas à influência desta.
 
Mao Tsé-tung.

Ele ainda propõe que a contradição principal de um certo sistema pode ser alterada dependendo da interação deste sistema com outros externos a ele. Por exemplo, as contradições de classe na China deixaram de ser a contradição principal durante a invasão japonesa na segunda guerra, ocasião em que a contradição entre colonizadores e colonizados assumiu este papel.[10]

Dentro de uma relação dialética, também, haveria um aspecto que assumiria uma posição primária em relação aos outros. Essa posição seria mutável, e determinada pelo grau de desenvolvimento de cada aspecto da contradição em relação ao outro. No exemplo do capitalismo, a burguesia é o aspecto dominante da contradição burguesia-proletariado.

Contradições antagônicas e não antagônicas[editar | editar código-fonte]

Uma contribuição de Mao que o diferencia de outros teóricos do Marxismo-Leninismo é o conceito de antagonismo em relações de contradição. Enquanto algumas contradições, como aquela entre a burguesia e a nobreza durante o fim do feudalismo na Europa, necessariamente levariam à aniquilação de um dos dois aspectos, outras contradições poderiam se alterar mutuamente sem que um ou ambos os aspectos deixem de existir.[11] Um exemplo seriam as contradições entre campo e cidade, que para Mao são antagônicas sob o capitalismo, mas não-antagônicas sob o socialismo e seriam resolvidas com o comunismo.

Mao posteriormente retomou estes conceitos em seu discurso Sobre o tratamento correto das contradições no seio do povo, de 1957.[12]

Impacto[editar | editar código-fonte]

Sobre a Contradição foi um livro bem recebido em círculos marxistas internacionais, sendo elogiado por escritores como Louis Althusser, Alain Badiou e Slavoj Žižek.[13][14][15][16] O livro também foi, juntamente com Sobre a Prática, de extrema importância para o desenvolvimento do maoismo na década de 1960, sendo profundamente influente na orientação ideológica de organizações e partidos como o PCdoB no Brasil, o PCTP em Portugal e os Naxalitas na Índia.[13][17]

Críticas ao livro e à concepção maoista do materialismo dialético incluem a de que o conceito de contradição "não antagônica" necessariamente implica um tipo de conflito não-dialético e simplista.[18][19][20]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. «As lições de Mao Tse-Tung para avaliar as contradições de Nossa América». dialogosdosul.operamundi.uol.com.br. Consultado em 15 de julho de 2022 
  2. Liu 2016, p. 28.
  3. Liu, Joseph (1971). «Mao's "On Contradiction"». Springer. Studies in Soviet Thought. 11 (2). Consultado em 15 de julho de 2022 
  4. Mao 1937, p. 31.
  5. Mao 1937, pp. 33-34.
  6. Mao 1937, p. 37.
  7. Liu 2016, pp. 28-30.
  8. Mao 1937, p. 40.
  9. Mao 1937, p. 57.
  10. Mao 1937, p. 58.
  11. Mao 1937, p. 74.
  12. Liu 2016, p. 55.
  13. a b «O valor teórico de Mao Tsé-Tung». LavraPalavra. 9 de setembro de 2015. Consultado em 15 de julho de 2022 
  14. «Alain Badiou: "Mao thinks in an almost infinite way"». Versobooks.com. Consultado em 15 de julho de 2022 
  15. Mao, Zedong (2007). On practice and contradiction. Slavoj Žižek. London: Verso. OCLC 72151006 
  16. aterraehredonda (21 de fevereiro de 2022). «Cinco teses filosóficas de Mao Zedong». A TERRA É REDONDA. Consultado em 4 de março de 2023 
  17. Brasil, CPDOC-Centro de Pesquisa e Documentação História Contemporânea do. «PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC DO B)». CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Consultado em 15 de julho de 2022 
  18. Liu 2016, p. 121.
  19. Weiss, Myra Tanner (1978). «On Mao's contradictions». Freedom Socialist Party (em inglês). Consultado em 15 de julho de 2022 
  20. Prestes, Anita Leocadia (2011). PARA O ESTUDO DA MEMÓRIA DO PCB: A INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO ANTIDIALÉTICO DE MAO TSE-TUNG NA ESTRATÉGIA POLÍTICA DO PCB (“DECLARAÇÃO DE MARÇO” DE 1958, RESOLUÇÕES DO 5º E 6º CONGRESSOS). Rio de Janeiro: [s.n.] 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

Bibliografia[editar | editar código-fonte]