Linguística aplicada – Wikipédia, a enciclopédia livre

Linguística Aplicada ou LA é um campo de estudo transdisciplinar, indisciplinar e intercultural que identifica, investiga e busca soluções para problemas relacionados à linguagem na vida real.[1] “A questão é: não se trata de qualquer problema – definido teoricamente – mas de problemas com relevância social suficiente para exigirem respostas teóricas que tragam ganhos a práticas sociais e a seus participantes, no sentido de uma melhor qualidade de vida, num sentido ecológico.” (ROJO, 2006, p. 258).[2] Sob o viés de que não se pode dissociar linguagem e vida social, dada a complexidade desta, a LA estabelece diálogos com outras áreas de estudos: Educação, Filosofia, Psicologia, Linguística, Antropologia, Política, Sociologia etc.[3]

Contextualização Histórica[editar | editar código-fonte]

A LA nasce na década de 40, para oferecer soluções ao contexto da guerra. Os Estados Unidos queriam que o exército pudesse aprender outras línguas, portanto, nasce para uma língua em uso e para resolver problemas de tradução e interpretação.[4]

O desenvolvimento da LA como área de conhecimento está atrelado à evolução do ensino de línguas nos Estados Unidos durante e após a Segunda Guerra Mundial, haja vista a necessidade de contato com aliados e falantes de outras línguas. Porém, os interesses de estudos foram avançando por questões de uso da língua materna, de ensino de uma segunda língua ou de língua em contato. Em 1958, foi criada a primeira faculdade de Linguística Aplicada, na Universidade de Edimburgo, na Escócia.[5] No final da década 1958, a linguística aplicada passou a coexistir com a teoria linguística gerativo-transformacional de Chomsky.[4]

No Brasil, a LA surgiu, nos anos 60, quando prevalecia nela o sentido de aplicação de teoria linguística. Entretanto, após a metade dos anos 80, a visão de LA se ampliou para a investigação sobre questões de linguagem colocadas na prática social.[3]

Na década de 90, a LA ganha autonomia. É determinada como campo do saber e não mais como disciplina, pois a linguística aplicada procura entender práticas sociais, para entender práticas discursivas.[4]

Objeto e objetivos da Linguística aplicada[editar | editar código-fonte]

Considera-se que a chamada Linguística Aplicada não é aplicação da Linguística, isto é, de teorias linguísticas a algum objeto, uma vez que a LA não entende que tal aplicação resolveria os problemas relativos à linguagem, por exemplo, nas salas de aula de línguas.[6] Todavia, a LA se debruça na construção de teorizações que não ignoram a prática, pelo contrário, a LA considera que teoria e prática se imbricam na construção do conhecimento, como em um trabalho de bricolage.[3]

Trabalhos realizados em Linguística Aplicada vão desde o reconhecimento de problemas em que o uso da língua é tido como central até a interferência social destes em um meio específico. Sob essa característica, repousa a diferença principal entre os escopos teórico-metodológicos da Linguística e da Linguística Aplicada, já que a primeira, segundo Kanavillil Rajagopalan,[3] se apega à neutralidade científica, ao descaso com a opinião leiga e com o social. Nesse contexto, a Linguística é comparada pelo mesmo autor à Torre de Marfim, seguido do que enfatiza a necessidade de aproximar-se dos sujeitos de pesquisa quando no campo das práticas que envolvem o uso da linguagem.

Entendendo a linguagem como discurso, a LA propõe compreender o mundo contemporâneo e contribuir para uma agenda anti-hegemônica em um mundo globalizado. Nessa perspectiva, para a LA, a ética e o poder são pilares fundamentais. Ela propõe a desconstrução de posições hegemônicas e contra-hegemônicas, valorizando a ideologia, o poder, o gênero, a classe e a raça.[3][7]

As teorias em LA são construídas considerando as vozes dos sujeitos que vivem as práticas sociais em que a linguagem apresenta papel central, sejam eles leitores, escritores, falantes e/ou ouvintes em contexto de ensino/aprendizagem e fora dele. Heterogêneos, fragmentados e fluidos são características dos sujeitos sociais para a LA.[8]

Por isso, Luiz Paulo da Moita Lopes[3] sintetiza expondo que a LA deve ser constituída por quatro aspectos: o caráter mestiço ou nômade desta ciência para dialogar com o mundo; a relação entre teoria e prática para as teorizações; a compreensão dos sujeitos sociais como históricos; e a existência de limites éticos para a ciência.

Rodrigues e Cerutti-Rizzatti falam que a LA "tem como objeto de estudo problemas linguísticos socialmente relevantes para os quais busca construir inteligibilidades e que empreende um processo de ressignificação de seus próprios limites, propondo interações com outras ciências, em razão da compreensão da natureza necessariamente híbrida de seu objeto de estudo".[4]

Contribuições da LA[editar | editar código-fonte]

A LA foi compreendida como ciência na medida em que definiu seu objeto de pesquisa, nomenclatura e procedimentos próprios de pesquisa. Com o amadurecimento do campo de estudos e o caráter transgressor que adquiriu ao longo dos anos, formulando seus modelos teóricos e colaborando com o avanço do conhecimento no seu campo de ação e em outras áreas de pesquisa, a LA tem se configurado como uma área de estudos de linguagem autônoma e social [8][9], dentre tantas outras, como Sociolinguística, Sociologia, Letramento, História, Identidade e Cultura, Lexicologia, políticas educacionais etc.

Ligações externas[editar | editar código-fonte]


Referências[editar | editar código-fonte]

  1. Baptista, Letícia (2014). «Considerações sobre uma experiência de ensino da língua portuguesa na China». Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Consultado em 23 de março de 2022 
  2. Lopes, Luiz Paulo da Moita (2008). «Inglês e globalização em uma epistemologia de fronteira: ideologia lingüística para tempos híbridos». DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada. 24 (2): 309–340. ISSN 0102-4450. doi:10.1590/s0102-44502008000200006 
  3. a b c d e f MOITA LOPES, Luiz Paulo (Org.). Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006.
  4. a b c d Rodrigues, Rosangela Hammes. (2011). Linguística aplicada. Florianópolis, SC: LLV/CCE/UFSC. ISBN 9788561482312. OCLC 817242975 
  5. Almeida Filho, José Carlos Paes de (2001). «O ensino de línguas no Brasil de 1978: e agora?». Revista Brasileira de Linguística Aplicada. 1 (1): 15–29. ISSN 1984-6398. doi:10.1590/s1984-63982001000100002 
  6. WIDDOWSON, Henry G. Explorations in Applied Linguistics 2. Oxford: Oxford University Press. 1984.
  7. BASTOS, Lúcia K.X., Mattos, Maria Augusta (eds.) Trabalhos em Lingüística Aplicada. 22. Campinas. UNICAMP/IEL. 1993.
  8. a b MOITA LOPES, Luiz Paulo. Oficina de Lingüística Aplicada. A Natureza Social e Educacional dos Processos de Ensino/Aprendizagem de Línguas. Campinas: Mercado de Letras. 1996.
  9. KEHOE, Monika. Applied Linguistics: A Survey for Language Teachers. London: Collier-Macmilliam International. 1968.