Filosofia clandestina – Wikipédia, a enciclopédia livre

Filosofia clandestina denomina um gênero de textos filosóficos produzidos e circulados anonimamento, ou sob pseudônimos, e frequentemente em forma manuscrita, principalmente no século XVII e XVIII, de teor predominantemente materialista, anticlerical e libertino.[1] Não obstante, a literatura clandestina em geral não se limita ao materialismo, compreendendo publicações de tendências religiosas heterodoxas, como o jansenismo, quietismo, judaismo e ocultismo, ou mesmo simples narrativas pornográficas e satíricas.[2] O corpus clandestino inclui pelo menos 290 textos preservados em bibliotecas europeias e norte-americanas,[3] cujos textos variam entre panfletos de algumas poucas páginas, até tratados com mil páginas.[4]

A emergência dessa tradição clandestina respondia às demandas de expressão de um pensamento heterodoxo diante de uma situação de controle e censura de textos por variados mecanismos religiosos e políticos, significando também uma crescente autonomia intelectual de sujeitos à margem dos espaços dominantes da universidade e da Igreja, ou que circulavam discretamente esses meios, enquanto desenvolviam suas ideias de maneira paralela e parcialmente secreta. De fato, muitos autores desses manuscritos eram figuras estabelecidas da política e do clero, que mantinham um vida dupla filosófica, desde príncipes como Eugénio de Saboia, à clérigos como Jean Meslier.[5]

A pesquisa acadêmica tem reconhecido gradativamente a importância desses textos no pensamento do principais filósofos do Iluminismo e da filosofia do século XVIII, que inclusive iniciaram um campanha para a impressão desses manuscritos na segunda metade do século, frequentemente recorrentes à impressão em países estrangeiros e mantendo uma circulação clandestina.[6] A qualidade argumentativa desses textos variava entre peças mais propagandísticas, e obras de sofisticação filosófica que antecipam ideias atribuidas à momentos posteriores.[4]

Textos notáveis[editar | editar código-fonte]

Theophrastus redivivus[editar | editar código-fonte]

Capa do Theophrastus Redivivus (manuscrito de Paris).
Theophrastus redivivus é um texto filosófico clandestino em latim publicado em uma data desconhecida entre os anos de 1600 e 1700.[7][8] O livro foi descrito como "um compêndio de velhos argumentos contra a religião e a crença em Deus" e "uma antologia do pensamento livre."[9] Contém tratados materialistas e céticos de fontes clássicas como Pietro Pomponazzi, Lucilio Vanini, Michel de Montaigne, Maquiavel, Pierre Charron, e Gabriel Naudé.[10]

Outros[editar | editar código-fonte]

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. Paganini, Jacob & Laursen 2020, p. X.
  2. Paganini, Jacob & Laursen 2020, p. XI.
  3. Paganini, Jacob & Laursen 2020, p. 3.
  4. a b Paganini, Jacob & Laursen 2020, p. 7.
  5. Paganini, Jacob & Laursen 2020, p. 4.
  6. Paganini, Jacob & Laursen 2020, p. 6.
  7. Hecht, Jennifer Michael (2004). Doubt: A History. HarperOne. pp. 325, ISBN 0-06-009795-7.
  8. Hall, H. Gaston (1982). A Critical Bibliography of French Literature; Volume III A: The Seventeenth Century Supplement. Syracuse University Press. pp. 369, ISBN 0-8156-2275-9.
  9. Craig, Edward (1998). Routledge Encyclopedia of Philosophy. Routledge. pp. 375, ISBN 0-415-07310-3.
  10. Hunter, Michael. Wootton, David (1992). Atheism from the Reformation to the Enlightenment. Oxford University Press. pp. 33, ISBN 0-19-822736-1.
  11. Paganini, Jacob & Laursen 2020, p. 5.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]