Utopia – Wikipédia, a enciclopédia livre

 Nota: Para outros significados, veja Utopia (desambiguação).

O termo utopia costuma ser utilizado para descrever uma sociedade imaginária que possuiria qualidades altamente desejáveis ou quase perfeitas para os seus cidadãos.

O termo foi, inicialmente, cunhado por Sir Thomas More no livro Utopia, de 1516, que descreveu uma sociedade insular fictícia no sul do Oceano Atlântico, na costa da América do Sul.

O oposto de utopia é distopia, gênero que, a partir da década de 1950, passou a dominar a literatura ficcional, principalmente por causa do impacto da obra: "1984" de George Orwell, publicada em 1949.

O termo utopia também pode denotar experimentos reais que tentaram construir sociedades utópicas.

As utopias literárias costumam priorizar, entre outras coisas, a igualdade, em categorias como economia, governo e justiça, com o método e a estrutura de implementação proposta variando de acordo com a ideologia do autor[1].

Etimologia[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Utopia (livro)

A palavra foi criada a partir da justaposição dos termos gregos antigos "οὐ" (prefixo de negação) e "τόπος" (lugar), significando o "não lugar" ou "lugar que não existe". É um termo inicialmente utilizado por Thomas More, que serviu de título para sua principal obra, escrita em latim por volta de 1516.[2] Atualmente, o termo é utilizado estritamente para descrever sociedades inexistentes consideravelmente melhores do que a sociedade contemporânea, não se aplicando a quaisquer sociedades fictícias e, muito menos, a distopias[3] [4].

O livro é uma forma de propagandear um projeto humanista de transformação social e representa aspectos capitais do humanismo renascentista. Segundo a versão de vários historiadores, More se fascinou pelas narrações extraordinárias do navegador português Rafael Hitlodeu, que navegara com Américo Vespúcio nas suas últimas viagens e ficara no litoral da América enquanto Vespúcio regressava à Europa. Aí, conhecera múltiplas regiões e visitara uma ilha cuja situação geográfica Rafael não mencionou. O encontro com Thomas More é mediado por Pedro Gilles e dá-se em Antuérpia, onde More se encontra de passagem.

O longo diálogo com Rafael divide-se em duas partes: na primeira parte, More tece duras críticas à sociedade real em que vive, aspirando por uma sociedade perfeita; a segunda parte consta da narração de Rafael da ilha idealizada que conhecera com todos os pormenores. A organização política, social, como se organizavam as famílias, a divisão dos trabalhos, as cidades, a alimentação, a saúde, etc.

Nesta ilha, todos vivem felizes, não desejam mais do que têm, pois cada um tem o que necessita, não mais; praticam as virtudes da temperança e da moderação. Essa ilha imaginária apresenta uma das sociedades 'possíveis', constituída com base na razão humana; trata-se de um verdadeiro exercício mental para resolver um problema que More enuncia do seguinte modo: dado um país no qual se ignorasse por completo tudo o que diz a revelação cristã, mas onde a razão humana pudesse resolver com isenção as questões do bem comum, que soluções se dariam para a organização política e social? A resposta — ou uma resposta — de Tomas More: a Utopia.

Mas há que ter em conta que o pensamento utópico pretende apurar uma racionalidade política, por um lado, e por outro, alimenta-se da imaginação, da fantasia, da fuga para um mundo irreal. A utopia é uma espécie de jogo entre um real que se rejeita e um ideal que se espera e deseja.

Reflexões sobre o conceito[editar | editar código-fonte]

  • Não há nada como um sonho para criar o futuro. Utopia hoje, carne e sangue amanhã." - Victor Hugo;
  • Um mapa-múndi que não inclui a Utopia nem vale a pena olhar, pois deixa de fora o único país em que a Humanidade está sempre pousando. E quando a Humanidade ali pousa, olha para fora e, vendo um país melhor, se põe vela. O progresso é a realização de utopias. - Oscar Wilde;
  • Utopias muitas vezes são apenas verdades prematuras. - Alphonse de Lamartine;
  • Nenhum dos conceitos abstratos chega mais perto de uma utopia realizada do que a da paz eterna. - Theodor W. Adorno;
  • Acho que sempre há uma parte da utopia em qualquer relacionamento amoroso. - Pedro Almodóvar;
  • Só em nós mesmos a luz absoluta continua brilhando, um "sigillum falsi et sui, mortis et vitae aeternae" [falso sinal e sinal da vida eterna e da própria morte], e o movimento fantástico para ele começa: para a interpretação externa do devaneio, o manipulação cósmica de um conceito que é utópico em princípio. - Ernst Bloch;
  • Quando eu morrer, quero morrer em uma utopia que ajudei a construir. - Henry Kuttner;
  • "A maioria dos dicionários associa a utopia com comunidades ideais, que eles caracterizam como uma realização empírica de uma vida ideal em uma sociedade ideal. Utopias, especialmente utopias sociais, estão associadas à ideia de justiça social - Lukáš Perný[5];
  • Utopias e outros modelos de governo, baseados no bem público, podem ser inconcebíveis por causa das paixões humanas desordenadas que, sob os governos errados, procuram evidenciar os interesses mal concebidos ou egoístas da comunidade. Mas embora achemos isso impossível, eles são ridículos para os pecadores cujo senso de autodestruição os impede de acreditar - Étienne Cabet no livro: "Viagem à Icária" (1839);
  • toda organização social depende de algo que não é realizado ou viável, mas tem um ideal que está em algum lugar além do horizonte, um farol do qual ela pode procurar se aproximar se considerar esse ideal socialmente válido e geralmente aceito - Richard Stahel[6].

Karl Marx e Friedrich Engels, utilizaram o termo de modo pejorativo, para desqualificar os socialistas utópicos[7].

História[editar | editar código-fonte]

Há registros as ideias utópicas já nos períodos da Grécia e de Roma antigas, que depois ressurgem, com outros formatos, como, por exemplo, entre:

A República de Platão foi a primeira obra com autoria conhecida que descreve uma utopia. No caso, a obra descreve a implementação de um sistema político defendido por Platão, onde os cidadãos eram separados em diferentes classes socioeconômicas. Essa sociedade seria dirigida pelos cidadãos de ouro, que seriam treinados em um programa educacional rigoroso para serem oligarcas benignos, os "reis-filósofos". A sabedoria desses governantes eliminaria a pobreza e a privação por meio de recursos distribuídos de maneira justa.

Utopias na economia[editar | editar código-fonte]

Ao longo do século XIX, com o surgimento do socialismo utópico, foram criadas várias comunidades utópicas baseadas na distribuição igualitária dos bens nos Estados Unidos e Europa, como Nova Harmonia e as comunidades dos seguidores de Étienne Cabet.

Utopias na Literatura[editar | editar código-fonte]

Utopias na religião[editar | editar código-fonte]

Utopias inter-religiosas descrevem, p. ex., sociedades ideais onde várias culturas vivem em harmonia baseadas em valores comuns.

Historicamente, existem vários exemplos de utopias intrarreligiosas, como as comunidades baseada na surgidas na Europa e nos Estados Unidos durante o Segundo Grande Despertar (Shakers; Sociedade da mulher na região selvagem; Ephrata; Sociedade da Harmonia; Comunidade Oneida; Colônias Amana).

Utopias tecnológicas[editar | editar código-fonte]

Utopias tecnológicas geralmente baseiam-se num futuro imaginário em que ciência e tecnologia melhorarão a qualidade de vida do ser humano. Como exemplos, podem ser citadas a franquia Star Trek[42] e as invenções visionárias de Buckminster Fuller (1895–1983).

Utopismo[editar | editar código-fonte]

Em muitas culturas, existe a lembrança de uma mítica época do passado, em que a vida era mais simples e feliz. Segundo uma teoria da antropologia, tais mitos são uma lembrança do estágio caçador-coletor da humanidade. Exemplos dessas míticas eras são:

Referências

  1. Henry Giroux (2003). "Utopian thinking under the sign of neoliberalism: Towards a critical pedagogy of educated hope]". Democracy & Nature. Routledge. 9 (1): 91–105
  2. FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. 2ª edição. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 1986. p. 1 745.
  3. Utopianism: A very short introduction. , em inglês, acesso em 21/10/2021.
  4. Sargent, Lyman Tower (2005). Rüsen, Jörn; Fehr, Michael; Reiger, Thomas W. (eds.). The Necessity of Utopian Thinking: A cross-national perspective. Thinking Utopia: Steps into Other Worlds (Report). New York: Berghahn Books. p. 11.
  5. PERNÝ, Lukáš: "Utopians, Visionaries of the World of the Future (The History of Utopias and Utopianism)", Martin: Matica slovenská, 2020, p. 16
  6. SŤAHEL, R. In: MICHALKOVÁ, R.: Symposion: Utópie. Bratislava: RTVS. 2017
  7. Frederick Engels. Socialism: Utopian and Scientific.
  8. Filozofický slovník 1977, s. 561
  9. Pinheiro, Marilia P. Futre. (2006). Utopia and Utopias: a Study on a Literary Genre in Antiquity. In Authors, Authority and Interpreters in the Ancient Novel. Groningen: Barkhuis. (pp. 147–171).
  10. Winston, David (November 1976). 'Iambulus' Islands of the Sun and Hellenistic Literary Utopias. Science Fiction Studies.
  11. Mahmoudi, Sana; Azizmouhamdi, Fatemeh (November 2013). "A Study of the Concept of Utopia in Hakim Sanai's The Walled Garden of Truth and Thomas More's Utopia". International Journal of Applied Linguistics & English Literature. 2 (6).
  12. Bakhsh, Alireza Omid (2013). "The Virtuous City: The Iranian and Islamic Heritage of Utopianism". Utopian Studies. 24 (1): 41–51.
  13. Quilligan, Maureen (1991). The Allegory of Female Authority: Christine de Pizan's Cité Des Dames. Cornell University Press.
  14. a b c d Davis, J. C. (1994). "Utopianism". In Burns, J. H. The Cambridge History of Political Thought 1450-1700. Cambridge: Cambridge University Press.
  15. Grendler, Paul F. (1965). "Utopia in Renaissance Italy: Doni's "New World"". Journal of the History of Ideas. 26 (4): 479–494.
  16. a b c d e f g h i j Appelbaum, Robert (2013). "Utopia and Utopianism". In Hadfield, Andrew. The Oxford Handbook of English Prose 1500-1640. Oxford: Oxford University Press.
  17. a b c d e f g h i j k l m n o p Claeys, Gregory, ed. (2010). The Cambridge Companion to Utopian Literature. Cambridge University Press.
  18. René-Louis Doyon. (1933). Variations de l'Utopie.
  19. Weinberger, J. (1976). "Science and Rule in Bacon's Utopia: An Introduction to the Reading of the New Atlantis". The American Political Science Review. 70 (3): 865–885.
  20. a b c d e f g h i j k Claeys, Gregory, ed. (2010). The Cambridge Companion to Utopian Literature. Cambridge University Press.
  21. Claeys, Gregory, ed. (2010). The Cambridge Companion to Utopian Literature. Cambridge University Press.
  22. Boesky, Amy (1995). "Nation, miscegenation: membering utopia in Henry Neville's The Isle of Pines". Texas Studies in Literature and Language. 37: 165–84.
  23. Aviles, Miguel A. Ramiro (2012). "Sinapia, A Political Journal to the Antipodes of Spain". In Aviles, Miguel and Davis, J. C. Utopian Moments: Reading Utopian Texts. London: Bloomsbury Academic.
  24. Lenski, Noel E. Utopia and Community in the Ancient World. p. 26.
  25. McDonald, Christie V. (1976). The Reading and Writing of Utopia in Denis Diderot's "Supplement au voyage de Bougainville". Fiction Studies, 3(3): 248-254.
  26. Oved, Yaacov (1987). Two Hundred Years of American Communes. Transaction. p. 211.
  27. Kesten, Seymour R. (1996). Utopian Episodes: Daily Life in Experimental Colonies Dedicated to Changing the World. Syracuse University Press. p. 14.
  28. Sparknotes. Disponível em http://www.sparknotes.com/lit/lookingbackward/section5.rhtml. Acesso em 30 de julho de 2017.
  29. Gates, Barbara T. (ed.), In Nature's Name: An Anthology of Women's Writing and Illustration, 1780-1930 University of Chicago Press, 2002.
  30. H.G. Wells, A Modern Utopia, ed. Mark R. Hillegas (Lincoln, NB: University of Nebraska Press, 1967).
  31. E. F. Bleiler and Richard Bleiler. Science-Fiction: The Early Years. Kent State University Press, 1990. p.575-76.
  32. H. G. Wells, Men Like Gods, Book I, Ch. 5, Sect. 6.
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  34. Hilo Brow. Disponível em http://hilobrow.com/2009/10/21/hilo-hero-ursula-k-le-guin/. Acesso em 31 de julho de 2017.
  35. Dennis Hevesi, "Ernest Callenbach, Author of ‘Ecotopia,’ Dies at 83", The New York Times, April 27, 2012.
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  37. Van Belle, Douglas A. (2015). A Novel Approach to Politics: Introducing Political Science through Books, Movies, and Popular Culture. CQ Press.
  38. Fullbrook, Edward (2007). "Real World Economics". Anthem Press.
  39. BOOM A Journal of California, "The Boom interview: Kim Stanley Robinson", "Boom" Winter 2013, Vol. 3, No. 4, Interview conducted by Jon Christensen, Jan Goggans, and Ursula K. Heise.
  40. Marshall Brain. Disponível em http://marshallbrain.com/manna1.htm. Acesso em 2 de agosto de 2017.
  41. Entrada na biblioteca japonesa National Diet Library: http://iss.ndl.go.jp/books/R100000002-I026253536-00
  42. FREITAS, Eduardo Pacheco (2019). Star Trek: utopia e crítica social. Rio de Janeiro: Autografia. 320 páginas 

Ver também[editar | editar código-fonte]

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