Tentativa de golpe de Estado em Angola em 1977 – Wikipédia, a enciclopédia livre

Tentativa de golpe de Estado em Angola em 1977
Data 27 de maio de 1977
(A purga arrasta-se por 2 anos[1])
Local Angola
Desfecho Golpe de Estado falhado
Beligerantes
Estado Angolano
MPLA
Fraccionistas
Comandantes
Agostinho Neto
Lúcio Lara
Iko Carreira
Ludy Kissassunda
Henrique Onambwé
Saíde Mingas
Nito Alves
José Jacinto Van-Dúnem
Sita Valles
Jacob Monstro Imortal
Luís dos Passos
Baixas
Desconhecido 10.000 a 40.000
(ao longo de 2 anos de purga)

A tentativa de golpe de Estado em Angola em 1977 foi uma tentativa fracassada do Ministro da Administração Interna angolano, Nito Alves, líder do movimento Fraccionista, de derrubar o governo de Agostinho Neto. Aconteceu em 27 de maio de 1977.[2]

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Fraccionismo

A partir de 1974, Nito Alves, posteriormente o Ministro da Administração Interna do novo Estado angolano, havia se tornado um membro poderoso da direção do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).[2]

O movimento Fraccionista de Nito Alves dentro do MPLA tornou-se um grande desafio ao poder de Agostinho Neto a partir do final de 1975 e início de 1976. Alves visitou a União Soviética entre os meses de fevereiro e março de 1976 convencendo-se da necessidade de implantação da linha marxista-leninista e do modelo soviético no programa do partido e nas políticas de Estado.[2] Ao voltar, os discursos de Alves tornaram-se extremamente inflamados contra as políticas socioeconômicas e governamentais, adotando, particularmente, uma midiática retórica racista contra uma suposta elite branco-mestiça que dominaria as estruturas partidárias e estatais.[2] Neto começou a suspeitar do poder crescente de Alves e procurou neutralizá-lo e a seus seguidores, os nitistas.[2] Concluiu-se que nitistas estavam à causar rupturas e a dividir o partido já em 1976.[2] Neste ponto, Alves e José Jacinto Van-Dúnem, seu aliado político e antigo membro do Estado-Maior das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA), começaram a planejar um golpe de Estado contra Neto.[2]

Tentativa de golpe[editar | editar código-fonte]

Na madrugada de 27 de maio de 1977 (sexta-feira), Nito Alves liderou um movimento popular de protesto que se dirigiu para o Palácio Presidencial, supostamente para apelar ao Presidente Neto para que tomasse uma posição contra uma suposta conspiração ou "santa aliança"[2] entre a social-democracia e o maoísmo que estavam a definir os rumos do MPLA,[2] defendendo que se alterasse essa tendência com o retorno à linha marxista-leninista pura.[2]

Paralelamente as dirigentes do destacamento feminino das FAPLA Virinha da Conceição e Nandy Delfim dirigem o assalto à cadeia de São Paulo,[2] onde se encontrava, em visita de inspeção, Helder Ferreira Neto, chefe dos Serviços de Informação e Análise (INFANAL) das FAPLA, órgão paralelo à Direção de Informação e Segurança de Angola (DISA). Para tentar impedir o ataque, Helder Ferreira Neto[2] liberta alguns presos e entrega-lhes armas para o ajudarem a defender a cadeia. O combate é renhido, mas os rebeldes conseguem libertar mais de 150 detidos, dentre eles os líderes nitistas Pedro Santos e Galiano da Silva.[2] Helder Ferreira Neto acaba por morrer em confronto com as tropas de Virinha da Conceição e Nandy Delfim.[2]

Luís dos Passos,[3] num jipe com seis militares, dirigiu a tomada da Rádio Nacional de Angola, onde anunciaram o golpe, autodenominando-se "Comitê de Ação do MPLA — Unidade FAPLA-Povo".[2] Os Nitistas pediram aos cidadãos que mostrassem seu apoio ao golpe fazendo uma manifestação em frente ao Palácio Presidencial. O presidente Agostinho Neto, porém, havia transferido sua base de operações do Palácio para o Ministério da Defesa assim que foi iniciado o levante.[2] Segundo o ex-delegado brasileiro Cláudio Guerra relatou em seu livro Memórias de uma Guerra Suja, o atentado a bomba que precedeu a tomada da Rádio Nacional e que matou integrantes da cúpula do MPLA presentes na rádio foi executado por ele e mais dois policiais brasileiros, todos integrantes da extrema-direita brasileira, que haviam sido enviados em missão secreta a Angola, demonstrando possível aliança dos setores Fraccionistas com forças reacionárias internacionais.[4] Nos musseques, Sita Valles e José Jacinto Van-Dúnem incitam os operários e os populares à revolta.[2]

Ainda pela manhã, o Ministro das Finanças e major Saíde Mingas, um dos irmãos de Rui Mingas, fiel a Agostinho Neto e um dos alvos da tentativa de golpe, estava indo em direção ao Ministério da Defesa quando decide reunir e liderar um grupo de soldados para tentar retomar o quartel da 9ª Brigada e controlar as tropas em motim. Foi preso por elementos nitistas da DISA e levado com Eugénio Nzaji e outros militares contrários à revolta para o musseque Sambizanga, onde são, posteriormente, queimados vivos.[5] Tanto Saíde Mingas quanto Eugénio Nzaji eram membros do Conselho da Revolução.[2] Curiosamente o irmão de Saíde Mingas, José "Zé" Rodrigues Mingas, comandante policial da DISA, era apoiador e um dos principais agentes de informação do grupo nitista.[6] Zé Mingas não tinha conhecimento dos planos dos membros nitistas da DISA de sequestrar e matar seu próprio irmão, e acabou morto na violenta repressão estatal à tentativa de golpe.[6]

Tropas das Forças Armadas de Cuba, leais a Neto, retomaram a região do Palácio cerca de 11h00.[2] A resposta do Governo, liderada por Henrique Onambwé, diretor-adjunto da DISA, dá-se por volta do meio-dia, quando consegue reagrupar as FAPLA e, com a ajuda das tropas cubanas, marcham até a estação da Rádio Nacional de Angola.[2] Os soldados retomam a cadeia e a rádio e dispersam os manifestantes em outras zonas da cidade, abafando-se assim o golpe.[2] Essa primeira resposta militar conclui-se por volta das 13h30.[2] Enquanto a força cubana recapturava o Palácio e a estação de rádio, os Nitistas conseguiram interceptar os veículos dos membros do Conselho da Revolução Paulo Mungungo Dangereux, Bula Matadi e Eurico Manuel Correia Gonçalves, que se dirigiam para debelar os confrontos, sendo assassinados queimados vivos nos carros na metade da tarde.[2]

Pelas 17 horas,[2] a cidade já está controlada, e os manifestantes procuram refúgio.[2] No musseque do Sambizanga, são queimados, vivos, os militares leais ao governo que haviam sido capturados pelos nitistas, conseguindo fugir ileso somente o comandante militar Ciel da Conceição Gato. No final da tarde a tentativa de golpe já tinha sido debelada na cidade de Luanda e os organismos de repressão entram nas zonas rebeldes da capital em busca dos participantes da intentona.[2] Na Rádio Nacional, Agostinho Neto resume os acontecimentos que, por poucas horas, abalaram Luanda e complementa que os Fraccionistas "terão de fazer um grande trabalho de reabilitação para poderem regressar às fileiras do Movimento como dirigentes".[2]

Com o poder governamental precariamente restabelecido em Luanda, foi imposto o recolher obrigatório com início ao pôr do sol e a terminar ao nascer do sol, realizado com a ajuda de barreiras de rua por toda a cidade. Cubanos, em tanques e blindados, guardavam os edifícios públicos.[2] A DISA, sob comando de Ludy Kissassunda e Henrique Onambwé, começou as buscas às casas à procura dos líderes Nitistas ainda na noite de 27 de maio.[2]

Numa última tentativa de levar o golpe em frente, ao final da tarde surge um atentado contra Agostinho Neto, levado a cabo pelo seu segurança particular e organizado por Nito Alves. Neto escapa ileso, mas fica abalado com os acontecimentos e pouco tempo depois, num discurso mais agressivo, afirmou: "Não haverá contemplações. Não há mais tolerância. Nós vamos proceder de uma maneira firme, e dura".[2]

Purga posterior[editar | editar código-fonte]

O governo do MPLA prendeu dezenas de milhares de suspeitos de associação ao nitismo de maio a novembro de 1977 e ao longo dos anos de 1978 e 1979 e julgou-os em tribunais secretos.[2] Os culpados, incluindo Nito Alves,[2] José Jacinto Van-Dúnem,[2] Sita Valles,[2] David Minerva Machado,[2] Arsénio Totó Sihanouk,[2] Jacob Monstro Imortal[2] e Eduardo Ernesto Bakalof,[2] foram mortos e enterrados em valas secretas.[2] Estima-se que pelo menos 2.000 seguidores (ou supostos seguidores) de Nito Alves foram mortos na repressão estatal, com algumas estimativas chegando a 40.000 mortos.[2][7]

Referências

  1. «O massacre de 27 de Maio em Angola». www.dn.pt. Consultado em 5 de maio de 2021 
  2. a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x y z aa ab ac ad ae af ag ah ai aj ak al am an Inácio Luiz Guimarães Marques (2012). Memórias de um golpe: O 27 de maio de 1977 em Angola (PDF). Niterói: Universidade Federal Fluminense 
  3. Jornal de Angola "PRD reconhece excessos no 27 de Maio"
  4. Guerra, C. (2012). Memórias de uma guerra suja. Rio de Janeiro: Topbooks. p. p. 136-140 
  5. Lara Pawson (2007). The 27 May in Angola: a view from below (PDF). Revista Relações Internacionais nº14. Lisboa: Instituto Português de Relações Internacionais. p. 3. 18 páginas. Consultado em 7 de abril de 2009. Arquivado do original (PDF) em 18 de Dezembro de 2009 
  6. a b Luís dos Passos. «Quem matou em casa do Kiferro foi o Tony Laton» (Parte 2 fim). Kesongo. 7 de junho de 2022.
  7. Welle (www.dw.com), Deutsche. «27 de maio de 1977 e Nito Alves - o tabu da história de Angola | DW | 15.05.2017». DW.COM. Consultado em 5 de maio de 2021