Organon – Wikipédia, a enciclopédia livre

 Nota: Não confundir com Órganon.

Organon (do grego, ὄργανον) é o nome tradicionalmente dado ao conjunto das obras sobre lógica de Aristóteles. Significa "instrumento" ou “ferramenta” porque os peripatéticos consideravam que a lógica era um instrumento da filosofia e, a partir daí, passaram a designar o conjunto de textos de Aristóteles a esse respeito. Com essa denominação, os peripatéticos da Antiguidade Tardia marcavam uma diferença com relação aos estoicos, que por sua vez tomavam a lógica como uma parte da filosofia.

O Órganon abre o Corpus aristotelicum e é composto pelos livros: Categorias, Da Interpretação, Analíticos Anteriores, Analíticos Posteriores, Tópicos e Refutações Sofísticas.

O próprio Aristóteles não designou que esses livros formassem um conjunto, muito menos deu um título único que os englobasse, mas essa tradição tem suas bases na antiguidade. Justamente por ocupar a primeira posição na leitura das obras de Aristóteles, o conjunto recebeu mais atenção que todo o resto das suas obras, sendo proporcionalmente mais reproduzida e comentada que as demais.

Composição e Ordem Interna[editar | editar código-fonte]

Atualmente, as seguintes obras de Aristóteles compõem o Órganon, nesta ordem. Vai ao lado a ideia que normalmente se tem da obra:

  1. Categorias: tratado sobre os termos tomados individualmente (por exemplo, “homem”, “branco”);
  2. Da Interpretação (mais conhecido pelo título latino De Interpretatione): tratado sobre os enunciados (p.ex.: “homem é branco”);
  3. Analíticos anteriores (também chamados de Primeiros Analíticos), em 2 livros: tratado sobre o raciocínio (em grego, συλλογισμός, silogismo, também traduzido por “dedução”. Exemplo de silogismo: “Todo animal é mortal”, “Todo homem é animal”, logo “Todo homem é mortal”);
  4. Analíticos posteriores (também chamados de Segundos Analíticos), em 2 livros: tratado do raciocínio científico (ou demonstração ou silogismo demonstrativo);
  5. Tópicos, em 8 livros: manual para debates de opiniões aceitas pela sociedade (silogismo dialético);
  6. Elencos Sofísticos (também conhecidos como Refutações Sofísticas): manual para perceber erros argumentativos e solucioná-los.

Essa composição, porém, não é unânime. Muitos antigos e medievais, principalmente siríacos e árabes, incluíam nesse conjunto também a Retórica e a Poética.[1] Por outro lado, uma ou outra obra, ou parte de obra, já foi considerada inautêntica (ou seja, não escrita pelo próprio Aristóteles), o que implicaria tirá-la do conjunto. Ademais, o Isagoge de Porfírio é uma introdução às Categorias que muitas vezes foi editado junto às outras, mas sempre demarcando-se, obviamente, que não se tratava de uma obra de Aristóteles. Assim, havia uma versão longa desse conjunto com a seguinte ordem: 1º: Isagoge, 2º: Cat., 3º: De Int., 4º: An.Ant., 5º: An. Pos., 6º: Tóp., 7º: El.Sof., 8º: Retórica, 9º: Poética.

Em todo caso, porém, os estudiosos hoje se referem a somente as seis obras acima quando falam sem especificar de Órganon.

Os títulos das obras que compõem o conjunto também podem ser discutidos, pois os Analíticos anteriores e os Analíticos posteriores são citados por Aristóteles como uma única obra, cujo nome seria “Analíticos” simplesmente[2] e os Elencos sofísticos são considerados um nono livro dos Tópicos.[3] A rigor, então, seriam quatro obras. Entretanto, vem desde a Antiguidade e ainda hoje é seguida a tradição de dividir em dois Analíticos[4] e de separar os Elencos sofísticos dos Tópicos.[5]

Existem outras formas de ordenar internamente as obras. Começar as edições do Organon (e de todo o Corpus Aristotélico) pelas Categorias é quase uma unanimidade. Existe, contudo, a seguinte ordem, presente no catálogo de um certo Ptolomeuː[6] 1º: Cat., 2º: De Int., 3º: Tóp., 4º: An.Ant., 5º: An.Pos. e 6º: El.Sof. E é possível também pensar numa ordem em que as Categorias estejam imediatamente antes dos Tópicos, fazendo jus a um dos seus antigos títulos (algo como “Pré-Tópicos”). Não há, em todo o caso, um critério cronológico ao assim ordenar o Órganon.[7]

Sabe-se que não antes dos neoplatônicos, no século IV, a ordem acima foi estabelecida[8] e o critério deles de ordenação segue uma preocupação pedagógica, segundo o seguinte pensamento: a demonstração é o assunto principal da lógica; portanto, antes de chegarmos a ela, devemos estudar seus elementos, a saber, os termos, as proposições e o silogismo em geral; cada um desses assuntos é tema de uma obra, a saber, das Categorias, o Da Interpretação e os Analíticos Anteriores, respectivamente. E é óbvio que se deve começar do mais elementar até chegar à demonstração; por isso, a ordem Cat., Int., AAn e APo. Em seguida, deve-se estudar algumas coisas que, de alguma forma, nos ajudam a evitar o que não é demonstração, pois são coisas que podem se parecer com demonstração, sem o ser verdadeiramente; daí o estudo da dialética e da sofística em Tópicos e Elencos Sofísticos".[9]

Unidade, Posição no Corpus Aristotelicum e Título[editar | editar código-fonte]

Se Aristóteles escreveu cada uma das seis obras, ele não escreveu, contudo, um “Órganon”, no sentido de que ele nunca pensou em separar tais obras das demais pondo-as em um conjunto, nem em dar-lhes um único título, nem em assim ordená-las.[10]

Não há uma unidade original no Órganon. No entanto, é fácil ver certa unidade entre os Analíticos e os Tópicos, pelos assuntos abordados, pela terminologia usada e pelas mútuas referências. O Da Interpretação e principalmente as Categorias, porém, entram no conjunto forçadamente;[11] inclusive, no catálogo das obras de Aristóteles presente em Diógenes Laércio, que, por sua vez, é uma cópia de um catálogo helenista, as Categorias e o Da Interpretação aparecem separados dos demais.[12]

Não se sabe quem foi o primeiro a juntar essas seis obras. É difícil que tenha sido Andrônico de Rodes, crucial editor do Corpus no século I antes de Cristo, porque ele considerava todo o De Interpretatione inautêntico.[13]

Porém, a ideia de posicionar as obras lógicas no começo de todas as obras de Aristóteles com certeza veio de Andrônico. Sabe-se que ele fez uma edição muito organizada na qual os livros eram arranjados segundo temas comuns e que ele considerava que a lógica deveria ser estudada primeiro.[14] Essa escolha de Andrônico garantiu um lugar de destaque para o Órganon dentre todas as demais obras de Aristóteles e é uma das principais razões por que este foi mais conservado, traduzido e comentado do que as demais.[15]

Usar a palavra Órganon para intitular esse conjunto só veio a acontecer a partir do século XV com os comentadores latinos.[16] Contudo, já no século VI d.C., vemos Amônio, filho de Hermias, e seu discípulo João Filopono classificar tais obras, junto com a Retórica e a Poética, de “instrumentais”.

Instrumentalidade da lógica[editar | editar código-fonte]

Apesar da forte tradição, o próprio Aristóteles também nunca declarou expressamente que o raciocínio ou a demonstração (que, por sua vez, são estudados por aquilo que depois dele recebeu o nome "lógica") eram um instrumento para as ciências.

Na Antiguidade Tardia, no entanto, alguns comentadores, inclusive não aristotélicos como Diógenes Laércio,[17] atribuíam essa doutrina a Aristóteles; Alexandre de Afrodísias assume abertamente que o filósofo assim pensava.[18]

Já que atualmente não se considera que Aristóteles tenha nomeado a disciplina que estuda raciocínios de instrumento, não se sabe ao certo quando teriam começado essa ideia. Tem ganhado aceitação, porém, a tese de que foi o editor Andrônico de Rodes;[19] a argumentação passa pelo fato que ele teria considerado que a lógica deveria ser estudada primeiro justamente porque é preciso conhecer o instrumento de trabalho para melhor cumprir sua função.

Seja como for, desde Alexandre de Afrodísia (ver início de seus Comentários aos Analíticos Anteriores), a instrumentalidade da lógica aparece também em contextos críticos contra a lógica estoica. Zenão de Cítio, fundador do estoicismo, dividia a filosofia em três partes: a física, a ética e a lógica e as relacionavam entre si de modo sistemático. A lógica seria parte da filosofia, que se retirada mutilaria a própria filosofia, e não um instrumento exterior, que, por mais útil que seja, não faria falta à verdade. Os seguidores de Aristóteles se lançam contra essa ideia e defendem que a lógica é antes uma ferramenta.

Há uma ideia alternativa que é atribuída a Platão e que foi adotada pelos neoplatônicos a partir do século V: a de que a lógica era tanto instrumento quanto parte da filosofia; essa ideia também aparece em Boécio, século VI.[20]

Manuscritos mais importantes e Edições críticas[editar | editar código-fonte]

Os manuscritos do Órganon são, proporcionalmente, bem mais numerosos que os do resto do Corpus. Dos mais de mil manuscritos gregos restantes, cerca de duzentos e cinquenta (um quarto) possuem ou alguma obra do Órganon, ou ele todo, embora este só corresponda a cerca de um décimo de todas as obras restantes de Aristóteles.

Os manuscritos mais importantes para as edições contemporâneas do Organon são o A=Vaticanus Urbinas 35, do ano de 901, B= Marcianus 201, de 955 e o n=Ambrosianus 490 (L 93 sup.), do século IX. A letra inicial signifa a família de manuscritos e o nome em latim, o local onde se encontra.

Edições críticas são edições em língua original nas quais se comparam diversos manuscritos e se notifica à no rodapé as variações, os pontos de discordância, entre eles. Existe uma edição crítica exclusiva do Órganon, ainda hoje reimpressa:

WAITZ, Th. Organon graece, novis codicum auxiliis adiutus recognovit, scholiis ineditis et commentario instruxit Theodorus Waitz. Leipzig: 1844-6. Vol. 1: Categoriae, De Interpretation, Analytica priora. Vol. 2: Analytica posteriora, Topica, Elenchi Sophistici.

Mas também há, obviamente, edições críticas do Órganon em edições completas do Corpus Aristotelicum.

Traduções para línguas modernas[editar | editar código-fonte]

É comum ver traduções separadas dos livros do Órganon, mas traduções completas, em uma mesma edição, são mais raras. Abaixo, algumas traduções completas.

Português[editar | editar código-fonte]

  • Órganon. Tradução do grego e notas de Pinharanda Gomes. Lisboa: Guimarães Editores, 1987.
  • Órganon. Tradução do grego, textos adicionais e notas de Edson Bini. Bauru: Edipro, 2016. ISBN: 9788572838955.

Francês[editar | editar código-fonte]

  • TRICOT, J. (Editor). Aristote, Organon. Paris: 1946-50. Volume 1: Catégories; v. 2: De l’interprétation; v. 3: Premiers Analytiques; v.4: Seconds Analytiques; v.5: Topiques; v.6: Les Réfutarions sophistiques.

Italiano[editar | editar código-fonte]

  • COLLI, Giorgio (tradutor). Aristotele, Organon. Torino: Einaudi, 1955.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Notas e referências[editar | editar código-fonte]

  1. Amônio Comentário aos Analíticos Anteriores, página 11, linhas 22-38; Filopono Comemt. às Categorias. 5, 8-14; Olimpiodoro Prolegomenos 8, 6ss; Elias Coment. às Categorias 116, 29-35; ver também Simplício Coment. às Categorias 5, 1
  2. Ver De Interpretatione 10, 19 b 31; Tópicos VIII 11, 162 a 11; VIII 13, 162 b 32; Retórica I 2, 1356 b 9; 1357 a 30, b 25; II 25, 1403 a 5, 12; Ética Eudêmia I 6, 1217 a 17; II 6, 1222 b 38; II 10, 1227 a 9; Magna Moralia II 6, 1201 a 25. Elencos Sofísticos 2, 165 b 9, Metafísica VII 12, 1037 b 8; Ética Nicomaqueia 1139 b 27, 32
  3. De Int. 11, 20 b 26 ; An.Ant. I 1, 24 b 12; II 15, 64 a 37; II 17, 65 b 16; Retórica I 1, 1355 a 28; I 2, 1356 b 12, 1358 a 29; II 22, 1396 b 4; II 23, 1398 a 28, 1399 a 6; II 25 1402 a 35; II 26, 1403 a 32; III 18, 1419 a 24.
  4. O catálogo de Diógenes Laércio (Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, livro V, capítulo 1, parágrafo 23) que se supõe ser uma cópia de outro helenista divide os Analíticos Anteriores dos Posteriores
  5. Boécio e os comentadores latinos em geral dividem tanto o Da Interpretação quanto o Elencos sofísticos em dois livros. SAINT-HILAIRE, J.B. De la Logique d'Aristote. Paris: Ladrange, 1838. T. 1ère, p. 26 e 60s.
  6. Apud BRUNSHWIG, L’Organon. Tradition Grecque. In: GOULET, R. (ed.). Dictionaire des Philosophes Antiques. Paris: CNRS Editions, 1994. Vol. I. p. 485. Esse catálogo só veio a aparecer no século X, com os árabes, e supões-se que seja do curador da biblioteca de Alexandria no século I d.C.
  7. Há uma discussão entre Friedrich Solmsen e David Ross acerca da cronologia das obras. O primeiro escreveu em 1929 o livro Die Entwicklung der aristotelischen Logik und Rhetorik (O desenvolvimento da lógica e retórica aristotélicas) cuja maior tese era que os Analíticos Posteriores são, cronologicamente, anteriores aos Analíticos Anteriores. Em seguida, Ross defendeu a cronologia tradicional, o que gerou um intenso debate entre os dois e outros acadêmicos.
  8. SOLMSEN, F. Boethius and the History of the Organon. The American Journal of Philology, v. 65, n. 1, p. 69-74, 1944.
  9. Ver Amônio Comentário às Cat. p. 4, linha 28 - p. 5, l. 30. Ver também seu Coment. ao Da Interpretação 4, 17-24. É possível chegar à mesma ordem por outro critério: "Uma primeira sequência irá corresponder à progressão dos elementos do discurso lógico, do mais simples ao mais complexo: termos isolados (Cat.), proposições (Int.), raciocínios (resto do Órganon). Uma vez alcançado o nível do raciocínio, o plano se ordena em razão de um novo esquema que vai agora do geral ao específico, em seguida, da espécie mais nobre à espécie mais vil: APr. dá a teoria do raciocínio em geral, depois do qual se estuda a forma mais preciosa, o raciocínio demonstrativo ou científico (APo.) e, em seguida, o raciocínio dialético (Tóp.), finalizando com o raciocínio erístico ou sofístico (ElSof.)." BRUNSCHWIG, op.cit., p. 487.
  10. BRUNSCHWIG, op.cit., p. 482.
  11. Ver PINI, Giorgio. Reading Aristotle’s Categories as an Introduction to Logic: Later Medieval Discussions about Its Place in the Aristotelian Corpus. In: NEWTON, Lloyd A. (ed.). Medieval Commentaries on Aristotle’s Categories. Brill: Leiden, Boston, 2008. p. 149.
  12. Vida e doutrinas dos Filósofos Ilustres, livro V, cap. 1, parágrafos 22 e 27. Ver BRUNSCHWIG, op. cit. 1994, p. 484.
  13. Amônio Coment. ao Da Interpretação 5, 24 – 6, 4
  14. Sobre o arranjo rodesiano segundo temas, ver Porfírio, Vida de Plotino 24, 9-11; sobre tê-las posto entre as primeiras: Filopono Coment. às Cat. 5, 15-23; ver também Amônio Coment. às Cat. 6, 2-4
  15. Ver Introdução em WARTELLE, A. Inventaire des manuscrits grecs d’Aristote et de ses commentateurs. Paris: Société d’édition “Les belles letters”, 1963. Não posso deixar de expressar minha dúvida, pois me parece um exagero que um fato tão prosaico tenha levado a um efeito tão grande.
  16. Segundo SAINT-HILAIRE, J. Barthélemy. De la logique d’Aristote. Paris: Ladrange, 1838. tome 1ere, partie 1ere, 2eme chapitre, p. 19.
  17. op.cit V, cap. 1, § 28
  18. Ver sus Comentários aos Tópicos, 74, l. 29 - 75, 3. Tradução inglesa: On Aristotle’s “Topics 1”. Traduzido por Johannes M. Van Ophuijsen. Ithaca, NY: Cornell University Press, 2001. p.80. Ver também seus Coment. aos Analíticos Anteriores, 3, 2-4, em que Aristóteles deve ser um dos “pensadores antigos”
  19. Ver MORAUX. Aristotelismus bei den Griechen: Von Andronikos bis Alexander von Aphrodisias. Berlin: Walter de Gruyter, 1973. t. 1: Die Renaissance des Aristotelismus im I Jh.v.Chr. (Peripatoi, 5). p. 144; GOTTSCHALK, H.B. Aristotelian philosophy in the Roman world from the time of Cicero to the end of the second century AD. In: Aufstieg und Niedergang der Romischen Welt: Teil 2. Berlin: Walter de Gruyter, 1987. v. 36.2: Philosophie, Wissenschaften, Technik. p. 1099. Ver também BRUNSCHWIG, 1994, p. 483
  20. apud PEDRO ABELARDO. Lógica para principiantes. Tradução de Carlos A. R. do Nascimento. 2ª ed. 2005. p. 39. Ver BOÉCIO In Porph. , ed. I, p. 8, 6
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