Ordem de Cluny – Wikipédia, a enciclopédia livre

Ordem de Cluny
Ordem de Cluny
Brasão de Cluny
Fundação 910 (1 114 anos)
Extinção 1790
Estado legal Extinta
Sede Cluny,  França
Filiação Igreja Católica
Fundador(a) Guilherme I da Aquitânia
Organização Guilherme I da Aquitânia
Bento de Aniane
Hugo de Cluny
Odilo de Cluny
Odão

A Ordem de Cluny é uma ordem religiosa monástica católica que se originou dentro da Ordem de São Bento, na cidade francesa de Cluny, no chamado movimento monacal.[1]

A ordem nasce em um momento delicado do século X, onde a própria Igreja Católica estava entregue ao materialismo, e chama novamente os homens à espiritualidade por meio de uma reforma monástica baseada na Regra de São Bento com algumas modificações de Bento de Aniane.[2]

Em duzentos anos (909 - 1109), Cluny teve apenas 6 abades, sendo 4 deles canonizados: Odão, Odilo, Máiolo e Hugo de Cluny.[3]

História[editar | editar código-fonte]

No final do século IX e início do X, a Europa Ocidental se encontrava sob ataque de todos lados; os muçulmanos pelo Mediterrâneo, os viquingues a norte e os magiares a leste. As ondas de invasões à Europa se seguiram desde a queda do Império Romano e da morte de Carlos Magno.[4]

Dentro da Igreja Católica a situação era tão caótica quanto fora; atrito com a Igreja Bizantina, influência da política italiana sobre o papado, influência de leigos dentro da Igreja, bispos e outros membros do clero misturavam suas propriedades com a da Igreja, padres casados ou vivendo em concubinato, além de simonia e nicolaísmo.[5][6]

Uma doação para os beneditinos[editar | editar código-fonte]

Contudo, por volta de setembro de 910 o duque de Aquitania, Guilherme o Piedoso, doou terras para que nelas fosse estabelecido um mosteiro beneditino que não se sujeitasse ao poder laico, mas tão somente a Roma. O fundador escolheu um abade nobre da região que administrava mosteiros reformados, Bernão, abade de Baume.[7]

De imediato o abade Bernão aplicou uma rigorosa observância à regra beneditina buscando fazer do lugar um refúgio do caos que assombrava Europa na época.[6]Além de Cluny, Bernão também tomava conta de outros mosteiros, cedidos por nobres para que estes fossem regidos segundo as regras de Cluny. Com isso a Ordem passou a não se limitar apenas à Abadia de Cluny, mas começou a se expandir por mosteiros afora.[8] Antes de morrer, em 927, Bernão nomeou Odão como seu sucessor e renunciou seus méritos como fundador de Cluny.[9]

Reformas cluníacas[editar | editar código-fonte]

Odão

Foi sob a tutela de Odão que as reformas cluníacas extrapolaram a região da Borgonha e ganharam não só a França como toda a Europa. Odão viajou por boa parte da Europa visitando mosteiros e reformando-os.[10] Ainda com Odão em seu comando, Cluny foi consagrada, em 981, e recebeu do papa Gregório V a isenção libertas.[7]

Após sua morte, em 18 de novembro de 942,[11] Odão foi sucedido pelo beato Aimardo, contudo esse já estava com a saúde debilitada e quando ficou cego, passou o cargo a Máiolo.[12] Este deu continuidade às reformas iniciadas por Odo, além de agregar diversos mosteiros a Cluny. Em 972, Máiolo foi sequestrado pelos sarracenos e libertado mediante pagamento de resgate.[10]

Após Máiolo, Cluny foi governada por Odilo por um duradouro período de 55 anos[13] Com Odilo o número de monges cluníacos aumentou. Com o aumento na quantidade monges, aumentou também o Abadia de Cluny.[14]

Odilo foi sucedido por Hugo de Sémur, este também teve um longevo período à frente da Ordem: 60 anos. Hugo é responsável pela construção, e 20 de novembro de 1088, da Igreja Cluny III que, segundo dados arqueológicos, foi uma das maiores igrejas da Idade Média, superando até mesmo Roma.[15] Tal templo continha 5 naves, 7 torres e teve seu altar-mor consagrado em 1095 pelo próprio papa Urbano II em sua viagem à França.[6]

Além de Cluny III, foi com Hugo que as reformas cluníacas atingissem seu ápice chegando à Polônia, Hungria, Inglaterra e Itália. Afonso VI concedeu valorosas esmolas à Ordem visando novas instalações cluniacenses na Espanha e em Portugal.[16]

Ao morrer, em 1109, Hugo deixava a Ordem Cluniacense com 1084 casas, sendo 883 delas na França.[17]

Críticas e o fim de Cluny[editar | editar código-fonte]

Reconstituiçao de Cluny III

Com o passar do tempo, o crescimento de Cluny, mais propriamente sua independência e luxo, deixou de ser visto com bons olhos e não tardou o iniciar das críticas sobre a Ordem. Um dos primeiros e mais famosos criticos de Cluny foi Bernardo de Claraval, que respondendo a uma carta de um monge cluniacense, redigiu:

Como é que eu poderia ouvir em silêncio a tua queixa acerca de mim, pela qual se diz que nós, os mais miseráveis dos homens, andrajosos e mal vestidos, das cavernas, como diz ele, julgamos o mundo e, o que é mais intolerável ainda, criticamos também a tua gloriosíssima Ordem e, sem vergonha, atacamos os santos que nela vivem tão louvavelmente e, da sombra da nossa ignobilidade, insultamos esses luminares do mundo?

Por acaso é possível que nós, não lobos vorazes sob pele de ovelhas, mas pulgas mordazes e mesmo traças destruidoras, uma vez que não o ousamos fazer às claras, destruamos, às ocultas, a vida dos bons e nem sequer lancemos o clamor da invectiva mas o sussurro da detração?[18]

Com o adentrar da Idade Média, as críticas sobre Cluny aumentaram e os próprios bispos entendiam que já não precisavam mais dos monges, tanto que os denunciavam apropriações que os cluniacenses realizavam. A independência de Cluny já não era bem quista. Entre 1120 e 1125, o papa Calisto II abandonou Cluny à sua própria sorte, tanto no que diz respeito às opiniões do clero quanto aos ataques sarracenos.[18]

O golpe final só viria a ocorrer séculos mais tarde, em 1789, com a revolução francesa. Um de seus principais alvos não foi outro, senão a já enfraquecida Cluny. Todo o complexo foi destruído entre 1791 e 1812. Em 1793 todos os livros da biblioteca foram queimados e, em 1798, o terreno onde estava abadia foi vendido por 2.140.000 francos.[19][18]

Durante o século XX o prédio da Abadia de Cluny foi parcialmente reconstruído e, em 2007, foi consagrada como Patrimônio Europeu pela União Europeia.[20]

Em Portugal[editar | editar código-fonte]

Consagração de Cluny III pelo Papa Urbano II

Nada se sabe da data de abertura do primeiro mosteiro em Portugal. A sua primeira influência aparece no século XI, no mosteiro da Pendorada, e eram apoiados pelo conde D. Henrique, sobrinho de S. Hugo, abade de Cluny. No século XI, S. Geraldo de Braga, Maurício Burdino de Coimbra e Bernardo de Coimbra, encaram as tendências separatistas portuguesas, defendendo as suas sés das pretensões de Toledo e de Compostela, que se serviam da Ordem para obterem influência junto da Santa Sé.

Em 910 surge em França (Borgonha) a Ordem de Cluny com Guilherme, duque de Aquitânia. Este funda o mosteiro de Cluny I. Em 963-981 (Abade S. Bernou) funda nova abadia, a Cluny II que vai influenciar todas as outras e revelar-se a mais importante. Em 1050 é fundada a Cluny III pelo Abade Hugo de Semur.

No século VIII vai alterar mentalidades, encabeçado pelo papa e por Carlos Magno que engendra um sistema de inter-dependência em pirâmide, desde o simples cidadão até ao papa (representante de Deus).

A influência cluniacense manifestou-se na arte românica de muitas igrejas do Norte, especialmente na Sé de Braga; nota-se na decoração, já que a humildade das igrejas monásticas impedia a adopção de estruturas grandiosas. A influência de Cluny acaba cedo devido à sua interpretação da Regra de S. Bento, por causa da decadência da Casa-Mãe: Santa Justa e a sua história está semeada de questões com a autoridade eclesiástica e por causa da cobrança dos dízimos que se podem seguir através das visitas e capítulos gerais de Cluny. A história de Cluny acaba, em Portugal, em 1515, com a redução de São Pedro de Rates a igreja paroquial.

Com o objectivo de purificar a Regra de S. Bento e como reacção aos exageros (torres, altura dos oratórios, decorações excessivas, pinturas com motivos profanos, zoomorfia, elementos pagãos), S. Bernardo entra para Cister em 1112 e, com outros doze seguidores, funda a Abadia do Claraval (nova casa-mãe) em 1115.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Alston, George C. (1908). «Congregation of Cluny.». In: New Advent. The Catholic Encyclopedia. (em inglês). Nova Iorque: Robert Appleton Company 
  2. Smith, L.M. (1911). «Cluny and Gregory VII». The English Historical Review. 26 (101): 20-33. ISSN 0013-8266. doi:10.1093/ehr/XXVI.CI.20 
  3. Dias, Geraldo J. A. C. (2011). Quando os monges eram uma civilização... Beneditinos: Espírito, corpo e alma. (PDF). Porto: CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar. p. 119. ISBN 978-989-8351-16-6 
  4. Moczar, Diane (2013). Dez datas que todo católico deveria conhecer. Rio de Janeiro: Castela. p. 81. ISBN 978-85-64734-02-9 
  5. Moczar, 2003, pp. 82-84.
  6. a b c Morazzani, Clara I. (Novembro de 2006). «Cluny: a força suave e irresistível da santidade». Revista Arautos do Evangelho. 59 (0): 17-20 
  7. a b Rucquoi, Adeline (2010). «Cluny, el camino francês e la Reforma Gregoriana». Medievalismo. 20 (0): 97-122. ISSN 1131-8155 
  8. Moczar, 2013, pp.88-89
  9. Dias, 2001, p. 120.
  10. a b Dias, 2011, p. 120
  11. Dominguez, José A. (Novembro de 2006). «Santo Odon, abade: O iniciador de Cluny». Revista Arautos do Evangelho. 59 (0): 22-25 
  12. Moczar, 2013, p.9
  13. Ferreira, Carmela W. (Janeiro de 2014). «Santo Odilon de Cluny: O "Arcanjo dos monges"». Revista Arautos do Evangelho. 146 (0): 31-35 
  14. Smith, Lucy M. (1920). The early history of the Monastery of Cluny. Oxford: Oxford University Press. p. 147-149 
  15. Moczar, 2013, p.94
  16. Dias, 2011, p. 122.
  17. Dias, 2011, p. 123.
  18. a b c Costa, Ricardo (2002). «Cluny, Jerusalém celeste encarnada (séculos X-XII)». Mediævalia. 21 (0): 115-137. ISSN 0872-0991 
  19. Cluny, a revolução contra a abadia - Parte I. Portal Terra.
  20. Abadia de Cluny consagrada como "Património Europeu" - RTP Notícias