Humanidades – Wikipédia, a enciclopédia livre

Humanidades é um termo polissêmico que denomina um núcleo de disciplinas que estudam a expressão humana, principalmente a linguagem e a arte em sua várias formas. Abrange, historicamente, a filologia, a linguística, a musicologia, a história e teoria da arte, a teoria literária. Contemporaneamente, inclui, também, os estudos de mídia e o estudo do cinema.[1] A distinção e autonomia das humanidades como campo de estudos foi elaborada gradativamente ao longo do período moderno, consolidando-se notoriedamente no século XIX,[2] porém, muitas diferenciações conceituais foram implantadas anteriormente na educação e na academia, esquematizando as relações entre humanidades, ciências humanas e ciências naturais.[3]

Definição[editar | editar código-fonte]

História[editar | editar código-fonte]

Antiguidade[editar | editar código-fonte]

Ver também : Idade Antiga

Início do estudo da linguagem[editar | editar código-fonte]

Pānini[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Pānini

Os primeiros estudos sistemáticos da linguagem são atribuidos ao gramático indiano Pānini, cuja vida, pouquíssimo conhecida, é situada entre o século VII e V antes de Cristo, tendo nascido em Gandara. Considerado o 'pai da linguística', sua obra foi tardiamente conhecida na Europa, e ainda assim causou uma profundo transformação no estudo da linguagem.[4] Sua obra Ashtadhyayi, contém uma descrição do sânscrito enquanto um sistema de regras gramaticais interconectadas, somando 3,959 ao todo, que possibilitam um número enorme de sentenças. Sendo, assim, a primeira elaboração conhecida de uma formalização completa da linguagem, que permanece, até hoje, uma referência no estudo do sânscrito.[4] Os métodos e o formalismo intrínseco implementado por Pānini nesse esforço tornaram-se objeto de interesse próprio, pela sofisticação e consistência lógica resultante do sistema.[5] Sua relação com a tradição filosófica e linguística existente na Índia é, por outro lado, obscura, dado a falta de acesso às obras dos gramáticos precedentes. É especulado que o conexto intelectual de Pānini fosse propriamente a tradição de interpretação religiosas dos textos Védicos, que desenvolveu uma grande sofisticação nesse período da história indiana, é também argumentado, em contraposição, que sua gramática é focada especialmente na determinação das formas corretas de falar o sânscrito, o valor educacional dessas obras permanecerão em vigor por muito tempo, especialmente na formação dos Brâmanes.[6]

O Ashtadhyayi cultivou inúmeras escolas linguísticas e lógicas na Índia, produzindo uma tradição de comentários e comentários de comentários à obra, como também aplicações da gramática, até mesmo para línguas não indo-europeias como o Tamil e o Tibetano. Mais tarde, no século VII, tornou-se conhecido na China por ação de peregrinos budistas, e então, no século XI, foi propagado de forma resumida no mundo persa através do livro Indica, do polimata Albiruni. Na Europa, a gramática de Pānini só foi conhecida no século XIX, com a emergência da linguística comparada.[6]

Dionísio, o Trácio[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Dionísio, o Trácio

Ainda que nenhuma obra da antiguidade se compare à abrangência da gramática de Pānini, o trabalho de Dionísio, o Trácio, denominado Téchne grammatiké, desenvolvido no século I antes de Cristo, é a primeira gramática prescritiva sobrevivente da antiguidade grega.[7]

Dionísio definiu o estudo da linguagem como um "conheciemtno prático dos elementos de uma linguagem como usados por poetas e escritores de prosa", o que revela a intenção prática e educativa que orienta os gramáticos da época, que se tornaria referência na instrução da língua grega, especialmente para os romanos, mas também estabelecendo a terminologia padrão das gramáticas europeias até o século XVIII. A Téchne grammatiké concentrava-se na definição das pronúncias corretas, na pontuação, alfabeto, sílabas, substantivos, verbos, artigos e demais elementos básicos da noção contemporânea de gramática, incluido também instrução sobre métrica.[7]

Apolônio Díscolo[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Apolônio Díscolo

Destaca-se, no período seguinte, a obra de Apolônio Díscolo, que viveu no século II, e iniciou análise da sintaxe do grego antigo, ainda que baseado, na maior parte, na concepções Aristotélicas de sujeito e predicado. Apolônio inaugura, por exemplo, o estudo da concordância gramatical. Aborda também, através de exemplos, diversas exceções e idiosíncrasias da língua grega, deixando, na maior parte, de generalizar regras linguísticas subjacentes.[8]

Gramáticos latinos[editar | editar código-fonte]

O estudo da gramática da língua latina também desenvolveu-se numa tradição. Eruditos como Marco Terêncio Varrão, que elaborou no século I um estudo com ênfase nas categorias formais da língua, enquanto que Élio Donato e Prisciano dedicaram-se à categorias semânticas. As obras de Donato, Ars minor e Ars maior, escritas no século IV, foram influentes até o fim da primeira metade do período medieval, enquanto que a obra Institutiones grammaticae, de Prisciano, foi redescoberta durante o renascimento carolíngio e inspirou a linguística europeia com seu estudo taxonomico das palavras.[8]

Período medieval[editar | editar código-fonte]

Ver também : Idade média

Primórdios da modernidade[editar | editar código-fonte]

Ver artigos principais: Idade Moderna e Modernidade

Contemporaneidade[editar | editar código-fonte]

Ver também : Idade Contemporânea

Ramos contemporâneos[editar | editar código-fonte]

Humanidades ambientais[editar | editar código-fonte]

Humanidades ambientais, também conhecido como humanidades ecológicas, denomina um campo interdisciplinar de pesquisa acerca da interface humano-meio ambiente, combinando repertórios das ciências naturais, sociais e das humanidades. Sua origem remonta à uma convergência de tendências acadêmicas da década de 1970 e 80, especialmente na literatura, filosofia, geografia, antropologia, história e estudos de gênero, consolidando-se autonomamente em torno da década de 1990.[9] O campo inclui ramos notórios independentemente, como a história ambiental, a ecologia cultural, a ecologia política, a filosofia ambiental e o ecocriticismo, entre outros.

Estudos de mídia[editar | editar código-fonte]

Os estudos de mídia são uma disciplina e sub-área da área da comunicação. Com inclinações epistemológicas tangentes à corrente estudos culturais, em ascensão dentro dos estudos em comunicação, os estudos em mídia abordam as relações entre mídia e sociedade. Sendo assim, seus objetos de estudo consistem em uma abordagem dos meios de comunicação de massa - como a TV, o rádio e o jornal impresso, por exemplo. Existe uma grande interdisciplinariedade entre os estudos em comunicação e ciências sociais percebido nos estudos de mídia.[10] Com a ascensão de mídias não-convencionais, com o advento da internet e posteriormente das web 2.0 e web 3.0, os estudos em mídia problematizam a ruptura na teoria social provocada pelas tecnologia digitais e virtuais.[11]

Estudos de gênero[editar | editar código-fonte]

Estudos de gênero é um campo de estudo interdisciplinar dedicado à identidade de gênero e à representação de gênero como categorias centrais de análise. Esse campo inclui estudos sobre as mulheres (sobre mulheres, feminismo, gênero e política), estudos sobre os homens e estudos queer.[12] Às vezes, estudos de gênero são definidos como conjunto ao estudo da sexualidade humana. Essas disciplinas estudam gênero e sexualidade nos campos da literatura, língua, geografia, história, ciência política, sociologia, antropologia, mídia,[13] desenvolvimento humano, direito, saúde pública e medicina.[14] Elas também analisam como raça, etnia, localização, classe, nacionalidade e deficiência se cruzam com as categorias de gênero e sexualidade.[15][16]

Em relação ao gênero, Simone de Beauvoir disse: "Não se nasce mulher, se torna uma".[17] Essa visão propõe que, nos estudos de gênero, o termo "gênero" deve ser usado para se referir às construções sociais e culturais das masculinidades e feminilidades e não ao estado de ser homem ou mulher em sua totalidade.[18] No entanto, essa visão não é mantida por todos os teóricos de gênero. A visão de Beauvoir é a que muitos sociólogos apoiam, embora haja muitos outros contribuintes para o campo dos estudos de gênero com diferentes origens e pontos de vista opostos, como o psicanalista Jacques Lacan e feministas como Judith Butler.

O gênero é pertinente a muitas disciplinas, como a teoria literária, os estudos de teatro e do cinema, a história da arte contemporânea, a antropologia, a sociologia, a sociolinguística e a psicologia. No entanto, essas disciplinas às vezes diferem em suas abordagens sobre como e por que o gênero é estudado. Por exemplo, na antropologia, na sociologia e na psicologia, o gênero é frequentemente estudado como uma prática, enquanto nos estudos culturais as representações de gênero são mais frequentemente examinadas. Na política, o gênero pode ser visto como um discurso fundamental que os atores políticos empregam para posicionar-se em uma variedade de questões.[19] Os estudos de gênero também são uma disciplina em si, incorporando métodos e abordagens de uma ampla gama de disciplinas.[20]

Cada campo passou a considerar o "gênero" como uma prática, às vezes referida como algo que é performativo. A teoria feminista da psicanálise, articulada principalmente por Julia Kristeva[21] (a "semiótica" e "abjeção") e Bracha L. Ettinger[22] (o "eros matricial feminino-prematerno-materno",[23] a "trans-subjetividade matricial" e as "fantasias maternais primitivas"),[24] e informadas por Freud, Lacan e pela teoria da relação de objetos, é muito influente nos estudos de gênero. De acordo com Sam Killermann, o gênero também pode ser dividido em três categorias, identidade de gênero, expressão de gênero e sexo biológico.[25]

Humanidades digitais[editar | editar código-fonte]

Humanidades digitais (HD) é um campo interdisciplinar de pesquisa acerca da interface entre as humanidades e as novas mídias e tecnologias digitais. O campo tem se consolidado intelectual e institucionalmente num período bem recente, apesar de proceder de uma tradição mais antiga da computação nas humanidades (análise de léxico; tecnologias de arquivamento) presente desde a metade do século XX,[26] emerge autonomamente, enquanto 'humanidades digitais', no período entre 2004 e 2008, em consonância com a crescente intersecção entre as transformações da cultura e da produção de conhecimento com as transformações das tecnologias digitais e redes de telecomunicação.[27] A pesquisa nas humanidades digitais é marcada tanto pela utilização da computação e da digitalização para o estudo de textos e artefatos pré-digitais, quanto pela mobilização do repertório das humanidades para o estudo de práticas e artefatos que participam das tecnologias digitais.[28]

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. Bod 2013, p. 1.
  2. Bod 2013, p. 2.
  3. Bod 2013, p. 3.
  4. a b Bod 2013, p. 14.
  5. Bod 2013, p. 15.
  6. a b Bod 2013, p. 17.
  7. a b Bod 2013, p. 18.
  8. a b Bod 2013, p. 19.
  9. Emmett & Nye 2017, p. 3.
  10. «Proposta pedagógica de curso e currículo pleno do Bacharelado em Estudos de Mídia da UFF». Universidade Federal Fluminense. Consultado em 13 de janeiro de 2020 
  11. Trivinho, Eugênio (2001). O mal-estar da teoria. Rio de Janeiro: Quartet. 13 páginas. ISBN 8585696400 
  12. «Gender Studies». Whitman College. Consultado em 1 de maio de 2012. Arquivado do original em 12 de dezembro de 2012 
  13. Krijnen, Tonny; van Bauwel, Sofie (2015). Gender And Media: Representing, Producing, Consuming. New York: Routledge. ISBN 978-0-415-69540-4 
  14. «About – Center for the Study of Gender and Sexuality (CSGS)». The University of Chicago. Consultado em 1 de maio de 2012 
  15. Healey, J. F. (2003). Race, Ethnicity, Gender and Class: the Sociology of Group Conflict and Change.
  16. «Department of Gender Studies». Indiana University (IU Bloomington). Consultado em 1 de maio de 2012 
  17. de Beauvoir, S. (1949, 1989). "The Second Sex".
  18. Garrett, S. (1992). "Gender", p. vii.
  19. Salime, Zakia. Between Feminism and Islam: Human Rights and Sharia Law in Morocco. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2011.
  20. Essed, Philomena; Goldberg, David Theo; Kobayashi, Audrey (2009). A Companion to Gender Studies. [S.l.]: Wiley-Blackwell. ISBN 978-1-4051-8808-1. Consultado em 7 de novembro de 2011 
  21. Anne-Marie Smith, Julia Kristeva: Speaking the Unspeakable (Pluto Press, 1988).
  22. Griselda Pollock, "Inscriptions in the Feminine" and "Introduction" to "The With-In-Visible Screen", in: Inside the Visible edited by Catherine de Zegher. MIT Press, 1996.
  23. Ettinger, Bracha L. (2007). «Diotima and the Matrixial Transference: Psychoanalytical Encounter-Event as Pregnancy in Beauty». In: Van der Merwe, Chris N.; Viljoen, Hein. Across the Threshold. NY: Peter Lang 
  24. Ettinger, Bracha L. (2010). «(M)Other Re-spect: Maternal Subjectivity, the Ready-made mother-monster and The Ethics of Respecting». Studies in the Maternal. 2 (1–2). doi:10.16995/sim.150. Arquivado do original em 3 de dezembro de 2013 
  25. Understanding the Complexities of Gender: Sam Killermann at TEDxUofIChicago. YouTube (Notas de mídia). 3 de maio de 2013. Consultado em 26 de julho de 2015 
  26. Jones 2014, p. 3.
  27. Jones 2014, p. 5.
  28. Jones 2014, p. 6.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Celenza, Christopher S. (2021). The Italian Renaissance and the Origins of the Modern Humanities - An Intellectual History, 1400–1800 (em inglês). [S.l.]: Cambridge University Press. ISBN 9781108980623 
  • Grishakova, Marina; Salupere, Silvi, eds. (2015). Theoretical Schools and Circles in the Twentieth-Century Humanities - Literary Theory, History, Philosophy (em inglês). [S.l.]: Routledge. ISBN 978-1-315-75291-4 
  • Reitter, Paul; Wellmon, Chad (2021). Permanent crisis: the humanities in a disenchanted age (em inglês). [S.l.]: University of Chicago Press 
  • Upchurch, Ana; Belfiore, Eleonora, eds. (2013). Humanities in the Twenty-First Century - Beyond Utility and Markets (em inglês). [S.l.]: Palgrave Macmillam. ISBN 978-0-230-36665-7 
  • Bod, Rens (2013). A New History of the Humanities - The Search for Principles and Patterns from Antiquity to the Present (em inglês). [S.l.]: Oxford University Press. ISBN 9780199665211 
  • Eve, Martin Paul (2014). Open Access and The Humanities - Contexts, Controversies and the Future (em inglês). [S.l.]: Cambridge University Press. ISBN 978-1-107-09789-6