Guerra Luso-Holandesa – Wikipédia, a enciclopédia livre

Guerra Luso-Holandesa
Guerra dos Oitenta Anos

Armada Portuguesa vs. Companhias Holandesas: A captura de Cochim pela V.O.C. aos portugueses em 1663. Atlas van der Hagen, 1682.
Data 15951663
Local Oceano Atlântico, Nordeste do Brasil, África Ocidental, Angola, África Oriental, Índia, Ceilão, Birmânia, Estreito de Malaca, Molucas, Indochina, Macau, Formosa, Japão
Desfecho Tratado de Haia
Beligerantes
 Reino de Portugal

Apoiado por:

 República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos

Apoiado por:

Comandantes
Forças
2 000 homens, 54 canhões 45 000 homens, 1 500 canhões
Baixas
2 500 mortos 4 000 mortos

A Guerra Luso-Holandesa foi um conflito armado entre tropas portuguesas, contra as forças holandesas da Companhia Holandesa das Índias Orientais ou VOC e da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais ou WIC, que haviam ocupado territórios ultramarinos portugueses durante o domínio espanhol da coroa portuguesa, tais invasões ocorreram principalmente no Nordeste do Brasil e o litoral de Angola, ocorreu inicialmente no âmbito da resistência local, e mais tarde no que se denominou de Guerra da Restauração, tais confrontos armados, entraram para os anais da História, como o primeiro grande conflito à escala mundial.

Travada de 1595 a 1663, caracterizou-se principalmente pelas invasões das companhias majestáticas holandesas aos territórios do império português na América, África, Ásia (Índia e extremo oriente). Os confrontos foram iniciados durante a dinastia Filipina, a pretexto da Guerra dos Oitenta Anos, travada então, na Europa, entre a Espanha e os Países Baixos. Portugal foi envolvido no conflito por estar sob a coroa Espanhola dos Habsburgos, durante a chamada União Ibérica, mas os confrontos ainda perduraram, mesmo vinte anos após o 1º de dezembro de 1640 da Restauração da Independência

O conflito estaria pouco relacionado com a guerra na Europa, servindo principalmente o propósito de estabelecer um império ultramarino holandês, assim como o domínio do comércio das especiarias, aproveitando a vulnerabilidade dos Portugueses. Forças Inglesas, rivais de Espanha e livres da aliança que os ligava aos portugueses durante a União Ibérica, também auxiliaram os holandeses em certos momentos, até à restauração, altura em que a aliança voltou vigorar.

A guerra resultou na perda do domínio português no oriente e na fundação do império colonial holandês nos territórios conquistados. As ambições holandesas noutros teatros de competição económica, como o Brasil e Angola, foram em grande parte invertidas pelos esforços Portugueses. Os interesses Ingleses beneficiaram também do conflito prolongado entre os seus dois principais rivais no oriente.

Antecedentes[editar | editar código-fonte]

Territórios do império português (azul) e espanhol (vermelho) durante a União Ibérica (1580-1640)

Em 1581, um ano após a União Ibérica, os territórios que formavam a União de Utreque, também sob domínio dos Habsburgos, revoltaram-se e depuseram Filipe II de Espanha declarando a República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos.

Durante a União Ibérica, Portugal continuou a ser formalmente um reino independente com administração própria, mas sua política externa e naval tornou-se cada vez mais subordinada e orientada pelos interesses espanhóis. Em 1588 a esquadra portuguesa é utilizada por Filipe I de Portugal (Filipe II de Espanha) para combater os inimigos do rei. Por causa disso os mais poderosos navios portugueses foram incorporados à Invencível Armada espanhola.

Após a derrota da Invencível Armada em 1588 deu-se uma enorme expansão do comércio marítimo holandês, com os holandeses estendendo os seus ataques aos domínios marítimos espanhóis.

No início do século XVII, Portugal tinha o domínio quase exclusivo do comércio no Oceano Índico, porem, o império português, sem autonomia e formado sobretudo de assentamentos costeiros, vulneráveis a ser tomados um a um, tornou-se um alvo fácil. Portugal viu seu grande império ser atacado por ingleses, franceses e holandeses, todos inimigos da Espanha. A reduzida população portuguesa (cerca de um milhão) não foi suficiente para resistir a tantos inimigos, e o Império começou a desmoronar.[1]

O surgimento da potência marítima holandesa foi rápido e extraordinário: durante anos, marinheiros holandeses haviam participado em viagens portuguesas ao oriente. Jan Huygen van Linschoten, que vivera em Lisboa, teria recolhido relatos, informação e mapas, ao integrar a comitiva de frei Vicente da Fonseca, em 1583, que fora nomeado arcebispo de Goa.[2] Em 1598, regressaria aos Países Baixos, onde publicou as suas observações sobre o oriente e a navegação. Cornelis de Houtman, que também passara por Lisboa, seguiria as suas indicações na primeira viagem exploratória holandesa, assinando um tratado com o sultão que dominava o estreito de Sunda, entre Java e Sumatra.

Os Países Baixos são geralmente considerados como o agressor, pois o seu ataque às possessões Portuguesas foi unilateral, e a iniciativa da guerra coube sempre ao lado holandês. Por outro lado, poderia ser invocado que, estando Portugal sob domínio Espanhol durante o curso da maior parte do conflito (depois de herdada a coroa de Portugal por Filipe II de Espanha) e dado que a Espanha combatia os holandeses na Flandres, tentando sufocar a guerra da independência dos Países Baixos, parece legítimo que os holandeses levassem a guerra a todos os cantos do Império Espanhol. Esse argumento é, entretanto, contrariado pelo fato de a Guerra Luso-Holandesa ter prosseguido depois da Restauração Portuguesa (1640). Como será visto mais à frente, a verdadeira motivação da guerra foi a tentativa holandesa de tomar o controle do comércio de especiarias da Índia, o que não é consistente com nenhuma justificação técnica de defesa militar.

Casus Belli[editar | editar código-fonte]

D. Aires de Saldanha, 17° Vice-rei da Índia, foi responsável por organizar a defesa de Cochim, Goa e das Ilhas Molucas, contra os ataques holandeses.

A Holanda começa o século XVII como a maior potência naval da Europa, possuindo mais navios do que qualquer outro país europeu. Em 1602, foi fundada a Verenigde Oost-Indische Compagnie ou VOC, com o objectivo de partilhar os custos da exploração das Índias Orientais e eventualmente restabelecer o comércio das especiarias, vital fonte de rendimentos da novíssima República das Sete Províncias Unidas.

As Sete Províncias Unidas encontravam-se, na altura, em luta contra os Habsburgo pela sua independência, e a razão pela qual os holandeses procuraram apoderar-se do comércio das especiarias foi a sua sobrevivência económica: até à união das coroas Portuguesa e Espanhola, os mercadores Portugueses usavam os Países Baixos como plataforma para introdução das especiarias no norte da Europa, através de uma feitoria em Antuérpia, cidade forçada a render-se aos espanhóis em 1585. Depois de anexar Portugal, a Espanha declarou um embargo a todas as transacções comerciais com as Províncias Unidas, territórios secessionistas desde a União de Utreque.

Isto significava que, a partir de então, todo o comércio seria feito através dos Países Baixos do Sul, os quais, de acordo com a União de Arras (ou União de Utreque) eram fiéis ao monarca Espanhol e professavam o Catolicismo Romano, contrastando com o norte holandês, protestante. Isto significava ainda que os holandeses acabavam de perder o seu mais lucrativo parceiro comercial e a sua mais importante fonte de financiamento da guerra contra Espanha. Adicionalmente eles perderiam o seu monopólio de distribuição na França, no Sacro Império Romano-Germânico e norte da Europa. A sua indústria de pescas do mar do Norte e as actividades comerciais cerealíferas no Báltico não seriam simplesmente suficientes para manter a República.

A West-Indische Compagnie (WIC) seria fundada, em 1621, para assegurar o monopólio do comércio com as colônias ocidentais. Sua criação foi uma iniciativa de calvinistas flamengos e brabanteses que se haviam refugiado na República das Sete Províncias, para escapar à perseguição religiosa.

Para efeito de comparação, vale ressaltar que, na primeira metade do século XVII, Portugal possuía grandes e poderosos navios de guerra, mas não em número suficiente para proteger todos os seus domínios marítimos. Alguns navios portugueses como o galeões Santa Teresa e Padre Eterno foram considerados uns dos maiores navios do mundo em sua época. A Holanda, por sua vez, tinha a maior frota de navios do mundo, que era composta, em sua maioria, por navios de pequeno e médio porte que eram mais fáceis de manter e de manobrar. Os holandeses chegaram mesmo a atacar a Inglaterra, na foz do rio Tâmisa (chegando a poucos quilômetros de Londres), durante a primeira e segunda Guerras Anglo-Holandesas.[3]

Cronologia[editar | editar código-fonte]

As Batalhas dos Guararapes, episódios decisivos na Insurreição Pernambucana, são consideradas a origem do Exército Brasileiro
  • 1645 - Eclode a Insurreição Pernambucana de luso-brasileiros descontentes com a administração da WIC. Entre 1648-1649 são travadas as Batalhas dos Guararapes, vencidas pelos luso-brasileiros no Estado de Pernambuco. A primeira batalha ocorreu em 19 de abril de 1648, e a segunda em 19 de fevereiro de 1649. Sendo as forças luso-brasileiras lideradas pelos senhores de engenho André Vidal de Negreiros e João Fernandes Vieira, pelo africano Henrique Dias e pelo indígena Felipe Camarão.
  • 1647 - O padre Antônio Vieira, conselheiro de D. João IV, aconselha o rei a comprar Pernambuco dos holandeses, mas a proposta viria a ser recusada pela Holanda no ano seguinte.
  • 1648
  • 1649 - É criada, em Portugal, a Companhia Geral do Comércio do Brasil, com o objetivo de fazer frente à sua rival holandesa e ajudar na retomada de Pernambuco.
  • 1650 - Os holandeses instalaram-se no Cabo da Boa Esperança. Em 1652, Jan van Riebeeck, da VOC, instalou aí uma base de apoio à navegação para o oriente, vindo mais tarde a transformar-se na Cidade do Cabo.
  • 1652 - Em 29 de maio começa a guerra entre Inglaterra e Holanda (Primeira Guerra Anglo-Holandesa). Os holandeses, ocupados com a guerra contra a Inglaterra, ficam sem condições de enviar reforços para socorrer as suas colônias contra os ataques portugueses.
  • 1653 - O rei D. João IV envia uma grande esquadra, de 77 navios bem armados, composta pela Marinha de Guerra Portuguesa e a Companhia Geral do Comércio do Brasil, que chega ao Brasil em 20 de dezembro, bloqueando os navios holandeses em Recife.
  • 1654
    • Em 26 de janeiro de 1654 é assinada a rendição holandesa no Brasil (Capitulação do Campo do Taborda), no Recife, de onde partiram os últimos navios holandeses.
    • A guerra Anglo-Holandesa termina em 8 de maio. Os holandeses, agora, voltam todas as suas atenções para Portugal.
  • 1656 - Morre o rei D. João IV, em 6 de novembro. A rainha viúva D. Luísa de Gusmão assume a regência do reino durante a menoridade de D. Afonso VI. Nos anos seguintes Portugal sofre intensa pressão dos holandeses. Uma frota bloqueia os principais portos de Portugal enquanto diplomatas holandeses exigem a devolução de Pernambuco e os demais territórios da Nova Holanda, juntamente com Angola e São Tomé além de uma pesada indenização a ser paga à Companhia Holandesa das Índias Ocidentais. A situação é delicada para os portugueses, pois ainda estavam em guerra contra a Espanha, mesmo assim Portugal não cede às exigências e a guerra continua com captura de navios de ambas as partes.
  • 1658 - Os últimos portugueses abandonam Ceilão, perdida para os holandeses.
  • 1661
    • Em 23 de junho de 1661 é assinado o Tratado Anglo-Português, no qual fica acordado: o casamento da princesa portuguesa D. Catarina de Bragança com o rei da Inglaterra Carlos II, a entrega dos territórios portugueses de Bombaim (Índia) e Tânger (África) aos ingleses como dote de casamento e a ajuda da Inglaterra a Portugal nas guerras contra a Espanha e Holanda.
    • Em 6 de agosto de 1661 é assinado o Tratado de Paz de Haia, pelo qual a Nova Holanda foi "vendida" a Portugal por quatro milhões de cruzados (ou oito milhões de florins), a ser pago em dinheiro ou açúcar, tabaco e sal. A Holanda reconhece o domínios portugueses na África e na América e Portugal reconhece a posse holandesa dos territórios conquistados na Ásia. Ainda nos termos do acordo, os holandeses gozariam de benefícios alfandegários e liberdades comerciais no comércio do açúcar nos territórios do império português.
  • 1662 - Em razão da demora no pagamento da indenização, Cochim é tomada pelos holandeses quebrando o acordo assinado. Os holandeses, temendo o recomeço da guerra e a perda dos territórios já conquistados, acabariam por firmar definitivamente a paz em 1663.
Territórios do Império Português (verde); Territórios da República das Sete Províncias Unidas (laranja); As zonas disputadas entre 1588 - 1654 surgem a tracejado

Implicações[editar | editar código-fonte]

Embora conseguindo recuperar o Brasil e importantes territórios em África, onde o império português viria a centrar-se nos anos seguintes, Portugal perdeu para sempre a proeminência no oriente. Os Países Baixos consolidaram a sua independência e formou o Império colonial holandês, abrindo caminho ao século de Ouro dos Países Baixos, apesar de grandes custos e perda de recursos melhor utilizados na prevenção da rivalidade económica inglesa. A Inglaterra também saiu beneficiada porque derrotou a maior ameaça à sua autonomia através da sabotagem das rotas marítimas espanholas, e porque conseguiu que os seus principais parceiros económicos (e potenciais rivais) entrassem em guerra entre si.

A entrega, feita à Inglaterra, das possessões portuguesas de Bombaim e Tanger seguiram o plano da política internacional portuguesa, cujo objetivo era trazer os ingleses para perto dos domínios portugueses na África e na Ásia para que ambos pudessem se ajudar mutualmente na defesa de seus territórios contra ataques holandeses e franceses.[11]

Referências

  1. a b «A conquista flamenga». Prefeitura do Recife. Consultado em 14 de abril de 2015 
  2. Ernest Stanley Dodge, "Islands and empires: Western impact on the Pacific and east Asia", p. 238, U of Minnesota Press, 1976, ISBN 0816607885
  3. a b Ernest Stanley Dodge, "Islands and empires: Western impact on the Pacific and east Asia", p.238-239, U of Minnesota Press, 1976, ISBN 0816607885
  4. Jean Marcel Carvalho França, Sheila Hue. «Piratas no Brasil: As incríveis histórias dos ladrões dos mares que pilharam nosso litoral». Issuu. p. 92. Consultado em 1 de julho de 2016. Arquivado do original em 16 de agosto de 2016 
  5. a b Ernest Stanley Dodge, "Islands and empires: Western impact on the Pacific and east Asia", p.238-239, U of Minnesota Press, 1976 ISBN 0816607885
  6. a b Luiz Geraldo Silva. «A Faina, a Festa e o Rito. Uma etnografia histórica sobre as gentes do mar (sécs XVII ao XIX)». Google Books. p. 122. Consultado em 28 de junho de 2016 
  7. Pêro de Magalhães Gândavo. «Tratado da Terra do Brasil» (PDF). PSB40. Consultado em 28 de junho de 2014. Arquivado do original (PDF) em 16 de abril de 2014 
  8. a b Davies, Kenneth (1974). The North Atlantic World in the Seventeenth Century. University of Minnesota Press. ISBN 0816607133.
  9. «A Restauração: O Fim da União Ibérica e as Consequências para a Colônia». www.multirio.rj.gov.br. Consultado em 8 de dezembro de 2022 
  10. «Portugal > History and Events > Date Table > Fourth Dynasty». www.portugal-info.net. Consultado em 8 de dezembro de 2022 
  11. Boxer, C.R. (1969). The Portuguese Seaborne Empire 1415–1825. Hutchinson. ISBN 0091310717.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Boxer, C.R. "The Portuguese Seaborne Empire 1415–1825", (1969) Hutchinson. ISBN 0091310717.
  • Anderson, James Maxwell "The History of Portugal". Greenwood Publishing Group.(2000) ISBN 0313311064.
  • Davies, Kenneth, The North Atlantic World in the Seventeenth Century, (1974) University of Minnesota Press. ISBN 0816607133
  • Cabral de Mello, Evaldo, O Negócio do Brasil - Portugal, os Países Baixos e o Nordeste 1641-1669. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998. ISBN 8586020761
  • Wiesebron, Marianne, Brazilië in de Nederlandse archieven/O Brasil em arquivos holandeses (1624-1654). Leiden: Universidade de Leiden, 2008. ISBN 978-90-5789-157-1

Ligações externas[editar | editar código-fonte]