Geoeconomia – Wikipédia, a enciclopédia livre

A geoeconomia é o estudo dos aspectos espaciais, temporais e políticos das economias e dos recursos. A formação da geo-economia como um ramo da geopolítica é frequentemente atribuída a Edward Luttwak, economista e consultor americano, e Pascal Lorot, economista e cientista político francês. O economista azerbaijano Vusal Gasimli define geo-economia como o estudo das inter-relações de economia, geografia e política no "cone infinito" que sobe do centro da terra para o espaço sideral (incluindo a análise econômica dos recursos planetários).

A lógica do conflito na gramática do comércio[editar | editar código-fonte]

Luttwak argumenta que a mesma lógica subjacente ao conflito militar também se refere ao comércio internacional:

  • Os Estados buscam coletar tanto quanto as receitas prescritas por seus códigos fiscais e não se contentam em permitir que outros Estados tributem a atividade comercial de acordo com o seu alcance. Esta é uma situação de soma zero.
  • Os Estados regulam predominantemente a atividade econômica de forma a maximizar os resultados dentro de suas próprias fronteiras, e não para um propósito transnacional sem interesses, mesmo quando o resultado é sub-ótimo para outros estados. A lógica da regulação estatal então se conforma, em parte, à lógica do conflito.
  • Estados e blocos se esforçam para restringir seus pagamentos e serviços a seus próprios residentes. Além disso, os Estados projetam seus projetos de infraestrutura para otimizar a utilidade doméstica, independentemente de como outros Estados sejam afetados, em oposição à utilidade transnacional.
  • Estados ou blocos de estados promovem a inovação tecnológica para maximizar os benefícios dentro de seus próprios limites, e não em prol da própria inovação.[1]

Geo-economia e mercantilismo[editar | editar código-fonte]

A geo-economia não deve ser confundida com o mercantilismo ou o neo-mercantilismo. Sob o mercantilismo, o objetivo era maximizar os estoques nacionais de ouro, quando as disputas comerciais evoluíram para disputas políticas, o que poderia levar a conflitos militares. Portanto, a concorrência mercantilista estava subordinada à concorrência militar, pois a modalidade anterior era governada pela possibilidade sempre presente de que o "perdedor" em uma briga comercial pudesse desafiar militarmente o resultado.

A título de exemplo, a Espanha decretou que todo o comércio de e para suas colônias americanas apenas pudesse viajar em fundos espanhóis através de portos espanhóis, o que foi desobedecido por comerciantes britânicos e holandeses, resultando na Guerra Anglo-Espanhola. Ainda, holandeses enviaram suas fragatas para o Tâmisa para responder ao mercantilismo protecionista britânico, e portugueses afundavam navios árabes no Sul da Ásia.[1]

Na nova era da geo-economia, no entanto, não há modalidade superior: tanto as causas quanto os instrumentos de conflito podem ser econômicos. Quando desacordos comerciais levam a confrontos políticos internacionais, as disputas devem ser resolvidas com as armas do comércio.

As "armas" da geo-economia[editar | editar código-fonte]

Os Estados se envolvem em concorrência geo-econômica por meio do auxílio ou da direção de entidades privadas domésticas ou de ações diretas que se oponham aos interesses comerciais estrangeiros, além de investimentos no exterior e em excessos produtivos que forçam a participação no mercado. Mais diretamente, impostos, cotas e impedimentos regulatórios, além de financiamentos com desconto para a exportação de indústrias domésticas, são utilizados como armas geoeconômicas.[carece de fontes?]

Segundo Luttwak, as armas ofensivas são mais importantes na geo-economia, assim como na guerra. Além disso, a pesquisa e o desenvolvimento patrocinados pelo Estado são as mais importantes dessas armas. O objetivo contemporâneo passa a ser a conquista das indústrias do futuro através de superioridade tecnológica, em continuação das corridas armamentistas mercantilistas. A infantaria nesta analogia corresponde à produção comercial, que também pode ser apoiada pelo Estado através de várias formas de subsídios.[2]

Outra arma geo-econômica é o financiamento predatório. Se os subsídios da operação são insuficientes para permitir que os exportadores domésticos superem concorrentes fortes, os Estados podem oferecer empréstimos a taxas de juros abaixo do mercado. Os Estados Unidos, por exemplo, fornecem garantias de empréstimos para financiar exportações, e existem instituições equivalentes em todos os principais países industriais. Os estrangeiros pagam rotineiramente taxas de juros mais baixas que os mutuários locais, aqueles sustentados pelos impostos destes, em uma caça à exportação cuja "munição" são os juros baixos, mas a caracterização do financiamento predatório se dá quando taxas de juros são repentinamente reduzidas em vendas conflituosas.[2]

"As leis da gravidade geo-econômica"[editar | editar código-fonte]

O economista do Fórum Mundial de Pensões e Investimentos, M. Nicolas J. Firzli, argumentou que "aderir às leis da gravidade geo-econômica", incluindo a autossuficiência financeira e a existência de infra-estrutura de transporte diversificada e avançada, são agora essenciais para garantir a soberania efetiva de um Estado: "o governo do Catar está agora pagando um preço incomensurável por ter pensado que poderia desafiar para sempre as leis da gravidade geo-econômica".[3]

Nessa perspectiva, a atratividade do investimento e a capacidade de projetar soft power a uma distância considerável, como a China fez com sua Iniciativa do Cinturão e Rota, também são vistas como determinantes-chave da força geo-econômica.[4]

Neste cenário, espera-se que grandes proprietários de ativos do setor privado, como fundos de pensão, desempenhem um papel cada vez mais importante, ao lado de atores estatais dos EUA e da China. Em novembro de 2018, o vice-presidente estadunidense Mike Pence viajou para a Ásia para promover a perspectiva do governo Trump para os oceanos Índico e Pacífico, com o apoio de dezenas de bilhões de dólares em empréstimos e créditos.[5]

A geo-economia substituindo a geopolítica?[editar | editar código-fonte]

No final da Guerra Fria, Richard Nixon previu que as considerações geo-econômicas poderiam eventualmente substituir a geopolítica clássica entre os formuladores de políticas dos EUA, uma tendência que ele considerou problemática: "A geo-economia superou o poderio militar e a geopolítica tradicional. Os Estados Unidos, eles concluem, não devem transformar suas espadas em arados, mas em micro-chips.” (Nixon 1992)

Ver também[editar | editar código-fonte]

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Søilen, Klaus Solberg (2012). Geoeconomics (em inglês). Londres: Bookboon 
  • Gasimli, Vusal (2015). Geo-Economics (PDF). Turquia: Universidade de Anadolu. p. 207 
  • Chohan, Usman W. (2015). Geostrategic Location and the Economic Center of Gravity of the World. Canadá: Universidade McGill 
  • Blackwill, Robert D.; Harris, Jennifer M. (2016). War by Other Means: Geoeconomics and Statecraft. Cambridge, MA: Harvard University Press. ISBN 9780674737211 
  • Luttwak, Edward N. (1999). Theory and Practice of Geo-Economics. Turbo-Capitalism: Winners and Losers in the Global Economy (em inglês). Nova Iorque: HarperCollins Publishers. ISBN 079233132X 
  • Guy, Ankerl (2000). Coexisting Contemporary Civilizations: Arabo-Muslim, Bharati, Chinese, and Western. (em inglês). Genebra: INUPress. ISBN 2-88155-004-5 
  • Munoz, J. Mark (2017). Advances in Geoeconomics. Nova Iorque: Routledge. ISBN 9781857438307 

Referências

  1. a b Luttwak, Edward N. (1990). «From Geopolitics to Geo-Economics: Logic of Conflict, Grammar of Commerce». The National Interest: 17-23. JSTOR 42894676 
  2. a b Edward., Luttwak (1999). Turbo-capitalism : winners and losers in the global economy 1.ª ed. Nova Iorque: Harper Collins Publishers. ISBN 978-0060193300. OCLC 0767635 
  3. Firzli, M. Nicolas J. «The Qatar Crisis and the Eastern Flank of the MENA Area». Al Sharq Al Awsat (em inglês) 
  4. Firzli, M. Nicolas J. «G20 Nations Shifting the Trillions: Impact Investing, Green Infrastructure and Inclusive Growth». Revue Analyse Financière (em inglês). SSRN 3077974Acessível livremente 
  5. Nicolas Firzli, "Institutional Investment in the Age of Geoeconomics (em inglês)" Investment & Pensions Europe (IPE) 10 April, 2019