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Garcia de Orta
Garcia de Orta
Estátua de Garcia de Orta no Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Lisboa
Nascimento c.1501
Castelo de Vide
Morte 1568
Goa
Nacionalidade Reino de Portugal portuguesa
Progenitores Mãe: Leonor Gomes
Pai: Fernando (Isaac) de Orta
Alma mater Salamanca e Alcalá
Ocupação médico, botânico, farmacologista, antropólogo
Magnum opus Colóquio dos simples e drogas e coisas medicinais da Índia
Assinatura

Garcia de Orta (Castelo de Vide, c.1501Goa, 1568) foi um médico cristão-novo[1] português, que viveu na Índia.[2] Foi um autor pioneiro sobre botânica, farmacologia, medicina tropical e antropologia.

Biografia[editar | editar código-fonte]

Nasceu em Castelo de Vide em data desconhecida, provavelmente em 1501, filho do mercador Fernando (Isaac) de Orta, originário de Valência de Alcântara, e de Leonor Gomes originária de Alburquerque, ambos judeus convertidos ao cristianismo (cristãos-novos) espanhóis que se instalaram em Castelo de Vide,[2] possivelmente na sequência do Decreto de Alhambra dos Reis Católicos, que expulsou os judeus de Espanha em 1492. Frequentou as universidades de Salamanca e Alcalá, onde estudou gramática, artes e filosofia natural, provavelmente a partir de 1515, tendo-se licenciado em medicina em 1523.[2]

Regressou a Castelo de Vide em 1523, dois anos após a morte do pai, onde praticou clínica. Em 1526 obteve licença para praticar medicina e no mesmo ano mudou-se para Lisboa. Aí tornou-se médico de D. João III e conheceu o grande matemático Pedro Nunes. Foi escolhido para dar conferências de filosofia natural na Universidade de Lisboa, e em 1533 foi eleito pelo conselho para professor da cadeira.[2]

Embarcou para a Índia a 12 de março de 1534 como médico pessoal de Martim Afonso de Sousa, que foi para o Oriente como capitão-mor do mar da Índia entre 1534 e 1538 e governador de 1542 a 1545. Depois de acompanhar o seu patrono durante os quatro anos em que este granjeou grande prestígio em várias campanhas militares na costa ocidental da Índia, Orta estabeleceu-se como médico em Goa, onde adquiriu grande reputação. Aí ganhou a amizade de Luís de Camões. Em 1541 casou com uma rica herdeira, Brianda de Solis, com quem teve duas filhas.[2]

Quando Martim Afonso de Sousa regressou temporariamente a Portugal em 1538, Orta permaneceu na Índia como médico. Foi um médico conceituado em Goa,[2] praticando medicina no hospital e na prisão de Goa. Foi médico de figuras relevantes do meio político e social como o sultão de Ahmadnagar Nizam Shahi, exercendo igualmente o comércio e outras actividades lucrativas. Apesar de nunca ter visitado a região do Golfo Pérsico ou de ter viajado para oriente de Ceilão, Orta contactou em Goa com comerciantes e viajantes de todas as nacionalidades e religiões.

Graças ao seu serviço e amizade com o vice-rei Pedro Mascarenhas, cerca de 1554 foi-lhe dado o foro da ilha de Bombaim, então sob domínio português. Em Bombaim mandou construir uma quinta ou solar no local onde depois os britânicos erigiram o Forte de Bombaim (atualmente também chamado Castelo [castle] e Casa de Orta).[3]

Garcia de Orta faleceu em Goa em 1568 sem nunca ter tido diretamente problemas com a Inquisição, apesar desta ter estabelecido um tribunal na Índia em 1565. Contudo, logo após a morte de Orta, a Inquisição iniciou uma feroz perseguição à sua família. A sua irmã, Catarina, foi condenada por judaísmo e queimada viva num auto-de-fé em Goa, em 1569. Esta perseguição culminou em 1580 com a exumação da Sé de Goa dos restos mortais do médico e a sua condenação à fogueira por judaísmo.

Obra[editar | editar código-fonte]

Frontispício do Colóquio dos Simples de Garcia de Orta. Goa, 1563

A obra que perpetuou o nome de Garcia de Orta foi o livro Colóquio dos simples e drogas e coisas medicinais da Índia, editado em Goa em 1563. Este trabalho está escrito em português na forma de diálogo entre o próprio Orta e Ruano, um colega recém-chegado a Goa e ansioso por conhecer a matéria médica da Índia. Os Colóquios incluem 58 capítulos onde se estuda um número aproximadamente igual de drogas orientais, principalmente de origem vegetal, como o aloés, o benjoim, a cânfora, a canafístula, o ópio, o ruibarbo, os tamarindos e muitas outras.

Nesses capítulos, Orta apresenta a primeira descrição rigorosa feita por um europeu das características botânicas (tamanho e forma da planta), origem e propriedades terapêuticas de muitas plantas medicinais que, apesar de conhecidas anteriormente na Europa, o eram de maneira errada ou muito incompleta e apenas na forma da droga, ou seja, na forma de parte da planta colhida e seca.

Contrariamente à atitude dominante entre os médicos portugueses dos séculos XVI a XVIII, que consideraram o estudo da matéria médica como um tema menor, dirigindo os seus dotes literários para as observações clínicas, Orta interessou-se prioritariamente pelo estudo das propriedades das drogas e medicamentos. Para além do seu valor científico, a obra de Orta inclui a primeira poesia impressa da autoria de Luís de Camões.

Orta não só não receou que o seu gosto pela matéria médica e pela botânica pudesse levar a que fosse confundido com um boticário, pois viu-se obrigado a dispensar a tutela do próprio Dioscórides, ao tratar de drogas medicinais que o autor greco-romano na sua maioria desconhecia. Apesar de se apoiar na autoridade de vários autores, como Dioscórides, Plínio, Avicena, Serapião e Antonio Musa Brasavola, Orta não hesita em dar a primazia à autoridade da sua própria experiência: "Não me ponhais medo com Dioscórides nem Galeno, porque não hei de dizer senão a verdade, e o que sei", exclamou ele no colóquio n.º 9.

Apesar de se debruçar prioritariamente sobre a matéria médica, Orta também incluiu, além de vários outros assuntos, algumas observações clínicas, das quais é de destacar a primeira descrição da cólera asiática feita por um europeu, baseada na autópsia de um doente seu falecido com a doença.

Difusão europeia da obra[editar | editar código-fonte]

Escrito em português, e não em latim como era habitual na literatura médica, o livro de Garcia de Orta só se tornou conhecido na Europa através da versão latina editada pelo médico e botânico Charles de l'Escluse, também conhecido por Clusius (1525–1609).

Clusius esteve na Península Ibérica a herborizar entre maio de 1564 e maio de 1565, onde visitou Salamanca, Madrid, Alcalá de Henares e outras localidades. Clusius esteve em Portugal, nomeadamente em Lisboa e em Coimbra, desde setembro de 1564 até meados de janeiro de 1565. Foi durante esta visita que Clusius obteve a posse de um exemplar do livro de Garcia de Orta.

Clusius publicou em 1567 a edição latina resumida e anotada dos Colóquios, intitulada Aromatum et Simplicium aliquot medicamentorum apud Indios nascentium historia ante biennium quidem Lusitanica língua… conscripta, D. Garcia ab Horto auctore. A procura deste livro foi muito grande e ele contou com mais cinco edições revistas e ampliadas, ainda em vida. Além da versão de Clusius, os Colóquios circularam ainda em castelhano através do livro Tractado de las drogas y medicinas de las Indias Orientales (1578) do médico português Cristóvão da Costa ca.. Como Clusius, Costa reorganizou a estrutura e corrigiu o texto de Orta, adicionando-lhe gravuras, que eram totalmente inexistentes nos Colóquios. Como fez com o texto original de Orta, Clusius também traduziu para latim o livro de Cristóvão da Costa.

Homenagens[editar | editar código-fonte]

Jardim Garcia d' Orta, no Parque das Nações, Lisboa

Existe no Porto a Escola Secundária Garcia de Orta, e em Almada o Hospital Garcia de Orta. Aquando da Exposição Mundial de 1998 foi construído o Jardim Garcia d' Orta em sua homenagem, onde diferentes passagens dos portugueses pelo mundo é representada com plantas, sobretudo tropicais.

Referências

  1. Ângelo Salema, Miguel (Setembro de 2015). «GARCIA DA ORTA - Esquecido Pioneiro do Conhecimento Experimental» (PDF). Ordem dos Médicos. Consultado em 26 de Abril de 2023 
  2. a b c d e f Serrão, Joel, ed. (1968), «Orta, Garcia de», Dicionário de História de Portugal, ISBN 9726611601, III, Lisboa: Iniciativas Editoriais, pp. 248–249 
  3. «Portuguese Period», Greater Bombay District Gazetteer, Maharashtra State Gazetteers (em inglês), 27, Gazetteer Department (Government of Maharashtra), 1960 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Carvalho, A. S. "Garcia d’Orta, comemoração do IV centenário da sua partida para a India". Revista da Universidade de Coimbra. 12(1934)61-246.
  • Carvalho, A. S. "Garcia de Orta na Índia", Boletim Geral das Colónias. 10,106(1934)9-30.
  • Conde de Ficalho, Garcia da Orta e o seu tempo. Reprodução fac-similada. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1983.
  • Dias, J. P. Sousa. A Farmácia em Portugal. Uma introdução à sua história. 1338-1938. Lisboa: ANF, 1994.
  • Guerra, F. "Sexo y drogas en el siglo XVI". Asclepio. 24(1972)293-314.
  • Keller, A. G. "Garcia d’Orta". in Dictionary of Scientific Biography. 1974. Vol. 10, pp. 236–8.
  • Orta, Garcia de. Colóquios dos Simples e Drogas da India [Goa, 1563], dir. e notas por Conde de Ficalho, 2 vols. Lisboa: Academia Real das Ciências de Lisboa/Imprensa Nacional, 1891-1895.
  • Révah, I. S. "La famille de Garcia de Orta". Revista da Universidade de Coimbra. 19(1960)407-420.
  • Walter, J. "Bibliografia principal sobre Garcia de Orta". Garcia de Orta. 11,4(1963)857-873.
  • Walter, J. "Os Colóquios de Garcia de Orta no Tractado de las Drogas de Cristóvão da Costa". Garcia de Orta. 11,4(1963)799-832.
  • Gillispie, Charles C., coord. Dictionary of Scientific Biography. New York: Charles Scribner's Sons, 1970-1980. 18 vols
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