Entente Cordiale – Wikipédia, a enciclopédia livre

Alegoria de 1904 que mostra as personificações nacionais Britannia e Marianne a dançar de alegria pela assinatura do tratado que estabeleceu relações cordiais entre Reino Unido e França

Entente Cordiale[1] compreendia uma série de acordos assinados em 8 de Abril de 1904 entre o Reino Unido e a República Francesa, que registavam uma melhoria significativa das relações anglo-francesas. Na superfície, o acordo tratava de questões menores relacionadas à pesca e às fronteiras coloniais. O Egito foi reconhecido como parte da esfera de influência da Grã-Bretanha e o Marrocos como parte da França. A Entente não era uma aliança formal e não envolvia uma colaboração estreita, nem pretendia ser dirigida contra a Alemanha. No entanto, abriu caminho para uma relação mais forte entre a França e a Grã-Bretanha diante da agressão alemã. Não deve ser confundido com a aliança militar oficial anglo-francesa, que só foi estabelecida após a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914.[2]

O principal acordo colonial foi o reconhecimento de que o Egito estava totalmente na esfera de influência britânica e também Marrocos na da França, com a ressalva de que as eventuais disposições da França para Marrocos incluem uma compensação razoável para os interesses da Espanha lá. Ao mesmo tempo, a Grã-Bretanha cedeu as Ilhas Los (ao largo da Guiné Francesa) à França, definiu a fronteira da Nigéria a favor da França e concordou com o controle francês do vale superior da Gâmbia; enquanto a França renunciou ao seu direito exclusivo a certas pescarias ao largo da Terra Nova. Além disso, as zonas de influência propostas por franceses e britânicos no Sião (Tailândia), que acabou por ser decidido não ser colonizado, foram delineadas, com os territórios orientais, adjacentes à Indochina francesa, tornando-se uma zona francesa proposta, e os ocidentais, adjacentes a Tenasserim birmanês, uma zona britânica proposta. Também foram feitos arranjos para acalmar a rivalidade entre colonos britânicos e franceses nas Novas Hébridas.[3][4][5]

Em perspectiva de longo prazo, a Entente Cordiale marcou o fim de quase mil anos de conflito intermitente entre os dois Estados e seus antecessores, e substituiu o modus vivendi que existia desde o fim das Guerras Napoleônicas em 1815 por um acordo mais formal.  A Entente Cordiale representou o ápice da política de Théophile Delcassé (ministro das Relações Exteriores da França de 1898 a 1905), que acreditava que um entendimento franco-britânico daria à França alguma segurança na Europa Ocidental contra qualquer sistema alemão de alianças (ver Tríplice Aliança (1882)). O crédito pelo sucesso da negociação da Entente Cordiale pertence principalmente a Paul Cambon (embaixador da França em Londres de 1898 a 1920) e ao ministro britânico das Relações Exteriores, Lord Lansdowne. Ao assinar a Entente Cordiale, ambas as potências reduziram o isolamento virtual em que cada uma delas havia se retirado. A Grã-Bretanha não tinha nenhum aliado de grande potência além do Japão (1902). A França tinha apenas a Aliança Franco-Russa. O acordo ameaçava a Alemanha, cuja política há muito se baseava no antagonismo franco-britânico. Uma tentativa alemã de controlar os franceses no Marrocos em 1905 (o Incidente de Tânger, ou Primeira Crise Marroquina), e assim perturbar a Entente, serviu apenas para fortalecê-la. Iniciaram-se discussões militares entre os estados-maiores franceses e britânicos. A solidariedade franco-britânica foi confirmada na Conferência de Algeciras (1906) e reconfirmada na Segunda Crise Marroquina (1911).[6]

Escoteiros franceses e britânicos, com suas respectivas bandeiras nacionais, apertando as mãos. 1912

Documentos assinados[editar | editar código-fonte]

"L'oncle de l'Europe" diante das lentes da caricatura - imagens inglesas, francesas, italianas, alemãs, austríacas, holandesas, belgas, suíças, espanholas, portuguesas, americanas, etc.

A Entente era composta por três documentos:[7]

  • O primeiro e mais importante documento foi a Declaração relativa ao Egito e a Marrocos. Em troca de os franceses prometerem não "obstruir" as ações britânicas no Egito, os britânicos prometeram permitir que os franceses "preservassem a ordem (...) e prestar assistência" em Marrocos. A livre passagem pelo Canal de Suez foi garantida, finalmente colocando a Convenção de Constantinopla em vigor, e a construção de fortificações em parte da costa marroquina proibida. O tratado continha um anexo secreto que tratava da possibilidade de "circunstâncias alteradas" na administração de qualquer um dos dois países.
  • O segundo documento tratava da Terra Nova e de partes da África Ocidental e Central. Os franceses abriram mão de seus direitos (decorrentes do Tratado de Utrecht) sobre a costa ocidental da Terra Nova, embora mantivessem o direito de pescar na costa. Em troca, os britânicos deram aos franceses a cidade de Yarbutenda (perto da fronteira moderna entre o Senegal e a Gâmbia) e as Iles de Los (parte da atual Guiné). Uma disposição adicional tratava da fronteira entre as possessões francesas e britânicas a leste do rio Níger (atual Níger e Nigéria).
  • A declaração final dizia respeito ao Sião (Tailândia), Madagáscar e às Novas Hébridas (Vanuatu). No Sião, os britânicos reconheceram uma proposta de esfera de influência francesa a leste da bacia do rio Menam (Chao Phraya); por sua vez, os franceses reconheceram uma proposta de influência britânica sobre o território a oeste da bacia de Menam. Ambas as partes acabaram por negar qualquer ideia de anexar o território siamês. Os britânicos retiraram a sua objeção à introdução de uma tarifa por parte dos franceses em Madagáscar. As partes chegaram a um acordo que "poria fim às dificuldades decorrentes da falta de jurisdição sobre os nativos das Novas Hébridas".

Consequências[editar | editar código-fonte]

Não está claro o que exatamente a Entente significou para o Ministério das Relações Exteriores britânico. Por exemplo, no início de 1911, após reportagens da imprensa francesa contrastando a virilidade da Tríplice Aliança com o estado moribundo da Entente, Eyre Crowe escreveu: "O fato fundamental, é claro, é que a Entente não é uma aliança. Para fins de emergências finais, pode ser encontrado que não tem nenhuma substância. Pois a Entente nada mais é do que um estado de espírito, uma visão de política geral que é compartilhada pelos governos de dois países, mas que pode ser, ou se tornar, tão vaga a ponto de perder todo o conteúdo".[8]

Tais comentários, no entanto, se mostraram espúrios, pois a Tríplice Aliança entrou em colapso como resultado da Itália permanecer neutra no início da Primeira Guerra Mundial, enquanto a Entente resistiu.[8]

Referências

  1. «Entente Cordiale». Encyclopædia Britannica 
  2. Margaret Macmillan, The War That Ended Peace: The Road to 1914 (2013) ch 6
  3. Bell, P. M. H. France and Britain, 1900–1940: Entente and Estrangement (1996).
  4. Keiger, J.F.V. France and the World since 1870 (2001) pp 115–17, 164–68
  5. Langer, William L. The Diplomacy of Imperialism, 1890–1902 (1951).
  6. 'War with Germany': US enters WW1 on this day in 1917
  7. Minton F. Goldman, "Franco-British Rivalry over Siam, 1896–1904." Journal of Southeast Asian Studies 3.2 (1972): 210–228.
  8. a b Citado em Coleraine K. A. Hamilton, "Great Britain and France, 1911–1914" p.324 in Hinsley, Francis Harry (ed.), British Foreign Policy under Sir Edward Grey (Cambridge University Press, 1977) ISBN 0-521-21347-9

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

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