Doutrina jurídica – Wikipédia, a enciclopédia livre

Doutrina jurídica é uma disciplina humanística que estuda o direito. Distingue-se em escopo e métodos da Ciência do direito e da filosofia do direito.

Papel da doutrina[editar | editar código-fonte]

O resultado do estudo de pensadores, juristas e filósofos do direito sobre a teoria do direito, a interpretação dos sistemas jurídicos positivos e a avaliação de sua aplicação às relações sociais e às condutas humanas em geral.

A doutrina tem fundamental importância tanto na elaboração da norma jurídica quanto em sua interpretação e aplicação pelos tribunais. A doutrina assume papel extremamente relevante para o direito e é essencial para aclarar pontos, estabelecer novos parâmetros, descobrir caminhos ainda não pesquisados, apresentar soluções justas, enfim, interpretar as normas, pesquisar os fatos e propor alternativas, com vistas a auxiliar a construção sempre necessária e constante do estado de direito, com o aperfeiçoamento do sistema jurídico.

Etimologia[editar | editar código-fonte]

O termo doutrina provém do latim doctrina (doctrinae), que deriva do verbo docére (ensinar).[1]

Fonte do direito[editar | editar código-fonte]

A doutrina pode ser tida como fonte do direito, pois constitui-se em ambiente propício à formação do melhor critério de interpretação, oferecendo às normas jurídicas um fundo científico e consistente. Nela os juristas obtêm o conhecimento necessário, tendo razão Ribas Carneiro quando afirma que "uma lei será tão mais perfeita, quanto melhor houver sido a colaboração dos juristas versados na matéria".[carece de fontes?]

A afirmação de que a doutrina jurídica não possui força vinculante, uma vez que, em geral, não se encontra entre as normas jurídicas reconhecidas pelas constituições, é objeto de polêmica, pois há hipóteses históricas nas quais a doutrina possuiu força vinculante, como na Lei de Citações. No entanto, modernamente, esta é uma hipótese pouco usual sendo, a doutrina, regra geral, não considerada como fonte do direito.

Diferentes acepções e natureza da doutrina[editar | editar código-fonte]

Otavio Luiz Rodrigues Junior define a existência de 3 acepções para doutrina: "(i) é a opinião de certos juristas, unanimemente respeitada e consolidada no tempo, que ganhou força normativa por ato do soberano, tornando-se verdadeira fonte do Direito; (ii) é o conjunto de princípios extraídos das decisões judiciais, por meio de indução, que se tornam aplicáveis a outros casos, como autênticos modelos; (iii) é o ensinamento dos mestres ( magister) da ciência do Direito, proferido em razão de sua autoridade universitária ou de seu reconhecimento pelos pares como saber digno de acatamento uniforme e reiterado."

Na primeira acepção (doutrina obrigatória pela vontade do príncipe) tem-se o célebre exemplo da Lei de Citações, de 426 d.C., "pela qual se reconheceu a autoridade dos jurisconsultos Gaio, Papiniano, Paulo, Ulpiano e Modestino", os quais integraram o famoso Tribunal dos Mortos. É um exemplo histórico de doutrina com força vinculante, embora hoje encontre-se em franco desaparecimento na maior parte dos ordenamentos jurídicos.[2]

A segunda acepção (doutrina jurisprudencial) é aquela cujo "conteúdo deriva da união de sentenças e de escritos (comentários, artigos, manuais), que servem de fundamento às decisões dos juízes, os quais formam a opinio iuris (opinião dominante)", trata-se de uma "nomenclatura equívoca", pois "confunde o trabalho das cortes de justiça com a 'opinião dominante' dos doutores, equiparando-as".[2]

A terceira acepção (doutrina propriamente dita) "é a que se enquadra no conceito contemporâneo de doutrina" e divide-se em:[3]

a) Doutrina-norma. É a doutrina dotada de força vinculante por seu reconhecimento pelo Estado. Um de seus "resquícios atuais" são os pareceres vinculantes da Advocacia-Geral da União, que, se aprovados pelo presidente da República, vinculam toda a Administração Federal.

b) Doutrina-parecer. É a doutrina produzida pelos pareceristas, em resposta a problemas jurídicos concretos, que lhes são submetidos pelas partes.

c) Doutrina magisterial. É a doutrina fundada na autoridade jurídica de professores, que possui o caráter de sistematização de princípios, de crítica jurisprudencial, de ordenação do pensamento jurídico sobre categorias, institutos e modelos jurídicos.

Judith Martins-Costa apresenta também 3 acepções de doutrina, em diversos aspectos coincidentes com Otavio Luiz Rodrigues Junior, que é também referido como fundamento parcial de suas ideias, além dos franceses Philippe Jestaz e Christophe Jamin:[4]

a) Doutrina como Direito culto (droit savant): É o resultado da "experiência jurídica em que os atores são - ou deveriam ser - intelectuais, palavra também lexicamente tardia, indicativa 'daqueles que se ocupam das coisas da inteligência'".

b) Doutrina como fonte ou poder produtivo de juridicidade: É uma fonte do direito informal e indireta, baseada em sua própria autoridade e "dotada de um poder de fato, poder persuasivo, é verdade, mas inegável".

c) Doutrina como comunidade de autores formada especialmente por professores: "Esta comunidade é um corpo,e é também um campo, o da dogmática jurídica, construção teórica por excelência, elaboração intelectual pela qual é continuamente desenvolvido e reelaborado o conjunto de instituições e de conceitos por meio dos quais se busca explicar, discernir, orientar, sistematizar e mesmo dirigir o pensamento dos que se ocupam da prática do direito, daí derivando a auctoritas epistemológica ou a respeitabilidade intelectual reconhecida à doutrina".

A apresentação da doutrina sob essas três acepções não ignora o problema de ser a doutrina uma expressão do conhecimento científico ou artístico, como elabora Pedro Carneiro Maia. Segundo esse autor, há os que defendem ser a dogmática jurídica uma forma de arte (Pedro Lessa), ao passo em que existem os defensores de sua cientificidade, o que lhe permite exercer uma função de aferir os postulados (João Theodoro Xavier, João Higyno Duarte Pereira w Miguel Reale). Carneiro Maia ressalva que "não é dito que a Ciência do Direito se esgote na Dogmática ou que com ela se confunda".[5]

Diferença para a legal doctrine[editar | editar código-fonte]

A legal doctrine do sistema jurídico anglo-saxão ou common law é estabelecida por meio de precedentes judiciais, o que não se confunde com o conceito de doutrina jurídica dos sistemas de civil law.

Referências

  1. RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. «Dogmática e crítica da jurisprudência (ou da vocação da doutrina em nosso tempo)». Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 891, p.65, jan. 2010. Consultado em 16 de janeiro de 2015 
  2. a b RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. «Dogmática e crítica da jurisprudência (ou da vocação da doutrina em nosso tempo)». Revista dos Tribunais, v. 891, p.65, jan. 2010. Consultado em 16 de janeiro de 2015 
  3. RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. «Dogmática e crítica da jurisprudência (ou da vocação da doutrina em nosso tempo)». Revista dos Tribunais, v. 891, p.65, jan.2010. Consultado em 16 de janeiro de 2015 
  4. MARTINS-COSTA, Judith (2014). Modelos de direito privado 1 ed. São Paulo: Marcial Pons. p. 10-15. ISBN 9788566722161 
  5. MAIA, Pedro Carneiro. «Da dogmática jurídica». Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 49, p. 445-464, 1954. Consultado em 25 de janeiro de 2015 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

BUSTAMANTE, Lino Rodriguez-Arias. Ciencia y Filosofia del Derecho, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-América, 1961.

DAVID, René. Los Grandes Sistemas Jurídicos Contemporáneos, trad. Da 2ª ed., Madrid, Aguilar, 1969.

DIMOULIS, Dimitri. Manual de Introdução ao Estudo do Direito, 5ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2013.

MÁYNEZ, Eduardo García. Introducción al Estudio del Derecho, 12ª ed., México, Porrua, 1964.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 20ª ed., São Paulo, Forense, 2011.

MARTINS-COSTA, Judith. Modelos de direito privado. 1 ed. ed. São Paulo: Marcial Pons, 2014.

RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Dogmática e crítica da jurisprudência (ou da vocação da doutrina em nosso tempo). Revista dos Tribunais, v. 891, p.65, jan. 2010.


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