De Janela pro Cinema – Wikipédia, a enciclopédia livre
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De Janela pro Cinema | |
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Brasil 1999 • cor • 14 min | |
Gênero | animação stop motion |
Direção | Quiá Rodrigues[1] |
Produção | Quiá Rodrigues |
Roteiro | Quiá Rodrigues |
Elenco | Beth Bruno Sérgio Britto Lina Rossana Wendel Passos Pedro Eugênio Quiá Rodrigues |
Música | Ed Motta (Música original e Trilha sonora) Ronaldo Bastos (Letra) Jota Moraes (Arranjo e Produção musical) |
Cinematografia | César Elias |
Diretor de fotografia | César Elias |
Direção de arte | Paula Nogueira Simone Mello |
Sonoplastia | Edwaldo Mayrinck Roberto Leite |
Efeitos especiais | Francisco Salles |
Figurino | Jeff Báffica |
Edição | Flávio Zettel |
Companhia(s) produtora(s) | Decine CTAv/FUNARTE Q Filmes |
Lançamento | julho de 1999 (Anima Mundi)[1] maio de 2000 (Festival de Cannes)[2] |
Idioma | inglês, italiano, português, alemão e francês |
De Janela pro Cinema é um curta-metragem de animação em stop motion de 1999, resultado do trabalho autoral do brasileiro Quiá Rodrigues,[3] que homenageia a sétima arte com várias citações a filmes e personagens famosos do cinema[4] na forma de bonecos de látex que representam mitos como Nosferatu, Carlitos e Marilyn Monroe.[3]
O cineasta criou os bonecos/personagens de forma artesanal e com isso rememorou ícones do cinema como: Nosferatu (Max Schreck, no filme homônimo de 1922), Carlitos (Charles Chaplin), "the girl" (Marilyn Monroe, no filme The Seven Year Itch de 1955) e Macunaíma (Grande Otelo, no filme homônimo de 1969),[3] originando um filme de animação metalinguístico, ao se valer do próprio cinema como fonte de inspiração e também como obra de ficção, ao se basear em citações, alusões e paródias.[3]
O resultado do projeto foi uma mistura 'abrasileirada' aos moldes da autofagia de Oswald de Andrade, com referências à 'estética da fome', às chanchadas e até à tropicália.[3] A animação também expõe o reflexo da época em que foi realizada e está impregnada de manifestações culturais brasileiras, além de manifestações pictóricas, simbólicas e de narrativas estrangeiras.[3]
Sinopse[editar | editar código-fonte]
Uma mulher misteriosa e sensual, desejada por vários homens, motiva uma grande homenagem ao cinema e seus mitos.
Produção[editar | editar código-fonte]
Antecedentes[editar | editar código-fonte]
Em 1995, Quiá Rodrigues foi convidado pelo Centro Técnico Audiovisual (CTAv) juntamente com Paula Nogueira, funcionária da instituição, para desenvolverem uma vinheta de um minuto para a comemoração aos 100 anos do Cinema, baseada no personagem Nosferatu.[4] Porém, a produção atrasou e não pôde ser utilizada no festival comemorativo, mas devido a seu resultado visual expressivo e com o apoio do então diretor do CTAv, Sérgio Sanz, resolveram produzir um filme em homenagem ao Cinema.[3] A partir daí, Rodrigues preparou o projeto, buscou mais parcerias e foi organizada uma equipe — para preparar os demais cenários e bonecos —, e com o apoio do CTAv, obteve o empréstimo da câmera e do estúdio durante o período necessário para a produção do curta.[4]
Desenvolvimento[editar | editar código-fonte]
A caracterização dos personagens e dos ambientes foi caprichada, mas apesar disso percebe-se o toque artesanal de uma produção de poucos recursos — os bonecos de látex se desgastaram bastante ao longo dos quatro anos de produção.[3] Em algumas tomadas inclusive, a estrutura do boneco 'Belle' fica visível, o que não rouba o charme das cenas.[3]
Como obra de animação, o filme não apenas marca o ressurgimento das produções autorais no Brasil na década de 90, após a criação de leis de apoio e incentivo,[3] mas também representa uma homenagem ao cinema, sendo resultado da criatividade aliada a 'uma câmera na mão e uma ideia na cabeça'.[3]
Trilha sonora[editar | editar código-fonte]
Rodrigues conheceu um trabalho anterior de trilha sonora, realizado para uma animação pelo cantor e produtor musical Ed Motta, que considerou minimalista e muito eficiente, então, pensou em convidá-lo para o projeto. Após a edição do curta, levou uma fita com o filme bruto para que o cantor assistisse e este ficou muito entusiasmado com as imagens, aceitando prontamente a tarefa. Jota Moraes, que já trabalhava com Ed Motta, ficou responsável pelos arranjos musicais do filme.[4]
Personagens/vozes[editar | editar código-fonte]
A dublagem do curta teve a direção de Pedro Eugênio:[4][1]
- Marilyn Monroe (Belle) - Beth Bruno
- Marcelo Mastroianni (Mágico) - Sérgio Britto
- Antonietta Beluzzi (Vizinha) - Lina Rossana
- Bruno Ganz (Anjo) - Wendel Passos
- Grande Othelo (Namorado) - Pedro Eugênio
- Nosferatu (Vampiro) - Quiá Rodrigues
Temas e análises[editar | editar código-fonte]
Originalmente, o processo da concepção visual do filme foi criado em volta do personagem Nosferatu e do seu apartamento para a homenagem aos 100 anos do Cinema.[4] O primeiro boneco já contava com um cenário pronto, e partia da premissa que se estava homenageando Fassbinder e o Cinema Mudo — a estética do apartamento também lembrava o Expressionismo Alemão.[4] A animação certamente não apresenta a miséria de filmes como Vidas Secas de 1963, mas sim, a precariedade de um visual mal-acabado, resultado da "fome de criar" do seu criador e à margem dos recursos econômico disponíveis.[3]
O signo do filme é o olhar — "O olho é a janela da alma", como disse o cineasta em entrevista —, e a ideia da janela veio porque o cinema é uma espécie de 'janela' — o apartamento do personagem James Stewart se encaixa perfeitamente nesse contexto —, daí os voyers olhando uma mulher que se apronta para sair. Em close, o boneco Carlitos usa a revista Cahiers du Cinéma para olhar a protagonista, e no início do curta, aparece um outdoor, com o olho do filme Laranja Mecânica.[4]
As pequenas narrativas apresentadas lembram os roteiros dos filmes Short Cuts de 1993 e Rear Window de 1954.[3] O cenário de decoração exuberante do apartamento da protagonista foi inspirado no filme Ata-me! de 1990.[3] Influenciado também por grandes sucessos nacionais, como A Dama do Lotação de 1978 e Macunaíma, Rodrigues criou sua animação como um resgate cultural, estético e narrativo cinematográfico.[3] As muitas influências estrangeiras à cultura brasileira foram aglutinadas e deglutidas e devolvidas à tela como que guiadas pelo Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade de 1928: "Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago".[3] No curta, essa antropofagia apresenta-se em toda a narrativa. Os mitos do cinema, de épocas e culturas diferentes, na forma de bonecos, são realocados em um novo ambiente e contexto – num filme de animação brasileiro que se alimentou de influências nacionais e estrangeiras.[3]
Os personagens masculinos são admiradores de Belle, personagem baseado em Marilyn Monroe, que representa o cinema americano — e invejosos de Macunaíma, personagem que representa o cinema brasileiro –, metáforas entre o desejo e a realidade.[3] A observação crítica de Rodrigues sobre o contexto do filme é sintetizado no "happy end" de Macunaíma nos braços de Belle, sendo inusitado e simbólico, refletindo a paródia, a ironia e humor brasileiros.[3] Belle também simboliza a "anima", a sedução, a inalcançável produção americana — a personagem demora em se arrumar —, enquanto Macunaíma representa o anti-herói, o "animus", a produção pobre, porém criativa do 'jeitinho brasileiro' — ele arruma um hibisco para entregar a amada —, além de não esconder sua irreverência e desdém. O casal simboliza o "cinema nacional nos braços do cinema americano" — como expressa o autor da animação. Uma relação de admiração e sedução, mas de antagonismo e ligação, com uma pitada de desleixo.[3]
- O anjo do filme Asas do Desejo na fachada de um edifício.
- Caricatura de Charles Chaplin como Carlitos.
- Monsieur Hulot, personagem do ator Jacques Tati.
Recepção[editar | editar código-fonte]
A animação tem uma carreira importante em termos de produção nacional, pois foi exibida nos Festivais de Brasília, do Rio de Janeiro, de Gramado, de Recife, de Vitória e na Mostra Internacional de São Paulo. Internacionalmente, participou do Taipei Film Festival (em Taiwan), do Festival de Havana (em Cuba), e dos Festivais de Cannes e de Biarritz (ambos na França).[4][3]
Prêmios e indicações[editar | editar código-fonte]
Recebeu mais de 26 premiações,[4] além de se tornar um marco na animação nacional, pois foi a primeira produção a receber o prêmio de Melhor Animação Brasileira no Anima Mundi em 1999 – no primeiro ano em que ocorreu a premiação desta categoria,[3] pois até então, não haviam produções participantes em número o suficiente que justificassem a premiação no festival.[4] Foi indicado nos Festivais de Cannes na Mostra Cinéfondation e de Havana, onde ficou com o segundo lugar de Melhor Animação.[2][3]
Reconhecimento[editar | editar código-fonte]
De Janela pro Cinema está em décimo sétimo lugar no ranking dos 100 títulos selecionados em eleição realizada entre os críticos associados da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) e convidados, dentro das comemorações dos 100 anos da animação brasileira, onde se elegeu as melhores animações brasileiras, contemplando filmes de várias épocas, estilos estéticos e formatos.[5]
Mostras e festivais[editar | editar código-fonte]
Listagem de prêmios:[1][2][3][4]
Premiações[editar | editar código-fonte]
- Anima Mundi (1999):
- Melhor Filme Brasileiro e Melhor Filme pelo Júri Popular.
- Festival de Gramado (1999):
- Prêmio Especial de Animação e Prêmio Especial do Júri.
- Festival de Cuiabá (1999):
- Melhor Curta pelo Júri Popular.
- Festival de Brasília (1999):
- Prêmio de Crítica e Melhor Curta-metragem.
- Festival de Vitória (1999):
- Melhor Trilha Sonora e Melhor Animação.
- Grande Prêmio Cinema Brasil (2000):
- Melhor Animação.
- Festival de Recife (2000):
- Melhor Filme de Animação; Melhor Direção de Animação; Melhor Fotografia de Animação e Melhor Trilha Sonora de Animação.
- Cine Ceará (2000):
- Melhor Roteiro e Melhor Animação.
- Miami Brazilian Film Festival (2000):
- Melhor Curta pelo Júri Popular e Melhor Direção de Arte.
Indicações[editar | editar código-fonte]
- Festival de Cannes (2000):
- Mostra Cinéfondation.
- Festival de Havana (2000):
- Melhor Animação (segundo lugar).
Ver também[editar | editar código-fonte]
Referências
- ↑ a b c d e «De Janela pro Cinema § Base de Dados». Cinemateca Brasileira. N.d. Consultado em 5 de março de 2023
- ↑ a b c «CINÉFONDATION 2000» (em inglês). Festival de Cannes. N.d. Consultado em 25 de novembro de 2021. Arquivado do original em 27 de novembro de 2021
- ↑ a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x GORDEEFF, Eliane M. (abril 2011). «O Reflexo Cultural na Estética da Animação: a imagem animada em De Janela pro Cinema» (PDF). Lisboa: Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes (FBAUL/CIEBA). Revista :Estúdio - Artistas sobre outras obras. 2 (3): 130-135. ISSN 1647-6158. Consultado em 4 de outubro de 2022
- ↑ a b c d e f g h i j k l GORDEEFF, Eliane M. (junho 2013). «Entrevista: Quiá Rodrigues - De Janela pro Cinema (2ª parte)» (PDF). UFPel. Revista Orson - Revista dos Cursos de Cinema e Audiovisual e Cinema de Animação. 4: 222-231. ISSN 2237-3381. Consultado em 4 de outubro de 2022
- ↑ «Abraccine elege as 100 obras mais importantes da Animação brasileira». Mnemo Cine. 7 de janeiro de 2018. Consultado em 10 de maio de 2023. Cópia arquivada em 6 de fevereiro de 2019
Leitura adicional[editar | editar código-fonte]
- Gordeeff, Eliane (2018). «Reflexos culturais: De Janela pro Cinema». In: LEITE, Sávio. Diversidade na Animação Brasileira. Goiânia: MMMrte. pp. 30–47. ISBN 9788553021031
Ligações externas[editar | editar código-fonte]
- De Janela pro Cinema. no IMDb.
- «De Janela pro Cinema (Versão Oficial)». (Vimeo). Consultado em 30 de agosto de 2022
- «Making off 1: De Janela pro Cinema». Matérias com bastidores da produção do curta-metragem (Vimeo). Consultado em 30 de agosto de 2022
- «Making off 2: De Janela pro Cinema». Matérias com bastidores da produção do curta-metragem (Vimeo). Consultado em 14 de outubro de 2022
- «Nas janelas do cinema: Vídeo em comemoração aos 16 anos do curta de animação De Janela pro Cinema, de Quiá Rodrigues». Numa linguagem poética, o vídeo mescla trechos do filme animado com as cenas clássicas dos longas que foram as principais referências para a construção da arte e dos personagens da animação (Vimeo). Consultado em 14 de outubro de 2022