Língua cupópia – Wikipédia, a enciclopédia livre

A cupópia (palavra que significa fala) é um anticrioulo do português falado no bairro rural do Cafundó, em Salto de Pirapora, São Paulo, Brasil, um quilombo. A língua combina a estrutura morfossintática do dialeto caipira do português, falado nos arredores da comunidade, com cerca de 160 palavras de origem africana (principalmente do quimbundo). Contando 40 falantes quando de seus primeiros registros científicos, em 1978, a cupópia é falada por 12 pessoas atualmente.

Os oitenta habitantes do Cafundó atual, antes de tudo, são falantes de uma variedade do português rural. É na estrutura deste português que a "cupópia" se desenvolve. Contudo, a "cupópia" é usada apenas por oito falantes e somente em situações especiais. Por exemplo, diante de estranhos, quando os dialogantes não desejam revelar-lhes o conteúdo da conversa. O uso secreto de falas africanas foi muito comum no Brasil colonial.[1]

Segundo Couto[2], a "cupópia" é um anticrioulo, pois tem um vocabulário africano que a língua portuguesa não tem, e o usa intensamente sem apelar para o vocabulário português. Segundo esse mesmo autor, um anticrioulo seria o inverso de uma língua crioula, segundo as teorias de non-European input, para a formação das línguas crioulas (isto é: crioulos = gramática de línguas africanas + léxico de línguas europeias; anticrioulos = gramática de línguas europeias + léxico de línguas africanas). O vocabulário da língua portuguesa não é utilizado na "cupópia" (a não ser raramente em forma de empréstimo). Como usa a estrutura da língua portuguesa, a "cupópia" é então uma língua mista, distinta do português.[3]

Porém, estudos mais recentes, como o de Álvarez López e Jon-And (2017), indicam que as características gramaticais da Cupópia não coincidem totalmente com os traços registrados no português falado pelos mesmos indivíduos, mas que são compartilhadas com variedades linguísticas mais reestruturadas do que o português falado em zonas rurais do interior do Estado de São Paulo[4].

História[editar | editar código-fonte]

Nas proximidades de Sarapuí, SP havia a Fazenda Caxambu, herdada por escravos em 1879, depois que seu antigo proprietário morreu sem deixar descendentes. A comunidade africana lá provavelmente desenvolveu as versões primitivas da fala.

Nessa mesma época, surgiu uma outra comunidade de escravos libertos nas cercanias: o Cafundó. Com o casamento de Caetano Manuel de Oliveira, habitante de Caxambu, com Ifigênia, natural do Cafundó, foi iniciado um intercâmbio cultural entre as duas regiões que resultou no crescimento da área abrangida pela cupópia.

Por influências externas, a cupópia, hoje em dia, deixou de ser usada no lugar de sua origem, só restando falantes no Cafundó. Mesmo nesse local, a língua se encontra ameaçada de extinção e já não é falada pela maior parte de sua comunidade.

No começo do século XX, a comunidade de Caxambu foi transportada para a comunidade vizinha do Cafundó que surgiu na época da Abolição no município de Salto de Pirapora, SP. Assim, no começo do século XX, a "cupópia" era falada nas duas comunidades. O Caxambu já não mais existe como comunidade negra, estando seus habitantes espalhados na periferia de algumas cidades vizinhas (Sorocaba, Salto de Pirapora, Votorantim). Alguns cafundoenses estão também na periferia destas mesmas cidades. Os caxambuenses mais velhos ainda são usuários da "cupópia" (= UC). No Cafundó, comunidade de 75 habitantes, existem atualmente apenas 7 usuários ligados historicamente ao Caxambu.[5]

Léxico[editar | editar código-fonte]

O léxico da cupópia é formado por algumas palavras do português e cerca de 160 palavras de origem banta, as últimas constituídas em sua maior parte por substantivos. Seguem-se alguns exemplos de palavras de étimo africano:

  • andaru (do quimbundo ndalu): fogo
  • avere (do quimbundo avele): leite
  • cumbe (do quimbundo rikumbi): sol
  • cupopiá (do quimbundo kupupia): falar
  • tata (do quimbundo tata): pai

Expressões[editar | editar código-fonte]

Devido à pequena quantidade de vocábulos, os falantes da cucópia recorreram ao processo de formação de expressões para representar outros objetos. Estas são, em geral, formadas por dois substantivos ligados por uma contração de preposição e artigo, normalmente "do". Exemplos:

  • cumbe do téqui: lua; literalmente, sol da noite
  • injó do marrupe: quarto; literalmente, casa do sono
  • ngobe do andaru: automóvel; literalmente, boi de fogo

Por vezes, utilizam-se palavras não africanas para a formação de algumas expressões:

  • respeito do ngobe: arame farpado; literalmente, respeito do boi

Referências[editar | editar código-fonte]

Álvarez López, Laura; Jon-and, Anna (2017-06-17). "Afro-Brazilian Cupópia". Journal of Pidgin and Creole Languages. 32 (1): 75–103.

↑ Sílvio Vieira de Andrade Filho, "A polissemia e a perífrase na "cupópia"" (arquivo em formato do MS Word). Revista de Estudos Universitários, Nucab, Uniso, V. 31, n. 2, dezembro de 2005: 158–167, Sorocaba. O link atualizado é este: http://www.cafundo.site.br.com/SILVIO_VIEIRA_DE_ANDRADE_FILHO_A_POLISSEMIA_E_A_PERIFRASE_NA_CUPOPIA.doc

↑ Sílvio Vieira de Andrade Filho, Um Estudo Sociolingüístico das Comunidades Negras do Cafundó, do Antigo Caxambu e de seus Arredores, 2000: 252, Secretaria da Educação e Cultura, Prefeitura Municipal de Sorocaba. ISBN 8589017-01-X O link atualizado é este: http://www.cafundo.site.br.com

↑ Sílvio Vieira de Andrade Filho, O vocabulário e a criatividade da "cupópia". Em PAPIA (Revista de Estudos Crioulos e Similares), n. 13: 168–179, 2003, Universidade de Brasília. O link atualizado é este: http://www.cafundo.site.br.com/SILVIO_VIEIRA_DE_ANDRADE_FILHO_O_VOCABULARIO_E_A_CRIATIVIDADE_DA_CUPOPIA.doc

Referências

  1. Sílvio Vieira de Andrade Filho, "A polissemia e a perífrase na "cupópia"[ligação inativa]" (arquivo em formato do MS Word). Revista de Estudos Universitários, Nucab, Uniso, V. 31, n. 2, dezembro de 2005: 158–167, Sorocaba.
  2. Hildo Honório do Couto, "Anticrioulo: manifestação lingüística de resistência cultural", 2002.
  3. Sílvio Vieira de Andrade Filho, Um Estudo Sociolingüístico das Comunidades Negras do Cafundó, do Antigo Caxambu e de seus Arredores Arquivado em 17 de novembro de 2005, no Wayback Machine., 2000: 252, Secretaria da Educação e Cultura, Prefeitura Municipal de Sorocaba. ISBN 8589017-01-X
  4. Álvarez López, Laura; Jon-and, Anna (17 de junho de 2017). «Afro-Brazilian Cupópia». Journal of Pidgin and Creole Languages (em inglês). 32 (1): 75–103. ISSN 0920-9034. doi:10.1075/jpcl.32.1.03alv 
  5. Sílvio Vieira de Andrade Filho, O vocabulário e a criatividade da "cupópia"[ligação inativa]. Em PAPIA (Revista de Estudos Crioulos e Similares), n. 13: 168–179, 2003, Universidade de Brasília.

Ligações externas[editar | editar código-fonte]