Cultura do Vaso Campaniforme – Wikipédia, a enciclopédia livre

Cultura do vaso
Campaniforme
Vaso de barro preto, decorado com motivos geométricos incisos acentuados com uma pasta branca (Castela entre 1970 e 1470 a.C. J. Chr).
Descendentes da
cultura megalítica
Definição
Autor Vere Gordon Childe
Características
Distribuição geográfica: Europa ocidental
Período: Final do Neolitico e parte da Idade do Bronze (desde ~2900 a.C a ~1900 a.C)
Lugares onde foram encontrados objetos da cultura do vaso campaniforme[1]
Subdivisões
  • campaniforme AOO
  • campaniforme AOC
  • campaniforme regional
Objetos característicos
  • vasos e copos de cerâmica em forma de sino, provetas, proteções do antebraço dos arqueiros, punhais de cobre, botões em forma de V perfurados, dentes de javali decorados.

A Cultura do Vaso Campaniforme, ou simplesmente Campaniforme (em inglês Bell-Beaker culture, em alemão Glockenbecherkultur) é uma cultura do terceiro milénio a.C. com origem no Castro do Zambujal, estremadura portuguesa, e que se difundiu pelo continente europeu. O Campaniforme deve o seu nome porque os vasos de cerâmica decorados encontrados em contexto funerário têm a forma de um sino invertido.

Vaso campaniforme de Ciempozuelos

O fenómeno campaniforme é conhecido e estudado há mais de cem anos, mas só nos últimos vinte é que foi possível esclarecer a sua origem, com a datação por C14.[2][3]

Depois de um intensivo workshop no Instituto de Pré-História da Universidade de Freiburgo, os arqueólogos concluíram que este fenómeno traduz uma profunda transformação política, social e cultural em toda a Europa pré-histórica.[4] Para todas estas transformações muito contribuíram as inovações tecnológicas, como a invenção da roda, a utilização da força animal para transporte, e a domesticação do cavalo, que contribuíram para o comércio a longas distâncias. Como afirmou o arqueólogo Michael Kunst durante um encontro de arqueólogos em Torres Vedras:

"Havia muito marfim na Península Ibérica, que se julga ser proveniente de elefantes indianos e de conchas do mar vermelho."[5]

Estudos genéticos[editar | editar código-fonte]

Três estudos genéticos, de 2015, deram apoio à teoria de Marija Gimbutas de que a difusão das línguas indo-europeias teria se dado a partir das estepes russas (hipótese Curgã). De acordo com esses estudos, o Haplogrupo R1b (ADN-Y) e o Haplogrupo R1a (ADN-Y) - hoje os mais comuns na Europa e sendo o R1a frequente também no subcontinente indiano - teriam se difundido, a partir das estepes russas, junto com as línguas indo-europeias; tendo sido detectado, também, um componente autossômico presente nos europeus de hoje que não era presente nos europeus do Neolítico, e que teria sido introduzido a partir das estepes, junto com as linhagens paternas (haplogrupo paterno) R1b e R1a, assim como com as línguas indo-europeias. A grande maioria das amostras testadas, da cultura do vaso campaniforme, apresentaram o haplogrupo R1b, assim como um componente autossômico oriundo das estepes, o que indicaria a difusão das línguas indo-europeias na Europa Ocidental com a cultura do vaso campaniforme funcionando como um vetor.[6][7][8]

Na Irlanda, por exemplo, de acordo com um estudo genético de 2015, a população irlandesa descende, em sua quase totalidade, de movimentos migratórios durante a idade do Bronze, ancestralidade essa que teria chegado à Irlanda acompanhada do haplogrupo R1b, de um componente autossômico das estepes russas e das línguas indo-europeias, assim como da cultura do vaso campaniforme.[9]

Publicaram-se os resultados de investigações pioneiras sobre a frequência dos marcadores do cromossomial Y (ADN-Y) de âmbito europeu, tais como os de Semino (2000) e Rosser (2000) que correlacionam o haplogrupo R1b - M269 com os primeiros episódios de colonização europeia por humanos anatomicamente modernos (AMH).

As frequências de pico de R1b-M269 na Península Ibérica (especialmente na região basca) e na fachada atlântica foram postuladas para representar assinaturas de recolonização do Oeste Europeu após o último máximo glacial.[10][11] No entanto, mesmo antes das recentes críticas e refinamentos, a ideia de que homens ibéricos transportando R1b repovoaram a maior parte da Europa ocidental não era consistente com os resultados revelados pelas linhagens italianas R1b-M269 por estas não serem descendentes das linhagens bascas.[12]

Dados é cálculos sugerem uma data no período neolítico, ou mesmo pós-neolítico, para a entrada do M269 na Europa.[13][14][15][16]

Estas hipóteses parecem ser corroboradas por evidências mais diretas de DNA antigo. Por exemplo, as amostras do cromossomial Y (ADN-Y) neolítico a partir de Espanha não revelaram qualquer R1b, mas sim E-V13 e G2a,[16] enquanto que um estudo semelhante de um sitio neolítico francês revelou o haplgrupo I-P37 e G2a[17] A primeira evidência de R1b verifica-se mais tarde, na Alemanha, num sitio da Cultura do Vaso Campaniforme datado do terceiro milênio a.C.

Enquanto Cruciani , Belaresque e Arredi apoiam uma dispersão estatística do R1b M269 a partir do sul da Europa Oriental para o sul ocidental, Klyosov (2012) postula que o R1b-L150 "Europa Ocidental" entrou na Europa a partir de África do Norte, via Península Ibérica, coincidente com a disseminação da cultura do vaso campaniforme.[18]

Na perspectiva do ADN mitocondrial, o haplogrupo H (ADNmt), com alta percentagem de ocorrência (~ 40%) em toda a Europa, tem recebido uma atenção semelhante. Os primeiros estudos por Richards et al (2000) pretendiam que este haplogrupo surgiu à 28 - 23 mil anos, espalhando-se para a Europa ~ 20 anos, antes de tornar a expandir-se de um suposto refúgio glacial Ibérico ~ 15 mil anos, cálculos posteriormente corroborados por Pereira (2004).[19] No entanto, num estudo mais completo por Roostalu (2006), incorporando mais dados a partir do Médio Oriente, sugeriu que, enquanto o haplogrupo H (ADNmt) começou a expandir-se c . 20 mil anos, este limitou-se ao Médio Oriente, Cáucaso e Sudeste da Europa. Logo, a sua subsequente propagação ocidental, ocorreu mais tarde, no período pós -glacial de um hipotético refúgio no sul do Cáucaso.[20] Esta hipótese tem sido apoiada por um estudo recente de análise de ADN antigo, que relaciona a expansão do mtDNA Hg H na Europa Ocidental, com o fenómeno da cultura do vaso campaniforme.[21]

Embora estes estudos sejam perspicazes, mesmo que as datas postuladas pelos seus autores estejam corretas, não implicam necessariamente que a propagação de um determinado marcador genético represente uma população distinta, "tribo" ou grupo linguístico. Os autores muitas vezes tomam como certo que a expansão de uma linhagem está relacionada com a demografia real ao invés de outros eventos evolutivos, tais como a deriva genética aleatória ou a seleção natural. Além disso, ignoram análises detalhadas dos registos arqueológicos sobre a gênese dos fenômenos culturais com várias linhas de interações complexas, cruzando regiões distantes ao invés de simples "migrações folclóricas". Como tal, "os estudos genéticos", muitas vezes recebem críticas não só de arqueólogos e antropólogos culturais, mas também de outros geneticistas populacionais.[21]

Referências

  1. R. J. Harrison: «The Beaker Folk: Copper Age archaeology in Western Europe», de Ancient Peoples and Places (97), Londres: 1980..
  2. Le Campaniforme et l’Europe à la fin du Néolithique, Olivier Lemercier © 2006
  3. Matériaux, productions, circulations du Néolithique à l’Age du Bronze, by Jean Guilain (Editor)
  4. O fenómeno campaniforme
  5. «Arqueologia: Há cinco milénios havia bastante marfim na Península Ibérica - arqueólogos». Jornal de Notícias. 1 de maio de 2008. Consultado em 25 de abril de 2021 
  6. Haak; et al. (2015). «Migração em massa da estepe é fonte das línguas indo-europeias na Europa» (pdf publicado=2015) (em inglês). 172 páginas. Consultado em 6 de novembro de 2015 
  7. Allentoft; et al. (2015). «Genética de populações da Eurásia à época da Idade do Bronze» (pdf publicado=2015) (em inglês). 167 páginas. Consultado em 6 de novembro de 2015 
  8. Mathieson; et al. (2015). «8000 anos de seleção natural na Europa» (pdf publicado=2015) (em inglês). 167 páginas. Consultado em 6 de novembro de 2015 
  9. Cassidy; et al. (2015). «Migrações neolíticas e da idade do Bronze e o estabelecimento do genoma insular atlântico» (pdf) (em inglês). 2015. 86 páginas. Consultado em 7 de janeiro de 2015 
  10. «High-Resolution Analysis of Human Y-Chromosome Variation Shows a Sharp Discontinuity and Limited Gene Flow between Northwestern Africa and the Iberian Peninsula». The American Journal of Human Genetics (em inglês) (4): 1019–1029. 1 de abril de 2001. ISSN 0002-9297. doi:10.1086/319521. Consultado em 25 de abril de 2021 
  11. Rosser, Z. H.; Zerjal, T.; Hurles, M. E.; Adojaan, M.; Alavantic, D.; Amorim, A.; Amos, W.; Armenteros, M.; Arroyo, E. (dezembro de 2000). «Y-chromosomal diversity in Europe is clinal and influenced primarily by geography, rather than by language». American Journal of Human Genetics (em inglês) (6): 1526–1543. ISSN 0002-9297. PMC 1287948Acessível livremente. PMID 11078479. doi:10.1086/316890. Consultado em 25 de abril de 2021 
  12. «Y chromosome genetic variation in the Italian peninsula is clinal and supports an admixture model for the Mesolithic–Neolithic encounter». Molecular Phylogenetics and Evolution (em inglês) (1): 228–239. 1 de julho de 2007. ISSN 1055-7903. doi:10.1016/j.ympev.2006.11.030. Consultado em 25 de abril de 2021 
  13. Myres, Natalie M.; Rootsi, Siiri; Lin, Alice A.; Järve, Mari; King, Roy J.; Kutuev, Ildus; Cabrera, Vicente M.; Khusnutdinova, Elza K.; Pshenichnov, Andrey (janeiro de 2011). «A major Y-chromosome haplogroup R1b Holocene era founder effect in Central and Western Europe». European Journal of Human Genetics (em inglês) (1): 95–101. ISSN 1476-5438. doi:10.1038/ejhg.2010.146. Consultado em 25 de abril de 2021 
  14. Cruciani, Fulvio; Trombetta, Beniamino; Antonelli, Cheyenne; Pascone, Roberto; Valesini, Guido; Scalzi, Valentina; Vona, Giuseppe; Melegh, Bela; Zagradisnik, Boris (1 de junho de 2011). «Strong intra- and inter-continental differentiation revealed by Y chromosome SNPs M269, U106 and U152». Forensic Science International: Genetics (em inglês) (3): e49–e52. ISSN 1872-4973. PMID 20732840. doi:10.1016/j.fsigen.2010.07.006. Consultado em 25 de abril de 2021 
  15. Crawford, Michael H. (2007). Anthropological Genetics: Theory, Methods and Applications (em inglês). [S.l.]: Cambridge University Press 
  16. a b Balaresque, Patricia; Bowden, Georgina R.; Adams, Susan M.; Leung, Ho-Yee; King, Turi E.; Rosser, Zoë H.; Goodwin, Jane; Moisan, Jean-Paul; Richard, Christelle (19 de janeiro de 2010). «A Predominantly Neolithic Origin for European Paternal Lineages». PLOS Biology (em inglês) (1): e1000285. ISSN 1545-7885. PMC 2799514Acessível livremente. PMID 20087410. doi:10.1371/journal.pbio.1000285. Consultado em 25 de abril de 2021 
  17. Ancient DNA reveals male diffusion through the Neolithic Mediterranean route
  18. «Ancient History of the Arbins, Bearers of Haplogroup R1b, from Central Asia to Europe, 16,000 to 1500 Years before Present A.Klyosov | Human Evolution | Biological Classification». Scribd. Consultado em 25 de abril de 2021 
  19. High-resolution mtDNA evidence for the late-glacial resettlement of Europe from an Iberian refugium
  20. U. Roostalu et al, Origin and expansion of haplogroup H, the dominant human mitochondrial DNA lineage in West Eurasia: the Near Eastern and Caucasian perspective, Molecular Biology and Evolution, vol. 24, no. 2 (2007), pp. 436-448
  21. a b http://www.nature.com/ncomms/journal/v4/n4/full/ncomms2656.html

Ligações externas[editar | editar código-fonte]