Constituição da Turquia – Wikipédia, a enciclopédia livre

 Nota: Este artigo é sobre a constituição atual, de 1982. Para outros significados, veja Constituição Turca de 1924.
Constituição da Turquia

Capa da Constituição Turca.
Visão geral
Título original Türkiye Cumhuriyeti Anayasası (Em tr)
Jurisdição República da Turquia
Criado 17 de julho de 1982 (41 anos)
Apresentado 20 de outubro de 1982 (41 anos)
Ratificado 7 de novembro de 1982 (41 anos)
Entrou em vigor 9 de novembro de 1982 (41 anos)
Sistema República unitária presidencialista
Estrutura do governo
Poderes Três (executivo, legislativo e judiciário)
Chefe de Estado Presidente
Câmaras Unicameral: Grande Assembleia Nacional
Executivo Gabinete presidencial
Judiciário Suprema Corte, Corte Constitucional, Conselho de Estado e Corte de Disputas Jurisdicionais
Federação Não (Unitário)
Colégio eleitoral Não
Cláusulas pétreas 3
Histórico
Primeira legislatura 6 de novembro de 1983
Primeiro executivo 13 de dezembro de 1983
Emendas 21
Última emenda 16 de abril de 2017
Comissionado por Conselho Nacional de Segurança
Autor(es) Parlamento Consultivo da Turquia
Signatários 83% do eleitorado
Antecessor(a) Constituição de 1961
Parte da série sobre
Política da Turquia
Portal da Turquia

A atual Constituição da República da Turquia, também conhecida como Constituição de 1982, é a lei fundamental da Turquia. É ela que estabelece a organização do governo e os princípios e regras da conduta do estado, além das suas responsabilidades perante os cidadãos. A constituição determina igualmente os direitos e deveres do cidadãos e estabelece os princípios e linhas de orientação para o exercício e delegação da soberania, a qual pertence ao povo turco.

O atual texto constitucional foi ratificado a 7 de novembro de 1982 e substituiu a constituição anterior, de 1961. A última revisão foi referendada a 12 de setembro de 2010 e foi aprovada com 58% de votos.

História[editar | editar código-fonte]

Desde a sua fundação na década de 1920, o moderno estado turco regeu-se por quatro textos constitucionais. A primeira constituição foi ratificada em 1921 e esteve em vigor até 1924, quando foi substituída. A constituição de 1924 foi substituída em 1961. Por último, durante a vigência da junta militar que se seguiu ao golpe de estado de 1980, a atual constituição for ratificada por referendo popular em 1982.

Desde que foi ratificada, a atual constituição supervisionou muito eventos importantes e mudanças no país, tendo sido modificada muitas vezes para acompanhar as conjunturas global e regional.

Resumo[editar | editar código-fonte]

Parte Um: Princípios fundadores[editar | editar código-fonte]

A Constituição afirma que a Turquia é uma república (1.1) secular (2.1) e democrática (2.1) cuja soberania deriva do povo (6.1). A soberania pertence à nação turca, que delega o seu exercício num parlamento unicameral, a Grande Assembleia Nacional.

O artigo 4º declara a inamovibilidade dos princípios fundadores da República definidos nos primeiros três artigos e veda quaisquer propostas para a sua modificação. O preâmbulo também evoca os princípios do nacionalismo, definidos como o "bem-estar material e espiritual da República". A natureza básica da Turquia é laicidade (2), igualdade social (2), igualdade perante a lei (10), a forma de governo republicana (1), e a indivisibilidade da república e da nação turca (3.1). Deste modo, estabelece um estado-nação unitário baseado nos princípios da democracia secular.

Os objetivos e deveres fundamentais do Estado estão definidos no artigo 5º. A constituição estabelece a separação de poderes entre o poder legislativo (7.1), poder executivo (8.1) e poder judiciário (9.1). A separação de poderes entre o poder legislativo e executivo é ténue, enquanto que entre os poderes legislativo e judicial a separação é muito marcada e respeitada estritamente.

Parte Dois: Direitos dos indivíduos e grupos[editar | editar código-fonte]

A Parte Dois da constituição é uma espécie de "declaração dos direitos dos cidadãos". O artigo1 12º garante os direitos e deveres fundamentais e liberdades, os quais estão definidos no seguintes artigos:

  • Artigo 17º — Inviolabilidade da privacidade e da entidade material e espiritual do indivíduo (direito à vida)
  • Artigo 19º — Liberdade e segurança pessoal
  • Artigo 22º — Liberdade de comunicação
  • Artigo 23º — Liberdade de residência e movimento
  • Artigo 27º — Liberdade científica e artística

O artigo 5º estabelece a razão de ser do estado turco, nomeadamente "providenciar as condições requeridas para o desenvolvimento individual material e espiritual. Muitos dos direitos constitucionais têm a sua base em declarações de direitos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que a Turquia foi um dos primeiros países a ratificar em dezembro de 1948.[1]

Igualdade dos cidadãos[editar | editar código-fonte]

Além de estabelecer a Turquia como um estado secular, o artigo 10º vai mais longe a respeito da igualdade dos seus cidadãos, proibindo qualquer discriminação com base na «língua, raça, cor, sexo, opinião política, convicções religiosas ou crenças religiosas», garantindo a igualdade perante a lei. Inspirado nos ideais da Revolução Francesa, o artigo 3º afirma que «O Estado Turco, com o seu território e nação, é uma entidade indivisível. A sua língua é o turco». O artigo 66º define a identidade cívica turca: «todo aquele que está ligado ao estado turco através da cidadania é turco».

Liberdade de expressão[editar | editar código-fonte]

O artigo 26º estabelece a liberdade de expressão e os artigos 27º e 28º a liberdade de imprensa, enquanto os artigos 33º e 34º afirmam a liberdade de associação e de reunião, respetivamente.

Direitos de grupos[editar | editar código-fonte]

As classes são consideradas irrelevantes em termos legais (10). A constituição afirma o direito dos trabalhadores a formar sindicatos «sem obterem permissão» e a «ter o direito de filiação num sindicato e liberdade para cessar de ser membro do mesmo» (51). Os artigo 53º e 54º afirmam, respetivamente, o direito dos trabalhadores de negociarem coletivamente e de fazerem greve.

Parte Três: Órgãos fundamentais[editar | editar código-fonte]

Poder legislativo[editar | editar código-fonte]

O artigo 7º prevê o estabelecimento de um parlamento unicameral como único órgão de expressão da soberania popular. O artigo 6º afirma que a «soberania está completamente e incondicionalmente na nação» e que «a nação turca exercerá a sua soberania através dos órgãos autorizados e prescritos pelos princípios estabelecidos na Constituição». O mesmo artigo também exclui a delegação de soberania «a qualquer indivíduo, grupo ou classe» e afirma que «nenhuma pessoa ou agência exercerá qualquer tipo de autoridade estatal que não emane da Constituição». O artigo 80º afirma o princípio da soberania nacional: «os membros da Grande Assembleia Nacional da Turquia representam não meramente os seus eleitores ou constituintes, mas a nação como um todo».

O capítulo um (artigos 75º a 100º) estabelecem regras para a eleição e funcionamento da Grande Assembleia Nacional como órgão legislativo, bem como as condições de elegibilidade (76), imunidade parlamentar (83) e os procedimentos legislativos gerais a serem seguidos. Segundo os artigos 87º e 88º, tanto o governo como o parlamento podem propor leis, mas apenas o parlamento tem poder para aprovar leis (87) e ratificar tratados da República com outros estados soberanos (90).

O Presidente da República é eleito pelo parlamento e tem um papel em grande parte cerimonial, como Chefe de Estado, «representando a República da Turquia e a unidade da Nação Turca» (104).

Poder judiciário[editar | editar código-fonte]

O artigo 9º afirma que «o poder judiciário será exercido por tribunais independentes em nome da Nação Turca». A Parte Quatro estabelece as regras relacionados com o funcionamento dos tribunais e garante total independência (137-140). O poder judiciário obedece à moderna separação de poderes entre as suas instâncias. Está dividido em duas entidades, uma para a justiça administrativa e outra para os restantes assuntos judiciais. O Danıştay (Conselho de Estado) é o a mais alta instância para processos administrativos (155) e o Yargıtay (Supremo Tribunal) é a mais alta instância para os restantes processos (154).

A Secção Dois da Parte Quatro estabelece um Tribunal Constitucional que vela pela conformidade das leis e decretos governamentais com a Constituição e pode ser consultado pelo Presidente da República, o governo, membros do parlamento (150) ou qualquer juiz que se depare com uma situação de possível inconstitucionalidade apontada por um réu ou autor de um processo (152). O Tribunal Constitucional tem o direito de rever leis e decretos tanto a priori como a posteriori e pode invalidar leis inteiras ou decretos e banir a sua aplicação para todos os caso futuros (153).

Poder executivo[editar | editar código-fonte]

Segundo o artigo 8º, o poder executivo é investido no Presidente da República e no Conselho de Ministros. O Capítulo Um da Parte Três, Secção Dois (artigos 109-116) estabelece as regras para a confirmação e funcionamento do governo, compreendendo o primeiro-ministro e o Conselho de Ministros (109).

O Capítulo Dois da Parte Três, Secção Quatro organiza o funcionamento da administração central e algumas instituições importantes da República, como as suas universidades (130-132), administração local (127), serviços públicos fundamentais (128) e segurança nacional (117-118). O artigo 123º estipula que «a organização e funções da administração são baseadas nos princípios da centralização e na administração local».

Segurança nacional[editar | editar código-fonte]

As Forças Armadas da Turquia (Türk Silahlı Kuvvetleri, TSK) estão subordinadas ao Presidente da República, na qualidade de Comandante Supremo. O Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas (Türkiye Cumhuriyeti Genelkurmay Başkanlığı) é responsável perante o primeiro-ministro no exercício das suas funções e este último responsável, juntamente com o resto do Conselho de Ministros, perante o parlamento (117).

O Conselho de Segurança Nacional (Millî Güvenlik Kurulu, MGK) é um organismo de aconselhamento, que compreende o Chefe de Estado-Maior-General, os quatro principais comandantes das Forças Armadas, e membros escolhidos do Conselho de Ministros, que tem como objetivo desenvolver a «política do estado de segurança nacional» (118).

Revisão[editar | editar código-fonte]

O artigo 175º estabelece os procedimentos para a revisão da constituição e suas emendas, seja por referendo, seja por maioria qualificada de 2/3 na Grande Assembleia Nacional. Não é reconhecido o direito de iniciativa popular: só os membros do parlamento podem propor modificações ao texto constitucional.

A última revisão foi aprovada com 58% de votos favoráveis no referendo de 12 de setembro de 2010, simbolicamente o 30º aniversário do golpe de 1980. Segundo os seus proponentes, liderados pelo partido no poder, o AKP do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdoğan, a revisão tinha como objetivos remover os aspetos constitucionais apontados pela União Europeia como entraves à adesão da Turquia aquela organização, aliviar o secularismo radical herdado do kemalismo e retirar influência políticas aos militares.[2][3]

Críticas[editar | editar código-fonte]

A Constituição de 1982 tem sido criticada por alegadamente limitar a liberdade individual cultural e política por comparação com a anterior constituição de 1961.

Minorias étnicas e língua[editar | editar código-fonte]

Os críticos reclamam que a constituição nega direitos fundamentais às populações curdas. Pelo Tratado de Lausana que estabeleceu a República Turca, as únicas minorias étnicas legalmente reconhecidas são os gregos, arménios e judeus, que além disso têm alguns privilégios não reconhecidos as outras comunidades étnicas, nomeadamente o uso das respetivas línguas em escolas. Os artigos 3º e 10º (o primeiro de forma implícita e o último explícita) proíbem a divisão da Nação Turca em sub-entidades e a referência nas leis a grupos étnicos como estando separados do resto da Nação Turca, devido à indivisibilidade da nação, segundo o espírito da "turquicidade" baseada na cidadania em vez de baseada na etnicidade mencionado acima. este princípio de indivisibilidade encontra-se igualmente no artigo primeiro da Constituição de França ratificada em 1958.

O artigo 3º determina que a língua oficial da Turquia é o turco. A Comissão Europeia Contra o Racismo e Intolerância do Conselho da Europa (ECRI) opinou no seu terceiro relatório sobre a Turquia, de fevereiro de 2005, que o parlamento deveria rever o artigo 42º da constituição, que proíbe o ensino de qualquer outra língua que não o turco como língua principal nas escolas. Desde 2003, as escolas privadas podem ter aulas em línguas minoritárias, mas os currículos, a nomeação de professores e os critérios para autorização estão sujeitos a grandes restrições. Todos os cursos privados em curdo foram encerrados em 2005 devido a barreiras burocráticas e à relutância dos curdos em «terem que pagar para aprender a sua língua materna».

Liberdade de expressão[editar | editar código-fonte]

A constituição garante a liberdade de expressão no artigo 26º, mas o artigo 301º do código penal turco determina que «Uma pessoa que denigra publicamente a Nação Turca, a República ou a Grande Assembleia Nacional, será punido com prisão entre seis meses e três anos» e também que «Expressões de pensamentos tendentes com a intenção de criticar não constituem um crime».

O comentário do Prémio Nobel de Literatura de 2006, Orhan Pamuk «Um milhão de arménios e 30 000 curdos foram mortos nestas terras, e ninguém senão eu se atreve a falar disso.» foi considerado por alguns como uma violação do artigo 10º da Constituição e foi-lhe movido um processo judicial em 2005. A queixa contra Pamuk foi feita por um grupo de advogados liderados por Kemal Kerinçsiz, sendo o escritor acusado pelo Ministério Público ao abrigo do artigo 301º do Código Penal turco. Orhan Pamuk foi posteriormente libertado e as acusações anuladas pelo Ministro da Justiça por detalhes técnicos. O mesmo grupo de advogados apresentou queixas com a mesma fundamentação contra outros autores e jornalistas menos conhecidos. Kerinçsiz foi indicado judicialmente em 2008 juntamente com muitos outros no âmbito da investigação da Ergenekon, uma suposta organização golpista de inspiração kemalista que pretendia levar a cabo um golpe de estado para derrubar o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdoğan que muitos compararam à Operação Gladio.

Influência dos militares[editar | editar código-fonte]

A constituição é também criticada por dar considerável influência nos assuntos políticos às forças armadas turcas, que se vêm a si próprias como as guardiãs da natureza secular e unitária da República e das Reformas de Atatürk, por via do Conselho de Segurança Nacional.

Notas e referências[editar | editar código-fonte]

Constitution of the Republic of Turkey no Wikisource em inglês.

  • Gözler, Kemal (2000). Türk Anayasa Hukuku (em turco). Bursa: Ekin Kitabevi Yayınları. ISBN 975-7338-57-5 
  • Çağlar, Gazi (2004). Die Türkei zwischen Orient und Okzident: eine politische Analyse ihrer Geschichte und Gegenwart (em alemão). Münster: Unrast. ISBN 3-89771-016-1 
  • Rumpf, Christian (2004). Einführung in das türkische Recht (em alemão). Munique: C. H. Beck. p. 31-80. ISBN 978-3-406-51293-3 
  1. «The Universal Declaration of Human Rights». www.aidh.org (em inglês). Collège universitaire Henry Dunant. Consultado em 28 de junho de 2011. Arquivado do original em 15 de dezembro de 2008 
  2. Keetman, Von Jan; Dumbs, Helmar (12 de setembro de 2010). «Erfolg für Erdogan: Türkei stimmt für neue Verfassung». diepresse.com (em alemão). Die Presse. Consultado em 28 de junho de 2011 
  3. «Erfolg für Erdogan: Türken für Verfassungsreform». diepresse.com (em alemão). Die Presse. 12 de setembro de 2010. Consultado em 28 de junho de 2011