Castidade – Wikipédia, a enciclopédia livre

Alegoria da castidade (1475), por Hans Memling

Castidade é a pureza espiritual em relação ao sexo, significando, assim, a abstenção de conduta sexual desviante, conforme definido pelos padrões morais e diretrizes de uma cultura, civilização ou religião. O termo pode ser associado com a abstinência sexual, especialmente no contexto do sexo pré-marital e extraconjugal (e pode ser usado de forma intercambiável). Nas religiões abraâmicas, a castidade é uma das regras para manter-se ao lado de Deus. Nas religiões e crenças orientais, como o Budismo, a castidade é vista como o caminho para atingir a libertação ou iluminação dos sofrimentos e decepções humanas.

Etimologia[editar | editar código-fonte]

A palavra "castidade" vem da palavra "casto", que, por vez, vem do latim castus, que significa "puro".

Visões religiosas[editar | editar código-fonte]

Igreja Católica[editar | editar código-fonte]

Para a igreja católica, a castidade antes do casamento é uma forma de conhecer o parceiro. A Igreja aceita que o desejo pelo prazer sexual faz parte da natureza humana, mas que a felicidade e o prazer não são sinônimos. O prazer poderia transformar o parceiro sexual em um meio, em um ato egoísta, enquanto o verdadeiro conhecimento do parceiro (amor) poderia estar sendo camuflado.

Sendo a virtude que modera o prazer vinculado à propagação da espécie,[1] a castidade recebe também a denominação de Santa Pureza porque se crê ser impossível vivê-la sem a ajuda do Espírito Santo: a pureza cristã é “pureza santa”, um dom do Espírito Santo. Nesse sentido, ensinava o Papa João Paulo II que a pureza “é a glória de Deus no corpo humano” (cf. Audiência, 18/3/1981). Em termos negativos, consiste na “energia espiritual que liberta o amor do egoísmo e da agressividade” (CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A FAMÍLIA, Sexualidade Humana, verdade e significado, n. 16).

Em relação à sexualidade, a Igreja Católica convida todos os seus fiéis a viverem na castidade, que é uma "virtude moral e um dom de Deus" que permite a "integração positiva da sexualidade na pessoa".[2] Esta integração tem por objectivo tornar possível "a unidade interior do homem no seu ser corporal e espiritual",[3] supondo por isso de "uma aprendizagem do domínio de si, que é uma pedagogia da liberdade humana. A alternativa é clara: ou o homem comanda as suas paixões e alcança a paz, ou se deixa dominar por elas e torna-se infeliz". "A virtude da castidade gira na órbita da virtude cardinal da temperança".[4]

Logo, "todo o baptizado é chamado à castidade" [5] porque a sexualidade só se "torna pessoal e verdadeiramente humana quando integrada na relação de pessoa a pessoa, no dom mútuo total e temporalmente ilimitado, do homem e da mulher",[3] ambos unidos pelo sacramento do Matrimónio (que é indissolúvel).[6] Por isso, os actos sexuais só podem "ter lugar exclusivamente no Matrimónio; fora dele constituem sempre um pecado grave".[7] Por estas razões, o sexo pré-marital, a pedofilia, "o adultério, a masturbação, a fornicação, a pornografia, a prostituição, o estupro" e os actos sexuais entre homossexuais são condenados pela Igreja como sendo "expressões do vício da luxúria".[8]

Segundo esta mesma doutrina, atentam contra a castidade o recurso aos períodos infecundos por egoísmo, sem que existam motivos sérios.[9] Também são condenadas a esterilização ou a contracepção, que são considerados atos intrinsecamente imorais, e portanto jamais justificáveis pelas circunstâncias.[10]

O verdadeiro amor conjugal e matrimonial, onde a relação sexual é vivida dignamente, só é possível graças à castidade conjugal.[11] Esta virtude permite uma vivência conjugal perfeita assente na fidelidade e na fecundidade matrimoniais, onde o Amor é vivido plenamente como uma comunhão de "dádiva mútua do eu, […] de afirmação mútua da dignidade de cada parceiro" e um "encontro de duas liberdades em entrega e receptividade mútuas".[12] Na vivência deste amor, a sexualidade (e o sexo) torna-se "humana e totalmente humanizada", tornando-se também na grande expressão deste amor recíproco, onde o homem e a mulher se unem e se complementam.[12]

Para além da castidade conjugal (que não implica a abstinência sexual dos casados), existem ainda diversos regimes de castidade: a virgindade ou o celibato consagrado (para os religiosos, as pessoas consagradas, os clérigos, etc.), e "a castidade na continência" ou abstinência (para os não casados).[13]

Regimes de castidade[editar | editar código-fonte]

Todo cristão é chamado à castidade. O cristão se há "revestido de Cristo" (Gl 3, 27), modelo de toda castidade. Todos os fiéis cristãos são chamados a uma vida casta segundo o seu estado de vida particular. No momento do seu Batismo, o cristão se compromete a dirigir a sua afetividade na castidade.

O Lírio é considerado um dos símbolos da pureza

Existem três formas da virtude da castidade: a dos esposos, a das viúvas e a da virgindade. As relações sexuais somente serão castas dentro do matrimônio.

Castidade conjugal[editar | editar código-fonte]

Para os casados significa fidelidade ao cônjuge e aos compromissos assumidos no matrimônio. Para o casado significa, também — mas não só — manter-se fiel ao matrimônio. Até porque o conceito de fidelidade é, per se, muitíssimo mais abrangente do que o concebe a compreensão ordinária (popular, vulgar).

Fidelidade é um atributo elevado, primeiramente da pessoa para consigo mesma, interior, de tal modo que "se alguém é fiel a outrem, certamente o é pelo fato de primeiramente o ser em seu íntimo. Pode-se mesmo fazer a seguinte inferência: quem é fiel (lato sensu) é casto e vice-versa.

Os esposos cristãos têm sempre presente que, segundo a doutrina de São Paulo, o matrimônio cristão é símbolo da união existente entre Cristo e a sua Igreja. O primeiro efeito deste amor é a união indissolúvel de corações, e por conseguinte, a inviolabilidade da fidelidade de um ao outro.

Os esposos devem respeitar a santidade do leito conjugal com a pureza de suas intenções e a honestidade de seu trato. Devem cumprir fiel e sinceramente o dever conjugal, pois tudo o que serve para a transmissão da vida é, não só lícito, como louvável, mas qualquer ato que se opuser a este fim primeiro constitui pecado grave.[14]

Continência[editar | editar código-fonte]

Para os solteiros que aspirem ao matrimônio requer abstenção absoluta (continência) até o casamento, significa portanto abstinência. Para o solteiro, castidade, pela sua abrangência conceitual, tem, também — e compreensivelmente — o sentido de de manter-se virgem (casto, puro), até o casamento, como se o entenda na cultura onde vive.

A castidade oferece no cristianismo uma preparação espiritual para o sacerdócio, o matrimônio, a vida religiosa ou o celibato. O voto de castidade total é considerado obrigatório para os ministros consagrados (sacerdotes e bispos, assim como para as distintas ordens religiosas, tanto masculinas como femininas). Não obstante este voto absoluto não é requerido em outras igrejas cristãs como a protestante.

Porém a injunção bíblica da castidade não se refere de forma direta a uma obrigatoriedade ao celibato, que seria a completa abstinência sexual tanto que São Paulo na Primeira Epístola a Timóteo dá a seguinte recomendação: "2. Porque o bispo tem o dever de ser irrepreensível, casado uma só vez, sóbrio, prudente, regrado no seu proceder, hospitaleiro, capaz de ensinar, 3. não dado à bebida, nem brigão, mas indulgente, pacífico e sem interesse por dinheiro. 4. deve saber governar bem a sua casa, educar os seus filhos na obediência e na castidade". (I Timóteo 3:2-4 versão Bíblia Sagrada Ave-Maria) Nos dias dos apóstolos os bispos poderiam casar e ter filhos, foi a partir do Sínodo de Elvira, em 304, que "ficou plenamente decidido impor aos bispos, aos presbíteros e aos diáconos, como a todos os clérigos no exercício do ministério, a seguinte proibição: que se abstenham das suas esposas e não gerem filhos; quem, porém, o fizer deve ser afastado do estado clerical." Conforme o Padre Chistian Cochini, jesuíta francês que estudou profundamente o tema.

É claro que a questão teológica gera inúmeros debates, tanto entre os católicos como entre os protestantes.

Segundo a moral cristã a castidade purifica o amor e o eleva, é a melhor forma de compreender e sobretudo de valorizar o amor.

Fidelidade é amor e respeito ao próximo e a Deus, é ser sincero aos seus compromissos e escolhas, é abnegação aos desejos da carne, a cobiça pelo próximo e ao alheio. Ser fiel é ter compromisso, e não apenas envolver se.

Virtudes auxiliares[editar | editar código-fonte]

  • Pudor, que protege a intimidade e consiste na vergonha nascida do temor de realizar um ato indecoroso ou indigno. É uma espécie de sentinela de defesa da castidade.
  • Humildade, que faz desconfiar de si mesmo e confiar em Deus e fugir das ocasiões que põem em perigo a castidade.
  • Mortificação, que disciplina o amor ao deleite desordenado e ataca o mal pela raiz. A prática da sobriedade e às vezes do jejum ou de alguma penitência exterior.
  • Laboriosidade, atividades físicas ou intelectuais, diligência e aplicação nos estudos e no cumprimento das próprias obrigações, que previnem os males e perigos decorrentes da ociosidade.
  • Caridade, ou seja o amor de Deus, que, enchendo o coração o desocupa de afetos desordenados (Deus caritas est).
  • Piedade, virtude que leva à devoção e à oração. Os católicos costumam ainda cultivar a devoção à Virgem Maria como protetora da virtude da castidade que também a denominam de "santa pureza".[15]

Ofensas à castidade[editar | editar código-fonte]

Dentro da moral cristã são consideradas ofensas graves contra a virtude da castidade:

  • Luxúria, que constitui uma busca desordenada do prazer venéreo, uma vez que é buscado exclusivamente por si mesmo.
  • Masturbação que é considerado um ato anti natura.
  • Fornicação, vista como relações sexuais fora do matrimônio e as relações pré-matrimoniais.
  • Homossexualidade, é considerada contraria à lei natural, fecha o ato sexual ao dom da vida.[16]
  • Pornografia, segundo a moral cristã "desnaturaliza a finalidade do ato sexual".
  • Prostituição
  • Violação
  • Incesto, são as principais ofensas contra a virtude da castidade.
São José é apresentado pela Igreja Católica como modelo de castidade (Cuzco, séc. XVIII)

Santos e castidade[editar | editar código-fonte]

Todos os santos, notadamente, os reconhecidos pela Igreja Católica, leigos ou religiosos, de alguma forma sempre fizeram a apologia da castidade, desde os primórdios do cristianismo até os dias atuais. São Josemaria Escrivá, canonizado no último decênio do século XX, por exemplo, deixou escrito sobre a castidade:

Que bela é a santa pureza! Mas não é santa nem agradável a Deus, se a separamos da caridade. A caridade é a semente que crescerá e dará frutos saborosíssimos com a rega que é a pureza. Sem caridade, a pureza é infecunda, e as suas águas estéreis convertem as almas num lamaçal, num charco imundo, donde saem baforadas de soberba. [17]
A caridade teologal surge-nos, sem dúvida, como a mais alta das virtudes. Mas a castidade é o meio "sine qua non", uma condição imprescindível para se atingir o diálogo íntimo com Deus. E quando não é observada, quando não se luta, acaba-se cego; não se vê nada, porque o homem animal não pode perceber as coisas que são do Espírito de Deus.
Nós queremos olhar com olhos limpos, animados pela pregação do Mestre: "Bem-aventurados os que têm o coração puro, porque verão a Deus." A Igreja apresentou sempre estas palavras como um convite à castidade. Guardam um coração sadio, escreve São João Crisóstomo, "os que possuem uma consciência completamente limpa ou os que amam a castidade." Nenhuma virtude é tão necessária como esta para ver a Deus. [18]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. TANQUEREY, Adolphe. Compêndio de Teología Ascética y Mística, Madri: Edicionaes Palabra, 1996, pg.582.
  2. IGREJA CATÓLICA (2000). Compêndio do Catecismo da Igreja Católica. Coimbra: Gráfica de Coimbra. pp. N. 488. ISBN 972-603-349-7 
  3. a b IGREJA CATÓLICA (2000). Catecismo da Igreja Católica. Coimbra: Gráfica de Coimbra. pp. N. 2337. ISBN 972-603-208-3 
  4. Ibidem, n. 2339 e 2341
  5. Ibidem, n. 2348
  6. IGREJA CATÓLICA (2000). Compêndio do Catecismo da Igreja Católica. Coimbra: Gráfica de Coimbra. pp. N. 346. ISBN 972-603-349-7 
  7. IGREJA CATÓLICA (2000). Catecismo da Igreja Católica. Coimbra: Gráfica de Coimbra. pp. N. 2390. ISBN 972-603-208-3 
  8. IGREJA CATÓLICA (2000). Compêndio do Catecismo da Igreja Católica. Coimbra: Gráfica de Coimbra. pp. N. 492 e 502. ISBN 972-603-349-7 
  9. «Catecismo da Igreja Católica, nº 497.» 
  10. «Catecismo da Igreja Católica, nº 498.» 
  11. GEORGE WEIGEL (2002). A Verdade do Catolicismo. Resposta a Dez Temas Controversos. Lisboa: Bertrand Editora. pp. págs. 102. ISBN 972-25-1255-2 
  12. a b GEORGE WEIGEL (2002). A Verdade do Catolicismo. Resposta a Dez Temas Controversos. Lisboa: Bertrand Editora. pp. págs. 101, 104 e 105. ISBN 972-25-1255-2 
  13. IGREJA CATÓLICA (2000). Catecismo da Igreja Católica. Coimbra: Gráfica de Coimbra. pp. N. 2349. ISBN 972-603-208-3 
  14. Victor Garcia Hoz. Ed. Rialp, Madri, 1992; pg. 584.
  15. Oração da tradição católica: Ave maris stella | Virgo singularis | Inter omnes mitis | Nos culpes solutos | Mites fac et castos.
  16. Catecismo da Igreja Católica n. 2357 a 2359. "Atos homossexuais são contrários à lei natural (...) Eles não vêm de uma complementaridade afetiva e sexual genuína. Não são aprovados sob nenhuma circunstância."
  17. (Caminho, 119)
  18. (Amigos de Deus, 175)
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