Aviação experimental – Wikipédia, a enciclopédia livre

Falco F8, projeto de Stelio Frati com estrutura em madeira, é considerado um dos aviões de pilotagem mais harmoniosa já projetados, e é vendido em plantas para construção experimental.

A aviação experimental é um ramo do universo aeronáutico no qual indivíduos empreendem a construção da maior parte de suas aeronaves. Essa construção pode ser feita a partir de um projeto próprio, ou a partir de plantas feitas por engenheiros aeronáuticos, ou ainda, a partir de kits pré-fabricados.

História[editar | editar código-fonte]

A aviação experimental existe desde a época dos pioneiros do voo, e o primeiro propagador dessa prática foi Alberto Santos-Dumont, que difundiu gratuitamente as plantas de sua aeronave Demoiselle para outros que eventualmente se interessassem em reproduzi-la. [1]

Stitts SA-3A Playboy, projeto experimental dos anos 1960 que serviu de base para diversos construtores

Posteriormente, a prática caiu em desuso em razão das duas guerras mundiais e do aumento da industrialização aeronáutica, que ocasionou farta disponibilidade de aviões a preços baratos. No entanto, a partir da década de 1950, a prática da aviação experimental se renovou mundo afora, especialmente a partir da criação da Experimental Aircraft Assotiation - EAA, responsável pelo EAA AirVenture, o maior evento de aviação do mundo, que reúne milhares de aviões todos os anos. Na França, a prática da construção amadora de aeronaves também foi consolidada a partir da década de 1950, com aviões como o Bébé Jodel, ou modelos mais elaborados projetados por Claude Piel e Marcel Jurca[2].

Além dos Estados Unidos, a França é um dos países que mais incentiva a prática da aviação experimental, inclusive autorizando subsídios financeiros, como os previstos no Artigo D521-4 do Código da Aviação Civil daquele país[3].

No Brasil, a Associação Brasileira de Aviação Experimental (ABRAEX) e a Associação Brasileira de Ultraleves (ABUL) estimularam durante muitos anos a aviação experimental e desportiva.

Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), existem mais de 5 mil aeronaves[4] na categoria experimental sobrevoando o céu do Brasil - mas, além dos aviões, também estão inclusos neste cômputo outros aparelhos da aviação aerodesportiva, como ultraleves, balões, girocópteros, dirigíveis, planadores e motoplanadores.

Características[editar | editar código-fonte]

Uma aeronave experimental clássica se diferencia das outras de fabricação industrial pelo fato de ter a maioria das etapas construtivas feitas pela mesma pessoa - é a chamada 'aeronave de construção amadora[5]. Entretanto, também existem aeronaves semi-experimentais feitas por empresas, constituindo a categoria ‘Aeronaves Leves Esportivas’ (ALE, ou LSA)[6]. Além dessas duas, a regulamentação brasileira também prevê aeronaves experimentais para exibição aérea, competição aérea e categoria primária a partir de conjuntos (kits)[7].

Swearingen SX-300, aeronave de contrução amadora

Aeronaves experimentais são construídas por seus próprios operadores, sob a supervisão de engenheiros aeronáuticos, e passam por uma vistoria antes do primeiro voo, recebendo um 'certificado de aeronavegabilidade especial' se demonstrarem total capacidade de voo[8]. Diferenciam-se das aeronaves industrializadas, que recebem certificado de voo 'standard', ou 'padrão', concedido após uma extensa campanha de voos de teste com protótipos.

Deve-se destacar que aeronaves experimentais ALE ou de construção amadora não devem ser confundidas com os ultraleves, que são uma categoria à parte, e que não exigem qualificação de piloto para serem operadas[9].

Aeronaves experimentais são feitas com os mesmos materiais de uso comprovado na aviação de todas as épocas, e isso inclui alumínio, aço, madeira, fibra de vidro e, mais recentemente, carbono.

Considerando que aeronaves experimentais não são submetidas a testes de padronização para fins de fabricação seriada, as legislações dos países proíbem o seu uso para transporte remunerado de passageiros. Por outro lado, a difusão da aviação experimental possui valor estratégico para a indústria aeronáutica, pois geralmente é nesse ramo que pilotos, entusiastas, pesquisadores e empresários interagem e adquirem experiência para depois empreenderem a fabricação industrial de aviões[10].

Wag-Aero SuperChub, aeronave experimental para uso em pistas curtas e terrenos acidentados

O francês Henri Mignet dizia que o construtor amador de aviões pertence a uma elite que conhece seu avião nos mínimos detalhes, e, segundo ele, a palavra "amador" deveria ser entendida no sentido nobre do termo, que é o "esclarecido, o conhecedor, o esteta, o esportista, e não no sentido pejorativo como na expressão 'é serviço de amador" [11].

Regulamentação[editar | editar código-fonte]

No Brasil, o Decreto Nº 6.780/2009, que define a Política Nacional de Aviação Civil (PNAC), estabelece que o Estado deve incentivar a aviação experimental, com a seguinte disposição[12]:

3 - AÇÕES ESTRATÉGICAS

(...)

3.5.O DESENVOLVIMENTO DA AVIAÇÃO CIVIL

• Reconhecer a especificidade e promover o desenvolvimento das atividades de aviação agrícola, experimental e aerodesportiva, desenvolvendo regulamentação específica para os setores e estimulando a difusão de seu uso.

O Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/86) autoriza a concessão do certificado de aeronavegabilidade especial no seguinte artigo[13]:

Art. 67. Somente poderão ser usados aeronaves, motores, hélices e demais componentes aeronáuticos que observem os padrões e os requisitos previstos nos regulamentos referidos no art. 66 deste Código, ressalvada a operação com certificado de aeronavegabilidade especial.  

§ 1° Poderá a autoridade aeronáutica, em caráter excepcional, permitir o uso de componentes ainda não homologados, desde que não seja comprometida a segurança de vôo.

(...)

§ 4º Compete à autoridade de aviação civil regulamentar os requisitos, as condições e as provas necessários à emissão do certificado de aeronavegabilidade especial.

A ANAC, por sua vez, é a autoridade competente para conceder o certificado de aeronavegabilidade especial, e assim define as aeronaves dessa categoria[14]:

2.1

Aeronave Experimental

É toda aeronave que opera com o Certificado de Autorização de Voo Experimental. De maneira geral é uma aeronave não certificada, compreendendo as aeronaves em processo de certificação, incluindo as destinadas à pesquisa e desenvolvimento, as aeronaves de construção amadora, entre outras.

No mesmo documento, a ANAC elenca a destinação das aeronaveis elegíveis a um certificado especial:

Os propósitos previstos para operação com CAVE são os seguintes: pesquisa e desenvolvimento, demonstração de cumprimento com requisitos, treinamento de tripulações, exibição, competição aérea, pesquisa de mercado, operação de aeronave de construção amadora, operação de aeronave categoria primária montada a partir de conjuntos e operação de aeronave leve esportiva.

Sobre a aviação experimental e afins, a ANAC também possui os seguintes regulamentos:

  • aeronaves experimentais de construção amadora (Instrução Suplementar nº 21.191-001[15]);
  • aeronaves experimentais de valor histórico (Instrução Suplementar nº 21.191-002[16]);
  • Aeronaves Leves Esportivas (RBAC 01[17])
  • operação de ultraleves (RBHA 103[18]).

A ANAC revogou o RBHA 37 (construção de aeronave experimental) em 2012[19]. Esse regulamento continha requisitos para a construção amadora e os processos de fabricação. Delimitava fatores de carga e a construção do tanque de combustível. Já o RBHA 38 foi revogado em 2011[20].

Exemplos de aeronaves experimentais[editar | editar código-fonte]

Van's RV 14

Existem centenas de plantas e kits disponíveis para os construtores amadores, incluídos alguns de projeto nacional.

  • O primeiro avião experimental popularizado no mundo foi o Demoiselle, de Santos-Dumont.
  • Aeronaves acrobáticas "Pitts" estão entre as mais veteranas no ramo das experimentais, com mais de sete décadas de operacionalidade.
  • A partir dos anos 1990, aeronaves experimentais Van's RV tornaram-se extremamente difundidas no mundo.
  • A empresa Wag-Aero é conhecida por disponibilizar plantas e kits de aeronaves clássicas.
  • A fábrica de kits Lancair produz aeronaves que estão entre as mais velozes da categoria.
  • O engenheiro gaúcho Altair Coelho (www.altaircoelho.com.br) diponibilizou as plantas do seu avião AC-15 gratuitamente na internet, Coelho que já projetou e construiu vários outros aviões teve esta iniciativa para ajudar todos os que desejam realizar seu sonho mas encontram dificuldades e adquirir plantas, kits e materiais para construir seu avião. O AC-15, emprega materiais e solucuções símples de fácil aquisição no mercado nacional, exemplo disso é o motor AP 2.0, o mesmo do Santana, Gol e Parati, que pode ser encontrado facilmente em todo Brasil.
  • Um outro projeto nacional disponibilizado é o desenvolvido pelo Professor Claudio Barros da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), chamado de projeto CB10 Triathlon. Esse avião, com desenvolvimento bastante documentado[21], serviu de paradigma para outras aeronaves posteriormente desenvolvidas, como o ACS-100 SORA e o Wega-180. O setor de engenharia aeronáutica da UFMG também projetou os experimentais CEA-308, CEA-309 Mehari, e o CEA-311 Anequim, este último detentor de vários títulos mundiais de velocidade.
  • Painel de um RV-6
    Uma grande lista de aeronaves experimentais pode ser encontrada no site da EAA[22].

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. Clark, Anders. «History of the Experimental Certificate». Consultado em 17 de março de 2024 
  2. «Avions Jurca». Consultado em 18 de março de 2024 
  3. FRANÇA. «Code de l'Aviation Civile». Portal digital Légifrance. Consultado em 17 de março de 2024 
  4. «Aeronaves». ANAC 
  5. «Enquadramento como Aeronave Experimental ou Aeronave Leve Esportiva». Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Consultado em 17 de março de 2024 
  6. «Aeronaves leves esportivas». Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Consultado em 17 de março de 2024 
  7. BRASIL, Agência Nacional de Aviação Civil. «Manual de Procedimento MPR/SAR-132-R00». Consultado em 16 de março de 2024 
  8. BRASIL, Agência Nacional de Aviação CIvil. «Manual de Procedimento MPR/SAR-132-R00». Consultado em 16 de março de 2024 
  9. «Ultraleves Motorizados (regidos pelo RBAC nº 103)». Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Consultado em 17 de março de 2024 
  10. Rattmann, C. A., Lins Brandão Veas, P. D., & dos Santos Dias (2023). «A aviação experimental como geradora de um ambiente capacitador da indústria aeronáutica: de Santos Dumont ao contexto do direito Aeronáutico contemporâneo.». Publicações Da Escola Superior Da AGU. Consultado em 17 de março de 2024 
  11. «idem» 
  12. BRASIL. «Decreto Nº 6.780/2009 - Política Nacional de Aviação Civil (PNAC)». Consultado em 17 de março de 2024 
  13. BRASIL. «Código Brasileiro de Aeronáutica». Consultado em 15 de março de 2024 
  14. BRASIL, Agência Nacional de Aviação Civil. «Manual de Procedimento MPR/SAR-132-R00». Consultado em 16 de março de 2024 
  15. «IS 21.191-001A — ANAC». www.anac.gov.br. Consultado em 31 de maio de 2018 
  16. «IS 21.191-002A — ANAC». www.anac.gov.br. Consultado em 31 de maio de 2018 
  17. BRASIL, Agência Nacional de Aviação Civil. «Regulamento Brasileio de Aviação Civil - RBAC 01». Consultado em 16 de março de 2024 
  18. «RBHA 103A — ANAC». www.anac.gov.br. Consultado em 31 de maio de 2018 
  19. «Resolução nº 228 de 02/05/2012 — ANAC». www.anac.gov.br. Consultado em 31 de maio de 2018 
  20. «Resolução nº 210 de 29/11/2011 — ANAC». www.anac.gov.br. Consultado em 31 de maio de 2018 
  21. BARROS, Claudio. «Projeto de uma aeronave leve utilitária e acrobática de alto desempenho» (PDF). Centro de Estudos Aeronáuticos EEUFMG 
  22. «Homebuilt Aircraft Kits & Plans | EAA». www.eaa.org (em inglês). Consultado em 17 de março de 2024 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

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