Alexandre de Abonútico – Wikipédia, a enciclopédia livre

Alexandre de Abonútico
Biografia
Nascimento
para
Abonútico (en)
Morte
para
Era
Atividade
Causa da morte

Alexandre de Abonútico ou de Abonotico[1] (em grego: Ἀλέξανδρος ὁ Ἀβωνοτειχίτης; romaniz.:Aléxandros ho Abōnoteichítēs; c. 105 - ca. 170), também chamado de Alexandre, o Paflagônio, ou o falso profeta Alexandre, foi um místico e oráculo grego, fundador do culto a Glycon, que brevemente alcançou grande popularidade no mundo romano. O escritor contemporâneo Luciano relata que ele era uma fraude total — o deus Glycon era supostamente formado por uma cobra viva com uma cabeça artificial. A vívida narrativa de sua carreira dada por Luciano poderia ser considerada fictícia, não fosse a corroboração de certas moedas dos imperadores Lúcio Vero e Marco Aurélio[2] e de uma estátua de Alexandre, que Atenágoras relata ter existido no fórum de Pário, uma cidade grega em Mísia, no Helesponto.[3][4] Há outras evidências em inscrições.[5]

Luciano o descreve como tendo enganado muitas pessoas e se envolvido, por meio de seus seguidores, em várias formas de violência.[6] A força do desprezo de Luciano por Alexandre é atribuída ao ódio de Alexandre pelos epicuristas. Luciano admirava as obras de Epicuro , cujo elogio conclui a obra, e, independentemente de Alexandre ter sido ou não o mestre da fraude e do engano retratado por Luciano, ele pode não ter sido muito diferente de outros oráculos da época, quando um excesso de exploração desonesta ocorreu em alguns santuários.[7]

Biografia[editar | editar código-fonte]

A estátua de Glycon, do final do século II. (Museu Nacional de História e Arqueologia, Constança, Romênia)

Não se sabe muito sobre o início da vida de Alexandre. Aparentemente, trabalhou em espetáculos itinerantes de venda de produtos medicinais pela Grécia e pode ter sido um profeta da deusa Soi ou um seguidor de Apolônio de Tiana. Segundo Luciano, seu parceiro nas fraudes era um tal de Coconas de Bizâncio. Após um período de instrução em medicina por um médico que também, de acordo com Luciano, era um impostor, por volta de 150, fundou um oráculo de Esculápio na sua cidade natal, Abonútico (em grego: Ἀβωνότειχος; mais tarde Ionópolis), no Euxino, onde ganhou riqueza e grande prestígio, prometendo curar os doentes e revelar o futuro.[8][9]

Algum tempo antes de 160, Alexandre formou um culto em torno da adoração de um novo deus-serpente, Glycon, e com sede em Abonútico. Tendo divulgado uma profecia de que o filho de Apolo estava para nascer novamente, e conseguiu dar a impressão de que ele deveria ser encontrado nas fundações do templo de Esculápio, então em curso de construção em Abonútico, um ovo no qual uma pequena cobra viva tinha sido colocada. Em uma época de superstição nenhuma pessoa tinha uma reputação tão grande como a credulidade dos paflagônios, Alexandre teve pouca dificuldade em convencê-los da segunda vinda do deus sob o nome de Glycon. Uma grande cobra mansa com uma falsa cabeça humana, que se enrolava no corpo de Alexandre quando este se sentava no santuário do templo.[10] As inúmeras perguntas feitas ao oráculo eram respondidas por Alexandre em previsões métricas. Em seu ano mais próspero, diz-se ter dado cerca de oitenta mil respostas, sobre aflições físicas, mentais, e sociais, para cada um das quais recebia um dracma e dois óbolos.[9]

Moeda de bronze de Antonino Pio cunhada em Abonútico e mostrando o deus-serpente Glycon com a legenda "ΓΛVΚΩΝ ΑΒΩΝΟΤΕΙΧΕΙΤΩΝ" (29 mm, 16,89 g)

Alexandre fez mais do que combinar instruções de cura com o oráculo, que não era incomum na época, mas também instituiu mistérios como os de Elêusis. Através do culto, Alexandre atingiu um certo nível de influência política. A sua filha casou com Publio Mummio Sisenna Rutiliano, o governador da província romana da Ásia. Atraiu crentes do Ponto até Roma através das artes de enganar da adivinhação e da magia e foi reverenciado e consultado como um profeta por muitos indivíduos notáveis de sua época.[11] Durante a peste de 166 um versículo do oráculo foi usado como amuleto, e inscrito nas portas das casas como uma proteção, e um oráculo foi enviado, a pedido de Marco Aurélio, por Alexandre para o exército romano no rio Danúbio durante a guerra contra os marcomanos, declarando que a vitória seguiria após o lançamento de dois leões vivos dentro do rio. O resultado foi um grande desastre, e Alexandre recorreu ao velho sofisma do oráculo de Delfos para Creso para uma explicação.[3]

Seus principais adversários eram os epicuristas e os cristãos.[12] Luciano relata que Alexandre tinha os cristãos e epicuristas, como seus inimigos especiais e como os principais objetos de seu ódio: os epicuristas tinham muito pouca religião ou superstição para se submeter a um impostor religioso; e a fé cristã era muito profunda para sonhar com qualquer comunhão com Alexandre.[13]

As próprias investigações de Luciano sobre os métodos fraudulentos de Alexandre levaram a um sério atentado contra sua vida. Todo o relato dá uma descrição gráfica do funcionamento interno de um entre os muitos oráculos novos que foram surgindo neste período. Alexandre tinha a beleza notável e a personalidade marcante do charlatão bem-sucedido, e deve ter sido um homem de considerável habilidade intelectual e poder de organização. Seus métodos mais comuns eram aqueles dos numerosos oráculos do seu tempo, dos quais Luciano dá uma descrição detalhada: a abertura de inquéritos selados por agulhas aquecidas, um plano puro de forjar selos quebrados, e de dar respostas vagas ou sem sentido para questões difíceis, juntamente com uma chantagem lucrativa daqueles cujos pedidos eram comprometedores.[3]

Alexandre morreu de gangrena na perna complicada por miíase em seu septuagésimo ano de vida.

Estudos modernos[editar | editar código-fonte]

Os estudiosos têm descrito Alexandre como um oráculo que perpetrou uma fraude para enganar os cidadãos crédulos,[14][15] ou como um falso profeta, e charlatão que brincou com as esperanças de pessoas simples. Diz-se ter "feito previsões, descoberto escravos fugidos, detectado ladrões e salteadores, indicado locais onde tesouros estavam enterrados, curado doentes, e em alguns casos realmente ressuscitou os mortos".[16] O sociólogo Stephen A. Kent, em um estudo do texto, compara o Alexandre de Luciano ao “narcisista maligno” na teoria da psiquiatria moderna, e sugere que os “comportamentos” descritos por Luciano “têm paralelo com vários modernos líderes de culto”.[17] Ian Freckelton observou pelo menos uma semelhança superficial entre Alexandre e David Berg, o líder de um grupo religioso contemporâneo, os Meninos de Deus.[18]

Referências

  1. Brandão, Jacyntho Lins (2001). A poética do hipocentauro: literatura, sociedade e discurso ficcional em Luciano de Samósata. [S.l.]: Editora UFMG 
  2. Joseph Hilarius Eckhel, Doctrma Nummorum veterum, ii. pp. 383, 384
  3. a b c Este artigo incorpora texto do artigo «Alexander the Paphlagonian» (em inglês) da Encyclopædia Britannica (11.ª edição), publicação em domínio público. Este cita:
    • Luciano, em grego clássico: Άλεξάνδρος ἢ ψευδόμαντις
    • Samuel Dill, Roman Society from Nero to Marcus Aurelius (1904)
    • F. Gregorovius, The Emperor Hadrian, tradução de M. E. Robinson (1898).
  4. Atenágoras, Desculpas, c. 26
  5. Dessau, Hermann (1892). «Inscriptiones latinae selectae, 4079-4080». Berolini Apud Weidmannos. Consultado em 15 de dezembro de 2023 
  6. «Lucian of Samosata : Alexander the False Prophet». www.tertullian.org. Consultado em 15 de dezembro de 2023 
  7. Nuttall Costa, Charles Desmond, Lucian: Selected Dialogues, p. 129, Oxford University Press (2005), 0-199-25867-8
  8. Masson, John, Lucretius, Epicurean and Poet, pp. 339-340, John Murray (1907).
  9. a b Catholic Encyclopedia de 1913
  10. Frankfurther, David, Ritual Expertise in Roman Egypt and the Problem of the Category of Macician, em Schäfer, Peter e Kippenberg, Hans Gerhard, Envisioning Magic: A Princeton Seminar and Symposium, p. 115, BRILL (1997), ISBN 9-004-05432-4
  11. Neander, Johann August W, General history of the Christian religion and Church (1850), p. 41.
  12. Fergurson, Everett, Backgrounds of Early Christianity, p. 218, (2003), Wm. B. Eerdmans Publishing, ISBN 0-802-82221-5
  13. Rainy, Robert D. D., The Ancient Catholic Church: From the Accession of Trajan to the Fourth General Council, (A.D. 98-451), p. 32, Charles Scribner's Sons (1902).
  14. Hume, David, An Enquiry Concerning Human Understanding: A Critical Edition, p. 175, Oxford University Press (2000), ISBN 0198250606
  15. Meyer, Marmin W., The Ancient Mysteries: A Sourcebook, p. 43, University of Pennsylvania Press (1999), ISBN 081221692X
  16. Luciano, Alexander the False Prophet, ch. 24
  17. Stephen A. Kent. "Narcissistic Fraud in the Ancient World: Lucian's Account of Alexander of Abonuteichus and the Cult of Glycon," Ancient Narrative (University of Groningen), vol. 6.
  18. Ian Freckelton. "'Cults' Calamities and Psychological Consequences," Psychiatry, Psychology and Law, 5(1), pp. 1-46.

Fontes[editar | editar código-fonte]

Leituras adicionais[editar | editar código-fonte]

  • Gillespie, Thomas W. "A Pattern of Prophetic Speech in First Corinthians," Journal of Biblical Literature, 97,1 (1978), 74–95.
  • Jones, C. P. Culture and Society in Lucian (Cambridge, MA, 1986).
  • Ancient Scientific Basis of the" Great Serpent" from Historical Evidence, RB Stothers - Isis, 2004.
  • Martin, Dale B., "Tongues of Angels and Other Status Indicators," Journal of the American Academy of Religion, 59,3 (1991), 547–589.
  • Sorensen, E. Possession and Еxorcism in the New Testament and Еarly Christianity (Tübingen, 2002), 186-189 (Wissenschaftliche Untersuchungen zum Neuen Testament, 2. Reihe, 157).
  • Elm, D. "Die Inszenierung des Betruges und seiner Entlarvung. Divination und ihre Kritiker in Lukians Schrift „Alexander oder der Lügenprophet“," em D. Elm von der Osten, J. Rüpke und K. Waldner (Hrsg.), Texte als Medium und Reflexion von Religion im römischen Reich (Stuttgart, 2006), 141-157 (Potsdamer Altertumswissenschaftliche Beiträge, 14).

Ligações externas[editar | editar código-fonte]